Sociólogo enviou queixas de
reclusos às autoridades nacionais e ao comité do Conselho da Europa que ainda
recentemente publicou relatório alertando para a situação de algumas prisões portuguesas.
Ana Dias Cordeiro | Público
Um activista e académico
português enfrenta os tribunais pela sexta vez por ter denunciado alegadas
violações dos direitos humanos nas cadeias nacionais como aquelas que levaram o
Comité para a Prevenção da Tortura (CPT) do Conselho da Europa a alertar, num relatório recente, para as más
condições em algumas prisões do país.
O Governo reagiu ao relatório
dizendo que tomaria nota das recomendações da equipa de investigadores que
coloca Portugal como um dos países europeus com mais violência policial e
abusos também nas prisões. Mas a Justiça, no caso do sociólogo António Pedro
Dores tem outro olhar.
O Ministério Público considera
que as denúncias que fez chegar durante anos às autoridades atentam, por
exemplo, contra a honra, dignidade e bom-nome da cadeia de Vale dos Judeus e do
seu ex-director, João Paulo Santos Gouveia, que é hoje director da prisão de
Caxias.
Através da ACED — Associação
contra a Exclusão pelo Desenvolvimento, de que foi fundador, o investigador e
professor auxiliar do Departamento de Sociologia e do Centro de Investigação e
Estudos de Sociologia do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, denunciou várias situações nas cadeiasa
entidades como o CPT e o
Observatório Europeu das Prisões. Desde que criou a associação em 1997, foi
alvo de seis processos judiciais e já não esperava por este: a ACED fechou há
dois anos.
António Pedro Dores soube em
Janeiro da acusação que surgiu na sequência de uma queixa de João Santos
Gouveia. Está acusado de três crimes de publicidade e calúnia, três crimes de
ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. Enviou denúncias e transcrições
de cartas de presos ou seus familiares a autoridades como a Procuradoria-Geral
da República ou a Provedoria de
Justiça. Arrisca-se a uma pena que pode ultrapassar os “cinco anos” de
prisão, segundo a moldura penal prevista e sublinhada no despacho de acusação
consultado pelo PÚBLICO.
O activista pode ou não ir a
julgamento. O seu advogado José Preto requereu a abertura de instrução e
considera que a acusação é “uma fonte de pressão e intimidação” para calar quem
faz denúncias.
António Pedro Dores denunciou
casos de reclusos espancados ou intimidados, referindo um “tipo de intimidação
[que] não é rara neste director [Santos Gouveia]” e em práticas na cadeia de
Vale de Judeus “lesivas do Estado de Direito e da dignidade dos profissionais
prisionais”, práticas que qualificou de “criminosas”. Transcreveu também “a
aflição da irmã de um recluso”, a pedir a transferência urgente para outra
prisão, expressa numa mensagem em que a mulher dizia que era “o director que
mandava massacrar os presos”.
Divulgar é "conduta
proibida"
No despacho de acusação, datado
de 14 de Dezembro de 2017, lê-se que o arguido sabia que ao fazer chegar tais
denúncias “ao provedor de Justiça, à Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça,
ao Ministério da Justiça, à Procuradora-Geral da República, com conhecimento ao
Presidente da República, presidente da Assembleia da República (AR), presidente
da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da
AR, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e para a
Comissão Nacional para os Direitos Humanos, bem como ao publicá-las na página
do Facebook da ACED — SOS Prisões, difundia e publicitava as mesmas, chegando o
seu teor ao conhecimento de inúmeras entidades e público em geral”. Ao fazê-lo,
sabia “ser proibida a sua conduta”, acrescenta a procuradora do Departamento de
Investigação e Acção Penal (DIAP) de Alenquer.
A magistrada considera que “tais
juízos de valor e imputação de factos colocam em causa o bom-nome e imagem” da cadeia e atentam contra a
“honra e dignidade” de João Gouveia, “enquanto cidadão” e “enquanto director”
desta prisão no distrito de Lisboa e são “especialmente graves [as acções
inicialmente denunciadas por reclusos e familiares] quando imputadas ao
director de um estabelecimento prisional”.
Nunca foi condenado
A avaliação das prisões portuguesas
feita pelo CPT — como a que resultou no relatório divulgado nesta
semana — não se alterou muito nos
últimos 15 anos. Durante este tempo, António Pedro Dores foi sendo
sucessivamente acusado por difamação, calúnia, ofensa a organismo ou pessoa
colectiva.
Na origem destas acusações estão
as queixas da directora de uma cadeia, do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda
Prisional, de um chefe de guardas e de inspectores da Polícia Judiciária.
Algumas denúncias motivaram inquéritos (por exemplo, da Inspecção-Geral dos
Serviços de Justiça) que na sua maioria foram arquivados. Nalguns casos, chegou
a ir a julgamento. Nunca foi condenado.
“A multiplicação de processos
inúteis, sem objecto, processualmente inviáveis, usados como simples modo de
pressão, destinados a causar incómodos aos militantes, estão destinados ao
fracasso processual, mas causam incómodos e têm apenas como função exercer a
intimidação”, critica o advogado José Preto. “É um modo de pressão política.
Leva as pessoas a tribunal, põe-nas com termo de identidade e residência, o que
à partida não representa nenhum incómodo, mas pode representar, se as
autoridades quiserem.”
O advogado defende ainda que “o
Estado tem que ter meios processuais para fazer cessar imediatamente a violação
dos direitos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, que no seu artigo
13.º estabelece que “qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos
(...) tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância
nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no
exercício das suas funções oficiais”.
A ACED fechou, mas o seu site
mantém-se com os contactos para onde reclusos e seus familiares podem enviar
denúncias com a seguinte informação: “Quem pode ter influência na protecção do
preso é a Provedoria de Justiça e a Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça.”
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