Martinho Júnior | Luanda (continuação)
A batalha do Cuito Cuanavale
estendeu-se durante 11 meses (entre Julho de 1987 e Junho de 1988) em toda a
Frente Sul das FAPLA, abrangendo sobretudo as províncias do Cuando Cubango,
Huila e Cunene… todavia, o soco da mão direita a que se referiu o Comandante
Fidel de Castro (como o boxeur que com a mão esquerda o mantém e com a direita
o golpeia” –https://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html), no lado
africano do Atlântico Sul está aparentemente meio-apagado da corrente da
memória, pelo que não se comemorou em Angola, conforme a dignidade assim o
determina, o histórico 27 de Junho de 1988 em Calueque, 30 anos depois do
acontecimento!...
7- Em Setembro de 2017 e a
propósito das reinterpretações com fundo ideológico sobre os combates na Frente
Sul das FAPLA, ocorridos no âmbito da batalha do Cuito Cuanavale, o camarada
general Paulo Lara teceu, no Novo Jornal, um conjunto de pertinentes
observações (texto publicado na edição n.º 501 do Novo Jornal, de 22 de
Setembro de 2017).
Logo em relação às presenças na
cerimónia de inauguração do monumento que honrava os heróis da batalha de Cuito
Cuanavale (http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2017/8/38/Cuando-Cubango-Inaugurado-memorial-vitoria-batalha-Cuito-Cuanavale,f021f180-c94b-4db1-af9a-429fcc9e859f.html),
o camarada general Paulo Lara escreveu:
…”Praticamente despercebidos
estavam os representantes das embaixadas da Rússia e de Cuba, aliados de Angola
naqueles difíceis momentos.
Não nos podemos esquecer que, ao
contrário do que foi sendo insinuado nos últimos anos, a presença das forças
cubanas teve um papel importante nos três últimos meses dos combates em redor
do Cuito Cuanavale.
Passados 30 anos da Batalha do
Cuito Cuanavale e 42 anos da nossa Independência, estamos convencidos que sem a
atitude assumida por Angola com a solidariedade activa de Cuba, a história das
independências efectivas no continente africano seria totalmente diferente”…
Perante o injustificável, o camarada
general Paulo Lara foi mais longe e apontou um conjunto de observações que se
deveriam passar a levar em conta nas abordagens relativas à batalha do Cuito
Cuanavale, que, não me canso de repetir, abarcou toda a Frente Sul das FAPLA;
transcrevo:
“ - que o Memorial esclareça a
confusão criada entre os conceitos de Batalha, Operação e Combate e
principalmente entre a Batalha do Cuito Cuanavale e o Combate do Tumbo;
- que esteja esclarecida a
extensão e profundidade da BCC; as Regiões, Agrupações e Unidades que nela
participaram; as datas em que ela iniciou e terminou; as principais operações e
combates que a integraram; identificados os principais comandantes aos diferentes
níveis; o sistema de direcção criado desde o estratégico ao táctico. [É nosso
entender que se se considera a Batalha do Cuito Cuanavale como símbolo da
derrota contra as SADF e consequentemente da libertação da Namíbia e término do
regime do apartheid, a Frente do Cunene onde se realizou o golpe final contra
as SADF constitui parte integrante da BCC];
- que esteja explicado o
funcionamento e papel desempenhado pelo Centro de Direcção das Operações (CDO)
dirigido pelo Comandante em Chefe das FAPLA e que integrava o Ministro da
Defesa e o Chefe do Estado Maior General das FAPLA assim como os Chefes da
Missão Militar Cubana [MMCA] e a da Missão Militar Soviética em Angola [MMSA];
- que estejam integrados neste
Memorial e explicados os principais combates realizados como os de Setembro de
1987 no rio Lomba, os de Outubro no Lungue-Bungo (Moxico), os de Novembro em
Chambinga com a 16.ª Brigada, os de Fevereiro de 1988, no famoso duelo de
tanques em Chambinga no dia 14 de de Fevereiro, entre forças das 21.ª e 59.ª
Brigadas, Grupo Táctico Cubano e as SADF entre outros;
- que no Memorial esteja
referenciado, para além do das SADF, o papel exercido pelas forças das FALA
(Forças Armadas da UNITA) e a sua Direcção ao longo do período da BCC nas
diferentes frentes;
- que no Memorial esteja
clarificado o papel das forças cubanas e soviéticas ao longo da BCC, na sua
real dimensão;
- que seja rigorosamente
verificada a linguagem utilizada na terminologia militar ou identificação de
objectos ou localidades, para não corrermos o risco de que termos como
Triângulo do Tumpo ou Caixa de Chambinga, de origem das SADF sul-africanas,
passando a fazer parte do nosso vocabulário;
- que não se deixe de referenciar
a importância da BCC no surgimento da primeira doutrina militar elaborada
unicamente por oficiais angolanos - O Novo Pensamento Militar - que viria a
alterar profundamente a organização político-militar e operacional no teatro de
operações militares nos anos seguintes.”
É evidente que o camarada general
Paulo Lara fundamentou a sua explanação em função dos conceitos geoestratégicos
e técnicos da batalha do Cuito Cuanavale em toda a sua extensão e
temporalidade, todavia, parece-me a esta distância e com base no silêncio que
se registou a propósito dos 30 anos do golpe da aviação em Calueque, que as
razões dos últimos artigos publicados no Jornal de Angola sobre a batalha do
Cuito Cuanavale, só podem ser explicadas dada a natureza ideológica das
intervenções e conforme estou a ter o cuidado de evidenciar.
Ao citar fontes, como por exemplo
em “Acordos de Nova Iorque e a Paz na África Austral”, com a assinatura de
José ribeiro (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/acordos_de_nova_iorque_e_a_paz_na_africa_austral),
só existem para fundamentar a argumentação, ou fontes angolanas, ou fontes
sul-africanas, como Peter Stiff (https://www.amazon.com/default/e/B001HMU230?redirectedFromKindleDbs=true)…
É o capitalismo que cria o
artifício de dividir, de excluir, ou de marginalizar, como aconteceu por
exemplo com a comunidade da Segurança do Estado até à chegada do camarada
general Miala e por isso os seus “profetas” estão tão afoitos ao que
chega de fora, em múltiplos processos de assimilação, inibindo como
mercenários, por completo ou em partes, o pensamento integrador e articulado,
ou o pensamento dialético, em prejuízo da independência, da soberania, da
identidade nacional e da própria história!
8- Ao não se lembrarem os 30 anos
sobre o golpe da aviação da Linha da Frente progressista do Movimento de
Libertação em Calueque, a África Austral perdeu a oportunidade de conferir
relevo aos resgates que empenhadamente África deveria ter vindo a realizar!
De facto, a barragem de Calueque
foi construída em 1972, nos alvores do Exercício Alcora que integrou o esforço
económico e financeiro da criação e do arranque do Plano Cunene (http://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_18.html),
algo que tem a ver enquanto “nutriente”, com a persistência da
internacional fascista da época.
A presença na barragem de
Calueque do “apartheid” até ao 27 de Junho de 1988, reproduz a
teimosa expressão da continuidade da internacional fascista na África Austral,
ou seja a continuidade física em solo angolano do próprio Exercício Alcora
depois do 25 de Abril em Portugal, pelo que a derrota das SADF em Calueque e a
expulsão das SADF do território nacional, têm um outro significado que, com
as “filtragens” ideológicas social-democratas e cristã-democratas foi
inibido, ou excluído, em benefício de reinterpretações que interessam a
círculos conservadores e elitistas que actuam a coberto do capitalismo
neoliberal em África, também oficiosamente (conforme os artigos publicados no
Jornal de Angola sobre a batalha do Cuito Cuanavale) estabelecidos em Angola.
O Movimento de Libertação em
África, na sequência da lógica com sentido de vida, ao expulsar o “apartheid”,
com a vitória na batalha do Cuito Cuanavale, definitivamente de Angola,
propiciava não só a independência da Namíbia e do Zimbabwe, não só a possibilidade
da implantação da democracia na base de 1 homem, 1 voto, na África do Sul, mas
também, assumindo o controlo de planos (como o Plano do Cunene) e infra
estruturas (como a barragem de Calueque, entre outras barragens que polvilham o
rio Cunene), passar a ter bases e recursos para dar início à imensa luta contra
o subdesenvolvimento que há que realizar, em benefício de todos os povos da
África Austral, algo que seria imprescindível comemorar e ainda mais
imprescindível poder reflectir!
O golpe em Calueque, marcando o
colapso das SADF, afundadas nos seus projectos de “border war”, deveria
ser comemorado e reflectido por todos os componentes da Linha da Frente, da
Namíbia, do Zimbabwe e da África do Sul, bem como pelos aliados de então, em
especial Cuba e, 30 anos depois dos acontecimentos, ao se perder essa
oportunidade em função de ideologias que nada tiveram e nem têm a ver com o
sentido histórico do Movimento de Libertação em África, nem com a legitimidade
dos resgates imensos que há a realizar, conclui-se que o carácter dos estados
na África Austral e particularmente o estado angolano, está longe de poder
corresponder aos termos inequívocos de independência, de soberania e de
identidade nacional, ou seja àquilo que essencialmente lhes compete face aos
povos que os elegem!
Acima de tudo, a lavagem da
história pretende inibir qualquer veleidade anti-imperialista, numa altura em
que a globalização nos termos da hegemonia unipolar, pretende avassalar África
num revigoramento neocolonial e para que não seja dada hipótese a qualquer
veleidade na direcção dum renascimento africano!...
9- Esta reflexão tem que ver
também com a necessidade duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável
(https://paginaglobal.blogspot.com/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html),
pois o rio Cunene, tem os seus três fluxos de nascença inseridos na Região
Central das Grandes Nascentes, tal como a bacia subterrânea do Cuvelai e
as bacias do Cubango e do tributário do Zambeze, o Cuando.
A memória da batalha do Cuito
Cuanavale em toda a Frente Sul das FAPLA, 30 anos depois suscita também essa
larga abordagem sobre o espaço nacional voltado a sul e sobretudo sobre o
espaço vital.
A inteligência e a segurança nos
termos do resgate que há a realizar e de acordo com uma geoestratégia para um
desenvolvimento sustentável e em luta contra o subdesenvolvimento (http://paginaglobal.blogspot.com/2017/11/para-uma-cultura-de-inteligencia-em.html),
dão continuidade ao sentido do Movimento de Libertação em África, que no meu
entender não se pode, em razão da independência, da soberania e da identidade
nacional, desprezar.
As ideologias indexadas aos
interesses do capitalismo neoliberal, não só dividem, não só excluem, não só
subvertem, como também“obrigam” (por que são formuladas a partir das
linhas de força dominantes), a que os angolanos e os africanos, se esqueçam do
essencial sobre a dialética entre os imensos desertos quentes do continente
(também sobre o Kalahári e o deserto do Namibe) e o espaço interior vital rico
em água (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/06/a-guerra-psicologica-do-imperio-da.html),
que deverá ser o nó górdio das geoestratégias de desenvolvimento sustentável,
inequívocos garantes de futuro para todo o continente!
Não basta pois uma reflexão
apenas debruçada sobre a bacia do Congo e Grandes Lagos (http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2018/3/18/Estadistas-lancam-comissao-para-sustentabilidade-bacia-Congo,e442f60b-80b1-4d82-a006-a9b4c6745194.html),
no caso angolano sobre a Região Central das Grandes Nascentes, pois é no
pensamento dialético, tirano partido do conhecimento antropológico e histórico,
que uma inteligência de vanguarda se pode tornar garante de paz e segurança!
O ataque da aviação de 27 de
Junho de 1988 a Calueque (http://www.urrib2000.narod.ru/EqMiG23a-e.html),
tem múltiplas lições para nos dar, mas 30 anos depois, prevalece a assimilação
no pior sentido do termo!
FIM
Martinho Júnior - Luanda, 6 de Julho de 2018
Ilustrações:
- Mapa da Frente Sul das FAPLA,
de acordo com “Cuito Cuanavale revisitado” – https://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html;
- Derrota das SADF em Calueque, a
27 de Junho de 1988, uma imagem da impotência do “apartheid”;
- “Visions of freedom”, um
livro deliberadamente desconhecido dos “historiadores” angolanos e do
Jornal de Angola;
- Dois MIG-23 com as cores da
FAPA-DAA de Angola;
- Memorial do Cuito Cuanavale.
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