Domingos de Andrade | Jornal de
Notícias | opinião
No fim toda a gente fica feliz.
Ou quase. Porque no fim fica tudo na mesma. Ou quase. Na verdade, a lei do
financiamento dos partidos volta a Belém sem ceder às duras apreciações feitas
por Marcelo Rebelo de Sousa há cerca de dois meses, quando vetou a primeira
versão do diploma. Sendo também verdade que o chefe de Estado não deixou claro
se as críticas o eram à forma ou ao conteúdo.
Vamos ao conteúdo, para ir à
forma. Cai uma das normas controversas, relativas ao regime de isenção de IVA,
é verdade, mas quanto ao outro ponto mais polémico os partidos não alteram uma
vírgula e mantêm decretado o fim do limite para a angariação de fundos. Lá se
vão multiplicar as festas dos partidos. E as festas dos partidos a terem lucros
exponenciais.
Na forma, o presidente da
República não vê lugar para tristezas. Ele ficou "feliz". Expressão
do próprio. Sempre se mexeu nalguma coisa. Houve discussão parlamentar e a
sociedade teve direito ao debate aberto e transparente que tinha sido exigido.
Mais feliz, disse o presidente da República, porque adicionalmente houve um
esforço para ir ao encontro de algumas posições que ele próprio havia
manifestado.
Se no essencial o diploma mantém
donativos sem travão, o balanço mais positivo a retirar, seguindo o raciocínio
de Marcelo, será o do debate em volta do tema. Vale a pena, por isso, olhar
para o que ontem se passou no Parlamento. A discussão foi carregada de trocas
de acusações acintosas, para não lhe chamar violentas.
Do lado dos dois únicos partidos
que mantiveram o voto contra a lei - CDS e PAN - ouviu-se dizer que o futuro
regime transforma os partidos em "lavandarias" e que se acaba com os
radares capazes de fazer abrandar o risco de promiscuidade entre políticos e
empresas. Do lado contrário da barricada, o discurso foi igualmente duro. Considerou-se que na vida pública não há "virgens impolutas". Que as
críticas ao diploma estão rodeadas de "demagogia" e
"populismo". Que as críticas à lei foram envolvidas em mentiras e
tomaram a forma de uma campanha "reacionária" e de "pendor
fascizante".
Chegados aqui, parece evidente a
conclusão a retirar de todo o processo. É legítimo defender que os partidos,
como peça essencial que são na democracia, justificam um modelo de
financiamento mais sustentado. E esse debate deve ser feito com transparência e
sem demagogia. Mas para a maioria dos deputados isso não chega. Desconstruir as
incoerências discursivas do processo de aprovação desta lei, ou discordar
abertamente do fim de um teto aos donativos, é motivo para receber mimos como os
acima citados.
Na casa da democracia continua a
haver quem pense que a pluralidade de pensamento como conceito é bonita, até ao
dia em que toca nas contas. Em matéria de dinheiros, parece não haver liberdade
que resista nem ética que subsista. Se é a isto que se chama um "debate
aberto", estamos esclarecidos.
*Diretor-executivo do JN
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