Marco Weissheimer - Sul21 | em
Carta Maior
Em entrevista, a ex-presidenta
Dilma Rousseff (PT) fala sobre as consequências do Golpe de 2016. "O Golpe
não foi feito só para me tirar do governo, ele é feito para implantar no Brasil
uma pauta completamente diferente da aprovada pelas eleições", afirma
A recente intervenção federal no
Rio de Janeiro, colocando o Exército no comando da segurança pública, abre uma
fase muito perigosa para a já cambaleante democracia brasileira. A apresentação
da proposta de mandados de busca e apreensão coletivos e a escolha de áreas de
periferia como territórios de ocupação militar revela um caráter autoritário
típico das ditaduras tradicionais. Mais grave ainda é definir uma parte da
população brasileira como um inimigo a ser contido e reprimido. A avaliação é
de Dilma Rousseff (PT), afastada da presidência da República em 2016 por um
processo de impeachment que segue sendo alvo de denúncias, especialmente no
exterior, como ocorreu semana passada no Festival Internacional de Cinema de
Berlim. A presidenta eleita em 2014 com mais de 54 milhões de votos segue
chamando o impeachment pelo que considera ser seu nome verdadeiro: “golpe”.
Em entrevista ao Sul21, Dilma Rousseff analisa as características da atual
etapa desse golpe e alerta para seus aspectos mais graves, expressos nos
últimos dias a partir da intervenção federal no Rio de Janeiro. “É típico da
Justiça destes momentos de exceção criar a justiça do inimigo. E este inimigo,
no caso do Brasil, é o negro pobre que mora na periferia. Quem é o inimigo?
Pelas declarações de integrantes do governo vê-se uma coisa surgindo
claramente: o inimigo fala português, é brasileiro, negro e pobre ou mulato.
Ele não é branco, não mora em Ipanema nem no Leblon”.
Em relação às eleições de 2018 e
à candidatura de Lula para a presidência, ela reafirma que não existe Plano B.
“Nós vamos resistir até o fim em duas dimensões. Uma é defender a candidatura
do Lula. A outra é defender a realização das eleições. Essas duas dimensões são
duas faces de uma mesma moeda. Impedir a candidatura do Lula ou adiar as
eleições é problema deles. O nosso é ter a candidatura do Lula e ter eleição.
No Brasil, sempre que houve democracia nós ganhamos. Sempre que os processos
democráticos são contidos nós perdemos”.
Sul21: Em uma entrevista ao
Sul21, há cerca de um ano, a senhora chamou a atenção para o fato de o golpe
que a afastou da presidência ainda estar em curso e que, em sua segunda fase,
seria ainda mais radicalizado e repressivo. Na sua avaliação, os acontecimentos
que estamos vivendo hoje no país se enquadram nesta caracterização de uma nova
etapa do golpe?
Dilma Rousseff: Penso que se enquadram, sim. Mesmo o golpe de 64, que
abriu um processo de 21 anos, teve etapas e momentos de radicalização onde se
aprofundou e atuou mais sobre a sociedade que ficou mais coagida, reprimida e
fechada. O ato inaugural do golpe de 2016 é o impeachment sem crime de
responsabilidade. Não sei se você lembra, mas uma das grandes questões neste
processo inicial do golpe era uma tentativa sistemática dos golpistas de querer
impedir que usássemos a palavra “golpe” para definir o que aconteceu. É próprio
dos golpistas querer esconder a característica arbitrária, de censura e
anti-democrática de suas ações. O golpe de 64 também adotou essa prática.
Lembro perfeitamente. Quando eu estava presa, era divulgado pela mídia que não
havia presos políticos no Brasil. Apesar das cadeias cheias, nós não
existíamos. Isso fazia parte do processo de negação da ditadura militar
brasileira.
O golpe que teve seu ato inaugural em 2016 também é um processo. Naquele
momento se atinge de forma muito radical as instituições. A partir daí, teremos
conflitos crescentes. Veremos o golpe atingindo segmentos do Judiciário quando
o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4a. Região) aprovou que eu, como
presidente da República, tivesse sido gravada sem autorização do Supremo Tribunal
Federal. Isso feria gravemente não só a Constituição, como a própria Lei de
Segurança Nacional. Em qualquer país do mundo, dito de democracia avançada, uma
pessoa que gravasse o presidente da República sem autorização seria presa. Na
chamada pátria da democracia liberal, essa pessoa não duraria dois dias solta e
seria submetida inclusive a tribunais de exceção. No entanto, o TRF4 disse que
essa prática era aceitável porque decorria de uma investigação da Lava Jato que
seria um processo excepcional e, em função disso, permitiria medidas
excepcionais, mesmo que contrárias à legislação do país.
Logo após o impeachment começaram a aparecer legislações que são, nada mais
nada menos, que medidas excepcionais, fora do marco da Constituição. Houve
outro episódio que merece ser lembrado, aquela invasão do Congresso por um
grupo de pessoas, onde uma delas, ao olhar para uma bandeira do Japão, disse
que ela era uma prova da tentativa de implantar o comunismo no Brasil, Enquanto
isso, estudantes secundaristas estavam sendo presos por resistir ao avanço da
censura e da intervenção em suas escolas. É próprio dos golpes ter vários atos,
inclusive institucionais, que começam a mostrar a existência de um certo caos
entre as instituições. Neste período, já tivemos conflitos do Senado com o STF
sobre a possibilidade de investigar o senador Aécio Neves, do procurador geral
com ministro do Supremo, entre outros. Temos um caos institucional com o avanço
de certas medidas excepcionais.
Isso se reflete também,
obviamente, na pauta do golpe, que foi feito para alguma coisa. Ele não foi
feito simplesmente para me tirar do governo, mas para implantar no Brasil uma
pauta completamente diferente daquela aprovada pela maioria da população nas eleições
de 2014. O governo golpista que assume não tem legitimidade para cumprir o
programa que vai cumprir, ferindo diretamente a Constituição. Um exemplo disso
é a aprovação da PEC que congela os gastos por 20 anos, tirando dos cinco
presidentes subseqüentes aquilo que caracteriza a eleição presidencial, a
saber, o poder de dispor do orçamento. Aprovaram uma redução indiscriminada dos
gastos e, no caso da saúde e da educação, um limite dado pela inflação, por
mais que o Brasil seja um país com imensas desigualdades e carências em termos
de educação e saúde.
A partir daí, desandam a aprovar terceirização, reforma trabalhista, entrega do
patrimônio público…Começam a pagar investidores internacionais quando não
tinham que pagar nada. Aceitam acordos de leniência que nenhum país do mundo
aceita e pagam bilhões de dólares para investidores que não têm nada a ver com
aquilo.
Sul21: A partir de que momento poderíamos falar de uma segunda etapa do
golpe?
Dilma Rousseff: Você pode periodizar esse processo do golpe de várias
formas, mas eu acho que essa segunda etapa tem uma caracterização precisa. O
golpe é um processo de enquadramento social, econômico e geopolítico do Brasil
no neoliberalismo. E esse processo tem uma data marcada, que é a eleição de
2018. Eles não conseguiram aprovar toda a pauta que desejavam. Não conseguiram,
por exemplo, aprovar a reforma da Previdência. Também não vão conseguir vender
a Petrobras ou partes dos blocos de petróleo. Também não vão conseguir vender a
Eletrobrás, nem desmontar o BNDES completamente. Tampouco conseguirão fazer
isso, neste período, com o Banco do Brasil e a Caixa. Então, eles precisam se
reproduzir, elegendo um candidato em outubro de 2018.
O maior problema do golpe é que ele, politicamente, deu errado. O que significa
“politicamente dar errado”até agora? Ele não conseguiu criar um candidato
dentro do grupo conservador básico que deu o golpe. Houve uma reação política
adversa ao golpe. Eles perderam a narrativa. O golpe passa a ser golpe.
Politicamente, há um reconhecimento de que houve um golpe. Mas eles também
foram atingidos fortemente pelo golpe. Tanto é assim que as principais
lideranças do PSDB foram praticamente destruídas em termos eleitorais. Isso não
estava previsto no script daqueles que deram o golpe.
Estão descobrindo agora algo que todo mundo sabia. Participei de uma discussão
em um programa de televisão com o então candidato Serra sobre o Paulo Preto. O
Paulo Preto disse: “não se abandona um amigo na beira da estrada”. Agora, os
jornais estão dizendo que a Suíça aponta que, na beira da estrada, há 113
milhões de reais. Houve uma destruição política do PSDB, sobrando só o Alckmin.
Mesmo o Alckmin teve um certo abalo, muito pelo fato deles também terem apoiado
o golpe. De partido da modernização conservadora, o PSDB passou a ser um
partido golpista infectado pela corrupção.
Como subproduto desse processo,
os golpistas criaram a extrema-direita. Movimentos como O Vem pra Rua e os MBL
da vida foram financiados por grandes empresários. O líder do Vem pra Rua fazia
todas as suas tratativas enquanto trabalhava para o Jorge Paulo Lemann (dono da
AmBev). Todo mundo sabe hoje o nível de financiamento que esses grupos
receberam do exterior. Além deles, todo preconceito, toda radicalização
política e intolerância desencadeada pelo golpe refletia, não só o processo do
impeachment, mas o fato de que somos uma sociedade que saiu da escravidão há
130 anos e que tem uma elite que não se conforma que seus privilégios sofram um
único arranhão. Essa elite considera que, entre esses privilégios, estão
serviços públicos que devem ser vedados à população mais pobre. A história dos
aeroportos é um exemplo disso. Outro é a inconformidade com o acesso da
universidade de pessoas que, na avaliação deles, não deveriam estar lá. O filme
“Que horas ela volta” é extremamente expressivo ao mostrar a relação entre
exclusão e privilégio no Brasil.
De tudo isso, surge o Bolsonaro. Pela primeira vez, no período
pós-democratização, algo que existia na sociedade, mas não aparecia, acabou
aparecendo. Toda manipulação feita pela mídia, em especial pela Rede Globo, bem
representada pela Tuiuti com os patos amarelos, permite que, nas fissuras
abertas pelo impeachment, surja a extrema-direita. A respeito desse fenômeno,
penso que cabe uma reflexão séria sobre a relação entre a financeirização, o
aumento da desigualdade e os efeitos sobre a democracia.
Sul21: Isso não só em escala nacional…
Dilma Rousseff: Sim. Temos uma democracia mitigada. Por que, em vários
países, a extrema-direita passou a ter uma importância que não tinha nos
momentos anteriores. Não estou falando só da Frente Nacional, na França, mas do
surgimento recente, na Alemanha, de movimentos neonazistas que não tinham
aparecido no Parlamento até então.
Então, voltando ao caso brasileiro, o efeito político do golpe foi um processo
de quebra no bloco conservador com o surgimento da extrema-direita com maior
força. E do lado dos partidos de esquerda, o que acontece? Eles esperavam que o
PT, o partido com mais força dentro do campo democrático e popular, tivesse
morrido. O processo do impeachment trazia com ele uma clara direção e foco: o
meu afastamento, a destruição das lideranças do PT e a tentativa de transformar
o presidente Lula em uma pessoa execrável. Esse era o objetivo dos pixulecos na
avenida.
No entanto, o que ocorre é algo absolutamente inesperado para eles. O PT se
fortalece. No pior momento do processo de impeachment, o PT cai de 30 e poucos
para 12% da preferência popular. Agora se recuperou e hoje é o partido com
maior apoio, chegando a cerca de 20% segundo a última pesquisa. E o presidente
Lula eles não conseguem destruir. Eles começaram a fazer pesquisas no início de
2017, quando estava presente o efeito da eleição de 2016, que foi aquela
destruição, com a explosão dos outsiders. Assistimos aí também as primeiras
tentativas de fazer Luciano Huck candidato com base em algo que é estarrecedor
e que eu chamei de política social de auditório. Nós fazíamos política social
para milhões de pessoas. O Brasil precisa de política social não para dez mil
pessoas, como eram as políticas dos tucanos.
Os tucanos faziam programas-piloto para 10 mil , 20 mil pessoas e esse
programa-piloto tornava-se a base da propaganda e do marketing. No Brasil, isso
não faz nem cócegas. Mas os tucanos chegaram ao cúmulo de escolher uma pessoa
que faz um programa de auditório, onde conserta carros, reforma casas ou
arranja casa para algumas famílias. Estamos falando de um programa de
auditório. Ou seja, há uma desagregação política também nas hostes que pensam a
figura do outsider. O marketing do Dória durou quatro ou cinco meses. Depois
ele desapareceu. Creio que esse fenômeno do outsider faz parte do arquétipo da
Globo. A Globo acha que, como fez com o Collor, pode criar um outsider.
Posto que não derrotaram
politicamente o PT nem o presidente Lula, eles se dedicam a condená-lo e
retirá-lo do processo eleitoral. A saída do Lula do processo eleitoral é algo
que está na cabeça de todos eles. O cálculo político que fazem é o seguinte.
Com Lula na disputa, resta uma vaga para ser disputada para ir ao segundo
turno. Mas sem o Lula, sobram duas vagas. Então, podem acontecer coisas do arco
da velha.
Sul21: Como o quê, por exemplo?
Dilma Rousseff: Coisas como uma intervenção federal no estado do Rio de
Janeiro. Se você imaginar que a democracia tem portas, uma intervenção como
esta fecha várias delas. As explicações sobre o motivo da intervenção são
variadas. Uma delas é que se trata de criar uma manobra diversionista pela não
aprovação da reforma da Previdência. A segunda é que se trata de caminhar para
um endurecimento civil e militar. Eu não penso que a característica principal
desse processo de intervenção é militar. Para mim ela é civil, usando os
militares. Há uma última explicação que diz que, além disso, trata-se de
viabilizar a candidatura do Temer.
Esse processo de radicalização do golpe é acompanhado pelo engessamento das
instituições brasileiras. A intervenção é uma medida prevista na Constituição
de 1988, mas jamais foi usada. A questão da segurança pública é gravíssima no
Brasil, mas ela não pode ser tratada com a superficialidade que estamos
presenciando. Penso que há uma relação entre o que vinha ocorrendo, com a perda
completa de importância do governo Temer e o caráter caótico absurdo dessa
gestão, e a tentativa de um sobre-fôlego. Mas não creio que o que dá margem a
isso seja a falência do governo Temer. O que dá margem para eles pensarem numa
intervenção federal deste tipo é o TRF4 retirar o Lula do processo eleitoral, o
que dá ao governo Temer a esperança de um certo fôlego para alcançar duas
coisas. A primeira é a possibilidade de apresentar uma candidatura que defenda
o seu legado, colocando a segurança pública no centro das atenções. Mas não é
só isso. Mesmo que não seja ele o candidato, ele quer negociar a imunidade
pós-2018. Esses dois objetivos estão relacionados à retirada de Lula da disputa
eleitoral. Eles contam como certo que o Lula saiu da pauta. A presença de Lula
inviabiliza esse tipo de projeto.
Há um problema sério em meio a tudo isso que é o caráter do problema da
segurança pública no Brasil. Esse problema está relacionado a várias coisas,
algumas delas de caráter internacional como o tráfico de drogas, o tráfico de
armas, as redes de lavagem de dinheiro. Outro fator que se agravou nos últimos
tempos é a deterioração do Estado e das políticas sociais. Os salários estão
atrasados. Os investimentos e os gastos de custeio na área da segurança foram
cortados. Eu acredito que o que eles vão fazer com a intervenção no Rio são,
essencialmente, ações de curto prazo. Essa intervenção tem um objetivo de curto
prazo e ele não é resolver o problema da segurança no país. Esse objetivo é
criar as condições para melhorar o clima para o governo até a eleição de 2018.
Assim, uma questão fundamental para a população brasileira está sendo tratada
de uma forma extremamente oportunista, tentando viabilizar os últimos meses de
um governo falido e fracassado.
Por isso, não é o crime organizado que essa operação mira, mas sim o crime
desorganizado. Ela não vai desmontar as redes de tráfico de drogas e de armas.
Para tanto, são necessárias várias ações para além da intervenção no Rio de
Janeiro. Todas as experiências de intervenção militar junto ao crime organizado
nos últimos anos, especialmente aquelas financiadas pelos Estados Unidos, não
deram certo. O Plano Colômbia é um exemplo disso. O México é outro. Felipe
Calderón foi eleito prometendo que iria acabar com o crime organizado no México
e utiliza o Exército na repressão. Milhares de pessoas foram mortas e o
problema não foi resolvido.
O mais grave no caso da
intervenção no Rio é o que começou a circular nos últimos dias, como a proposta
dos mandados de busca e apreensão e de captura coletivos. Só a verbalização da
hipótese mostra a deterioração e o apodrecimento do ambiente político
institucional do país. É óbvio que isso é ilegal e afronta a Constituição. Essa
deterioração é a mais grave de todas, pois mostra um caráter autoritário
presente nas ditaduras tradicionais. Estão dando um passo além do ponto em que
estavam até então.
Eu concordo com o Pedro Serrano que é típico da Justiça destes momentos de
exceção criar a justiça do inimigo. E este inimigo, no caso do Brasil é o negro
pobre que mora na periferia. Quem é o inimigo? É a população brasileira que tem
que ser reprimida por essa intervenção federal? Pelas declarações de
integrantes do governo vê-se uma coisa surgindo claramente: o inimigo fala
português, é brasileiro, negro e pobre ou mulato. Ele não é branco, não mora em
Ipanema nem no Leblon. O que estamos vendo surgir no Brasil é uma ditadura
feita para uma parte da sociedade. Você suspende os direitos desta parte e cria
uma situação de profunda anomia no país. Qual é o passo seguinte? Qualquer
enfrentamento que houver pode levar à expansão dessas áreas sem lei e sem ordem
para outras áreas do território nacional. Estamos diante, portanto, de uma
situação muito perigosa. O mais grave na intervenção no Rio é tratar a
população brasileira como inimigo. A decorrência de ocupar território é tratar
como inimigo quem vive nele.
Sul21: Considerando a sua avaliação, essa intervenção no Rio como uma
medida de curto prazo do governo Temer para tentar sobreviver até a eleição de
2018 e para além dela, pode transbordar e ter efeitos ainda mais graves do
ponto de vista do futuro da democracia no país?
Dilma Rousseff: Pode, sim. Quando se abre um processo desse tipo, você não
sabe para onde ele vai. A gente já sabia que não há por parte deste governo
qualquer compromisso com a democracia. Mas eu não imaginava que fosse tanta
falta de compromisso. Não tem compromisso com o patrimônio nacional e com a
soberania do país. Não tem compromisso com os direitos sociais dos
trabalhadores e das próprias classes médias .
Sul21: Neste cenário, qual deve ser, na sua opinião, a estratégia para
enfrentar a tentativa de retirar o ex-presidente Lula da disputa eleitoral
deste ano?
Dilma Rousseff: Qualquer coisa que fizerem com Lula daqui para frente terá
efeitos políticos. De um lado, vão tentar encarcerá-lo. Essa tentativa
contraria a Constituição e a legislação. Nós vamos lutar juridicamente contra
ela e seguir fazendo o que estamos fazendo, indo para as ruas com as caravanas.
Aliás, aqui no Rio Grande do Sul haverá uma caravana a partir do dia 19 de
março. Nós não aceitamos de maneira alguma nenhuma discussão sobre Plano B. Uma
discussão desse tipo significaria nós resolvermos para eles uma situação e um
conflito que não foi criado por nós. É tudo o que eles querem. Você lembra que
no meu impeachment eles queriam que eu renunciasse? Você diz para a vítima: renuncie
e fica tudo bem.
Agora, dizem para nós: vocês precisam ter um plano B, algo novo. Eu acho o novo
a coisa mais fantástica do mundo. Mais fantástico ainda é o Fernando Henrique,
todo dia, puxando um candidato novo da cartola. Eu não acredito que eles vão
resolver a crise no Brasil da forma como supõem. Eles supõem que haverá uma paz
de cemitério no país. Acho muito difícil hoje ter uma paz de cemitério no
Brasil. Eles vão tentar transformar as eleições em algo insípido, inodoro e
incolor. Pode ter até só 30% de votos. Isso não importa para eles. E ainda há
outra hipótese que não deve ser descartada, que seria o adiamento das eleições.
Já tentaram o semipresidencialismo e eu não descarto que estejam pensando nesta
hipótese do adiamento. Seria algo muito radical, mesmo na atual conjuntura. Não
sei se eles têm acordo suficiente para isso.
Sul21: Há um debate sendo
feito entre alguns setores da esquerda relacionado ao possível afastamento de
Lula do processo eleitoral. A polêmica é seguida: se Lula for impedido de
concorrer deve-se ou não participar das eleições? O que pensa sobre esse tema?
Dilma Rousseff: A minha posição é que nós vamos resistir até o fim em duas
dimensões. Uma é defender a candidatura do Lula. A outra é defender a
realização das eleições. Essas duas dimensões são duas faces de uma mesma
moeda. Impedir a candidatura do Lula ou adiar as eleições é problema deles. O
nosso é ter a candidatura do Lula e ter eleição. No Brasil, sempre que houve
democracia nós ganhamos. Sempre que os processos democráticos são contidos nós
perdemos. A eleição é o momento em que toda essa questão política, social e
econômica do Brasil vai se condensar. Só tem um jeito de eles evitarem isso que
é fechando o país. É isso que tem que ficar cada vez mais claro. A arma deles é
fechar o país, a nossa é abri-lo. Há certas questões que são falsos conflitos,
falsos problemas. Essa questão é um delas.
Sul21: Uma casca de banana…
Dilma Rousseff: É. Em 64 ocorreu o golpe militar. Em 65, dois estados tiveram
eleição para governador, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A esquerda que não
estava organizada no Partidão teve várias posições. Eu lembro de uma delas
direitinho. Até hoje lembro a palavra de ordem: “Anule seu voto. Abaixo a farsa
eleitoral”. A gente pichava isso nas ruas. Quem fosse pego, ia em cana. Ou
seja, nem a esquerda bem radical da época falava “não faça eleição”, mas sim
“anule o seu voto”. Ao menos era pra ir votar. Isso que já tinha ocorrido o
golpe, o AI-1 e o A1-2.
Sul21: Como está a questão de uma possível candidatura sua nas eleições
deste ano? Como está pensando esse tema, se é que está pensando?
Dilma Rousseff: Eu, na verdade, não estou pensando. Sempre digo que não
preciso ser candidata para fazer política. Eu participei da eleição mais
importante no Brasil, não que alguma não tenha importância. Cada uma tem a sua
mas, inequivocamente, a eleição presidencial é a mais importante, inclusive
pela quantidade de brasileiros e brasileiras que participam dela. Eu fico muito
em dúvida de concorrer em outra eleição e não tenho experiência na área
parlamentar. Não é minha área. E não tem sentido eu ter outro nível de
atividade executiva. Tenho muita dúvida ainda e não posso dizer nada em
definitivo.
Créditos das fotos: Guilherme
Santos/Sul21