De altos cargos associados à
guerra e aos interesses militares transitaram para bem sucedidas empresas
privadas – e nesta qualidade desempenham agora funções no Centro de Excelência
da NATO.
José Goulão | AbrilAbril | opinião
Que a NATO é uma aliança
guerreira global não é novidade para ninguém; nem mesmo – e sobretudo – para
aqueles que continuam a jurar que não passa de uma inocente organização
defensiva. Mas a NATO dá fortes sinais de estar a transformar-se também numa
motivadora frente de grandes negócios onde os interesses público e privado
esbatem lucrativamente as suas fronteiras. Um exemplo? Chama-se Cooperative Cyber
Defence Centre of Excellence (CCDCOE), com a tradução oficial portuguesa de
Centro de Excelência para a Ciberdefesa Cooperativa e funciona a partir de
Tallin, capital da Estónia.
O CCDCOE é «uma base avançada de
negócios», garante-se à boca cheia nos meios do business onde se
aliam os interesses militares e civis que têm a morte dos outros como
recompensador modo de vida. Também é usual qualificar este Centro de Excelência
como «uma antena» que conecta a mais paranóica das obsessões actuais dos que
gerem «o nosso modo de vida» – a cibersegurança – com as potencialidades
inesgotáveis de negócio que tal actividade representa a todos os níveis e em
todos os azimutes.
A chefia desta estrutura foi entregue a um homem da casa, o
coronel Jaak Tarien, ex-comandante da Força Aérea da Estónia. Ao seu lado
tem um poderoso e galáctico Conselho Consultivo, no qual se destaca o general
na reserva e ex-director da CIA, David Petraeus, que os seus admiradores não
hesitam em qualificar como o «militar do século» na sequência das mortíferas
operações que comandou no Iraque, no Afeganistão, e a que deve acrescentar-se o
papel que desempenhou na destruição da Líbia enquanto chefe daquela agência de
espionagem.
Outro membro do Conselho
Consultivo é Koen Gisjbers, antigo ministro da Defesa da Holanda.
Duas estrelas brilhantes
Qualquer deles tem o perfil mais
que recomendável para esta missão público-privada. De altos cargos associados à
guerra e aos interesses militares transitaram para bem sucedidas empresas
privadas – e nesta qualidade desempenham agora funções no Centro de Excelência
da NATO.
Depois da sua polémica demissão,
baseada, de facto, na confissão segundo a qual, como director da CIA, sabia do
envolvimento da al-Qaida no atentado de Benghazi em 11 de Setembro de 2012 que
vitimou o embaixador norte-americano e outros compatriotas, David Petraeus surge em Tallin no papel de presidente do
poderoso fundo de investimento privado KKR (Kohlberg Kravis Roberts)1.
Mudou de organismo, mas tal não
aconteceu em relação a alguns dos parceiros de negócio. Se, no caso da Líbia,
silenciou o envolvimento da al-Qaida no atentado porque o grupo terrorista era
aliado da NATO na operação para destruir o país, na Síria mantiveram-se os
laços com a mesma organização criminosa. O KKR, sob a direcção de Petraeus, foi
um facilitador fundamental na chamada Operação
Madeira de Sicómoro autorizada por Barack Obama e que consistiu numa
das maiores canalizações de financiamento e armamento da história destinada a
grupos terroristas – al-Qaida e Estado Islâmico incluídos. Ora a título
público, como na Líbia, ora a título privado, como na Síria, o general David
Petraeus manteve-se fiel ao objectivo de destruir nações através da guerra e de
agressões externas conduzidas por mercenários ditos «fundamentalistas
islâmicos» – e sempre do lado dos interesses defendidos pela NATO. Não pode,
portanto, ser mais recomendável o seu know-how para o Centro de Excelência de
Tallin. Onde Petraeus pode agora expandir o seu negócio de cibersegurança
através da Europa, via NATO, recorrendo às empresas Optiv e Darktrace,
subsidiárias do KKR.
Os feitos do ex-ministro da
Defesa holandês não serão tão sonantes, mas afirmam-se prometedores.
Koen Gisjbers acumula o lugar no Conselho Consultivo
no Centro de Excelência da NATO com o de consultor privado do Ministério
holandês da Defesa, que já dirigiu, e ainda com as posições de «ciberconsultor»
das empresas Cyber4Board e a britânica CyNation.
Já este ano, o ex-ministro
holandês da Defesa juntou-se ainda ao Conselho Consultivo da CybExer
Technologies, sociedade com sede na Estónia que vende acções de formação em
cibersegurança a empresas privadas e governos de países membros da NATO.
Para que o funcionamento seja
mais sinergético, a CybExer e o Centro de Excelência da NATO em Tallin
partilham alguns altos quadros, transformando-se assim em mais um exemplo das
soluções público-privadas.
Portugal não perde o comboio
Uma vez que o CCDCOE e a sua
estrutura prestam serviços aos governos de países da NATO, é importante saber
que o executivo de Portugal não foi apanhado desprevenido.
Sob palavras entusiásticas e
lúcidas advertências do ministro da Defesa, Dr. Azeredo Lopes, Portugal tornou-se membro do Centro de Excelência de Tallin no
dia 24 de Abril deste ano. «Lidamos com ciberameaças diariamente», alertou
o ministro. «Ameaças e ataques que são cada vez mais sofisticados e
potencialmente mais perigosos, adensando um ambiente de ameaça complexo que
encontra na guerra híbrida a sua dimensão mais espectacular», insistiu o Dr.
Azeredo Lopes.
O ministro português demonstrou,
deste modo, estar à altura das exigências, a todos os níveis, não se esquecendo
de enfatizar como a guerra «é espectacular» e o seu carácter «híbrido», tal
como é híbrida a função do Centro de Excelência da NATO em Tallin.
O acto de adesão de Portugal,
aliás, tem o cuidado de lembrar que já em 2016, na Cimeira de Varsóvia, a NATO
declarara o ciberespaço «como um novo domínio operacional, tão relevante como o
ar, a terra e o mar».
Faltou enunciar um quinto domínio
operacional: o dos negócios. Omissão assisada, pois sabe-se como o segredo é a
alma dos ditos: em Tallin como em qualquer outro lugar, sobretudo se for com
ambição «de excelência».
1.Henri Kravis e
o seu primo George Roberts dirigem a firma Kohlberg
Kravis Roberts (KKR) desde 1987, quando Jerome
Kohlberg, Jr. se afastou da empresa acusando os seus parceiros de enriquecerem
à custa dos investidores. Kravis é um conhecido apoiante e financiador do
partido Republicano e das candidaturas de George W. Bush, George H. W. Bush e
John McCain. Contribuiu com um milhão de dólares para a festa de inauguração
presidencial de Donald Trump. É um dos administradores do poderoso Council on
Foreign Relations (CFR) instituição especializada na política externa dos EUA,
que conta entre os seus 4900 membros numerosos políticos, secretários de
Estado, directores da CIA, banqueiros, advogados, proprietários de meios de
comunicação e professores.
Imagem: Imagem do Locked Shields
2018, o maior e mais avançado exercício de cibersegurança do mundo, organizado
pelo Cyber Defence Centre of Excellence (CCDCOE) desde 2010 com o objectivo de
treinar especialistas encarregados de proteger diariamente os sistemas
nacionais de IT. CréditosFonte: Cyber Defence Centre of Excellence (CCDCOE)
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