domingo, 22 de abril de 2018

CAPITALISMO E DEMOCRACIA


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

A conciliação entre capitalismo e democracia é uma velha promessa partilhada por forças políticas de Direita e largos setores da social-democracia e, após a queda do Muro de Berlim, o Mundo que nos anunciaram foi o de uma vivência mais pacífica e desenvolvimentista, exatamente porque o capitalismo e a democracia, a partir daí, andariam de mãos dadas e expandir-se-iam em todas as geografias. Quase 30 anos depois onde estamos e o que podemos confirmar ou infirmar?

A Leste e a Oeste capitalismo e democracia, longe de se conjugarem, parecem tender a separar-se. A Leste o capitalismo renasceu das cinzas, mas de democracia temos, com raras exceções, um conjunto de versões encenadas. A Ocidente, a democracia liberal estruturada no capitalismo do pós-Segunda Guerra Mundial - baseada, pelo menos em princípio, em direitos políticos e sociais garantidos pelo Estado social de direito democrático e no primado da paz e da cooperação internacional - dá sinais claros de perigosa degenerescência.

Uma manifestação desse estado de degradação é o crescente autoritarismo em quadrantes bem diversos, a esmagadora maioria deles "ocidentais" quanto à pertença a blocos como como é o caso da Turquia, da Hungria, da Polónia, das Filipinas, ou até o Brasil. Em todos esses países, estão em risco direitos políticos essenciais - a separação de poderes entre o judicial e o executivo, a liberdade de informação e de expressão - para não falar em direitos sociais fundamentais, como a liberdade de associação sindical ou o direito à greve.

Uma segunda manifestação de degenerescência é o crescente belicismo das grandes potências supostamente capitalistas e democráticas. De uma invasão do Iraque justificada por armas de destruição massiva que "provadamente" existiriam nesse país, chegamos recentemente a bombardeamentos à Síria justificados pela "provável" utilização de armas químicas. Enquanto em 2003 teve de ser construída uma certeza - depois confirmada como falsa - agora bastou invocar uma mera probabilidade. Isto significa desrespeito pelo direito internacional e uma escalada no belicismo. A agressão é justificada sem necessidade de investigar, confirmar ou infirmar suspeitas. Primeiro prime-se o gatilho, castiga-se preventivamente, depois logo se verá como gerir as consequências de destruição e de agravamento de ódios.

Uma terceira manifestação da degradação é a regressão social a que se assiste no "Ocidente", desde logo na União Europeia. Apesar da constatação de crescentes desigualdades, vai sendo desconstruído o Estado social, a pretexto da competitividade da economia e da sustentabilidade das contas públicas. Economias que cresceram muito depois dos anos 70 do século passado tornaram-se incapazes de garantir os direitos sociais que então vigoraram? Algo está a evoluir numa direção muito errada.

A degenerescência do "capitalismo democrático" que estamos a experimentar serve para nos lembrar que o casamento entre capitalismo e democracia que conhecemos no pós-guerra é afinal um episódio transitório e excecional. Na realidade, instituições democráticas básicas como o sufrágio universal só emergiram de forma generalizada depois da Segunda Guerra, isto é, há cerca de 70 anos. Se queremos interpretar com rigor o que está a acontecer e encontrar respostas para a grave situação que se está a viver, precisamos de assumir conscientemente que o capitalismo esteve, na maior parte do tempo do seu desenvolvimento, associado a formas autoritárias de exercício do poder político, como aconteceu em Portugal até 1974, ou a democracias muito mitigadas.

Não se pode dizer que o capitalismo esteja bem, menos ainda que se recomende. De qualquer modo, o que está em maior risco é a democracia, não o capitalismo. Em vésperas do 25 de Abril é bom relembrar esta realidade e assumir que a riqueza gerada pelo trabalho e atividades de toda a sociedade tem de ser gerida tendo como prioridade a efetividade da democracia. Hoje são muito evidentes os efeitos cumulativos desastrosos das políticas austeritárias sobre o trabalho, a educação e a saúde. Aproveitemos para exigir correção de políticas nestas áreas.

*Investigador e professor universitário

Mariana Mortágua: "Um governo gerido a partir das Finanças é um erro" | entrevista


Entrevista conduzida por Paulo Tavares e Arsénio Reis, da TSF, passada a formato de letra no Diário de Notícias. Na TSF tem a possibilidade de recuperar o áudio da entrevista em registo. Na forma de letra o PG recorreu ao DN. Aqui tem:

É alentejana, nasceu no Alvito, é economista, deputada do Bloco de Esquerda desde 2013 e um dos rostos mais mediáticos da esquerda; ganhou perfil público quando o país começou a ver, na televisão, a frieza e tranquilidade com que encarava cada pergunta na comissão de inquérito à queda do BES e do Grupo Espírito Santo; na cidade desloca-se de mota - mota mesmo, de alta cilindrada -, é motard, gosta de jogar à bola, é feminista, ativista LGBT, prefere uma tasca a uma estrela Michelin e a música clássica ao rock; já fez o caminho de Santiago. Mariana Mortágua é a convidada desta semana da entrevista DN/TSF.

Toda a tensão entre o Bloco e o Governo à roda do Programa de Estabilidade, tensão essa que já teve altos e baixos, é para levar a sério, o Bloco tem mesmo desenhada algures uma linha vermelha a partir da qual deixará cair o apoio ao Executivo?

Esta posição do Bloco no Programa de Estabilidade diz respeito a uma alteração, a um debate novo que se criou na sociedade portuguesa: o ministro das Finanças propõe um défice de 0,7%, ao contrário dos 1,1% que estavam no Orçamento para 2018. Se nós contarmos já, nestes 0,7%, com os 792 milhões de euros que já sabemos que vão diretos ao Novo Banco - ao acionista dono do Novo Banco para o recapitalizar -, isto quer dizer que o ministro das Finanças está a propor para 2018 um défice de 0,3% e como bem sabemos que as contas normalmente estão folgadas, estamos a falar de um défice muito próximo dos 0% em 2018, o que fica bastante mais de mil milhões abaixo daquilo que tinham sido os limites das negociações orçamentais entre o Bloco de Esquerda e o Governo. Por isso, aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a dizer é que perante esta alteração de estratégia por parte do Governo, porque é uma alteração de estratégia, o Parlamento e o país devem-se pronunciar.

Na opinião do Bloco, essa alteração de estratégia é um erro?

É um erro. Nós temos uma prioridade diferente: nós entendemos que se o crescimento económico, porque há uma estratégia que está a resultar, produz folga orçamental - e está a produzir folga orçamental porque as receitas estão a crescer mais, ou porque há menos despesa com juros, ou porque os juros estão negativos; enfim, há um conjunto de fatores que faz com que haja folga orçamental, também em 2017 porque houve despesa que não foi executada -, essa folga tem de ser usada para fazer agora investimentos que não podem ser adiados. Portanto, é um erro não o fazer e querer adiar investimentos de que o país precisa hoje.

A forma como Mário Centeno olha para este problema é curiosa, porque diz que não sobra dinheiro, faltou foi menos dinheiro.

Isso é só uma forma diferente de fugir ao problema. Quando negociámos o Orçamento de Estado para 2018 foi com base num défice de 1,1% que tinha subjacente um cenário de consolidação orçamental, esse cenário de consolidação orçamental foi aceite por Bruxelas, foi aceite pelo Governo, e era um cenário que garantia a sustentabilidade das contas públicas. Se era bom há quatro meses, porque é que não é bom hoje? Essa é a pergunta que devemos fazer. Depois, também devemos perguntar quais são as consequências de não usar esta folga. Nós entendemos que há dois erros neta visão do Governo e do ministro das Finanças: o primeiro é que um governo não pode ser gerido a partir do Ministério das Finanças. Se num governo todos forem "Centeno", então a gestão financeira desse governo é errada.

Mas todos são "Centeno" menos o Bloco de Esquerda, é isso que está a dizer?

Se num governo todos forem "Centeno" e se o Governo for gerido a partir do Ministério das Finanças, então será sempre mal gerido, porque o ministro das Finanças não tem capacidade para tomar decisões que são importantes em cada setor.

E este Governo está a ser gerido pelo Ministério das Finanças ou está a ser gerido a partir do Ministério das Finanças, usando a sua expressão?

Esta forma de gestão que privilegia o défice e que altera as prioridades do país submetendo-as a uma lógica de ir para além de Bruxelas, e em que se centraliza as decisões que são importantes para o país no Ministério das Finanças, em que é este que retira autonomia aos ministérios setoriais, tomando decisões que devem ser esses ministérios a tomar de forma autónoma, conhecendo o detalhe das prioridades do seu setor, da saúde, da educação, do ambiente, é uma forma não apenas errada do ponto de vista político, como causa ineficiências na própria gestão dos serviços públicos. Se nós adiarmos investimentos que hoje são inadiáveis, isso quer dizer que estamos a causar ineficiências futuras no Serviço Nacional de Saúde, por exemplo, e, portanto, é um erro achar que é possível gerir um governo unicamente a partir do Ministério das Finanças e unicamente subjugado a ultrapassar metas do défice acordadas com Bruxelas.

Está a dizer que foi substituído o "para além da troika" de Vítor Gaspar pelo "para além de Bruxelas" de Mário Centeno?

Eu não faço qualquer tipo de classificações, eu analiso o cenário que tenho à minha frente e as decisões que estão à nossa frente; e analiso ações e posições políticas. Nós entendemos que o Governo, ao enviar para Bruxelas um cenário que altera uma meta que balizou as negociações do Orçamento para 2018, e ao fazê-lo quatro meses depois de termos negociado esse Orçamento, e ao fazê-lo decidindo não usar a folga que neste momento está criada e que já vem de 2017 para poder fazer investimentos que são inadiáveis, está a cometer um erro. É um erro político e é um erro que vai gerar ineficiências no futuro.

Adiar investimentos não é gerir bem. Adiar investimentos que têm de ser feitos hoje é causar ineficiências nos serviços públicos e, portanto, é preciso ter uma lógica de análise destes investimentos que não seja meramente subordinada à questão de permanente ultrapassagem da meta do défice.

Esta semana a TSF teve a entrevista com o ministro das Finanças e eu gostava de ter a sua opinião sobre algumas das coisas que ele nos disse. O ministro avisou, por exemplo, que todos os que aprovam o Orçamento de Estado são responsáveis por ele. Sentiu isso como um recado para o Bloco?

O Bloco aprovou o Orçamento de Estado para 2018 e negociou-o da forma mais intensa e empenhada, como negociamos todos os Orçamentos de Estado, mas o Bloco não negociou um Orçamento com folga orçamental. Quando o Bloco negociou o Orçamento, e como faz todos os anos, quando negociou uma medida para descer o IRS que os trabalhadores pagam e quando negociou o aumento dos escalões do IRS, fê-lo com base num limite do défice que era 1,1%, que foi o limite acordado com Bruxelas, e sempre foi dito e assumido que não há folga para mais, "nós gostávamos de fazer mais, mas não há folga para mais".

Penso que não estou a dar nenhuma novidade ao país ao dizer que este é o discurso do Governo: "Nós gostávamos de investir na saúde, nós gostávamos de contratar os médicos, o equipamento, gostávamos de abrir a ala pediátrica de oncologia do hospital do Porto, mas não há folga para mais". Acontece que há folga para mais e se há folga para mais porque é que não se contratam os médicos, porque é que não se fazem os investimentos, porque é que não se compra o equipamento?

O Orçamento é negociado em outubro, de outubro até dezembro há a execução...

É negociado na especialidade, também.

Sim, o processo acabará lá para novembro, daí para a frente há a execução, chegou-se ao fim do ano com folga, há um efeito carry over, a questão é que a folga está a ser usada para dívida e, ao que diz o ministro, também para criar uma espécie de pé-de-meia na Segurança Social para choques futuros. Parece-lhe errada essa estratégia de cautela e de precaução?

Nós temos tido uma gestão orçamental e acho que temos feito as negociações para o Orçamento seguindo princípios de cautela e de sustentabilidade, sobretudo na Segurança Social, e isso provou-se quando duas das medidas de diversificação do financiamento da Segurança Social - o adicional ao IMI e o aumento da derrama de IRC -, que estão consignadas à Segurança Social e, portanto, diversificam as suas fontes aumentando a sua sustentabilidade futura, foram propostas em que o Bloco de Esquerda esteve muito envolvido e em que batalhou muito para as aprovar.

Da mesma forma, o próprio Governo diz que a melhor maneira de conseguirmos garantir a sustentabilidade da Segurança Social é com o emprego, os salários, a qualidade do emprego, e nada disto está relacionado com adiar investimentos importantes, não vamos misturar aquilo que não é misturável. Não podemos confundir boa gestão com menos gastos. Há coisas que nós sabemos sobre o futuro: uma delas é que a Segurança Social tem de mudar, tem de ter fontes de financiamento mais diversificadas, tem de garantir a sua sustentabilidade e isso passa pelas fontes de financiamento e passa pela qualidade do emprego e pelo nível salarial.

Apesar desse alargamento das fontes da Segurança Social estar no programa do Governo, ainda não foi feito.

Não, não. Já foi feito. Já estão a ser feitas transferências para a Segurança Social.

Sim, mas ainda não está completo o quadro de mudança que estava previsto quando o Governo entrou em funções.

Há mais propostas e há mais mudanças que se podem fazer. Há muito que se fala, por exemplo, porque é que a Segurança Social não é financiada não apenas pelas contribuições dos trabalhadores, mas também por uma medida de valor acrescentado das empresas, ou seja, uma empresa que tenha mais tecnologia e menos trabalhadores poder também contribuir para a Segurança Social como um bem de todos e um bem solidário. Eu acho que essas propostas têm de ser debatidas.
Nós temos de ser realistas quando olhamos para o país. A saúde é um caso: o país vai gastar necessariamente mais em saúde; a esperança média de vida está a aumentar; há medicamentos e tratamentos que temos hoje e não tínhamos no passado, que são muito mais intensivos em tecnologia, que são muito mais complexos, e mais vale assumirmos isso, hoje.

Mas a despesa em saúde tem, de facto, vindo sempre a aumentar.

Mas é das mais baixas da Europa em percentagem do PIB e não ainda dos cortes de muitos anos de desinvestimento da troika e dos anos de austeridade. Portanto, nós assumirmos que vamos ter um Sistema Nacional de Saúde que pode ser mais caro, não quer dizer que seja mais ineficiente, quer sim dizer que é mais competente e mais capaz de lidar com os desafios futuros. Acho que a sociedade tem de assumir que, com as alterações geracionais há diferenças na composição a despesa pública e há despesa pública que pode aumentar, mas pode aumentar para dar qualidade à democracia e para dar confiança às pessoas.

Acho que qualquer governo tem de assumir estas transformações aceitando-as e não entendendo que o único critério de uma boa gestão é a gestão que gasta menos. Pode haver um bom critério de boa gestão, por exemplo, que seja renovar hoje os equipamentos desgastados do SNS para amanhã não perdermos mais com equipamentos que não funcionam e que estão a causar ineficiências ao Serviço Nacional de Saúde. Estas coisas têm de ser sempre ponderadas.

A Mariana é economista e os números estruturados dão sempre respostas que queremos. Queria conferir consigo uma passagem da entrevista do ministro em que ele diz que os valores do saldo primário das contas do Estado previstos no cenário macroeconómico que serviu de base aos acordos de 2015 com o Bloco, PCP e Verdes, são exatamente os mesmos que estão previstos no Programa de Estabilidade para os anos em que há coincidência, ou seja para 2018 e 2019. É essa a forma como Mário Centeno explica porque não entende a polémica à volta do documento que foi apresentado pelo Executivo. O ministro tem razão neste ponto?

Nós podemos perder muitas horas aqui a discutir previsões e comparações de previsões. Posso dar quatro exemplos de previsões entre programas de estabilidade, orçamentos de Estado e execução que são exatamente o contrário do que o ministro das Finanças diz ou que até comprovam, mas isso não tira o argumento político. O ministro afirma - e até é verdade - que para 2018 o saldo primário acabará por ser menos positivo e, portanto, por haver mais injeção de dinheiro da economia. É inegável. Parte disso é o efeito automático da redução dos juros e, portanto, não implica mais nada nem nenhuma nova decisão a não ser efeito automático da redução de juros.

Mas também é verdade que para isto acontecer em 2018, o ajustamento que se fez no saldo primário em 2017 ficou centenas de milhões para além daquilo que estava planeado e, portanto, só existe esta folga em 2018, só é possível fazer isto em 2018, em parte pelos efeitos automáticos dos juros, mas também porque o ajustamento em 2017 foi muito grande: foi 1300 milhões de euros, com um saldo primário que foi muito para além do que tinha sido acordado e que estava na base do Orçamento de Estado para 2017.

Mas com a economia também a responder de uma forma diferente da que estava prevista.

Claro que sim. Nós podemos ter duas opções: vamo-nos prender à décima do défice, à previsão que se alterou e, aí, temos várias discussões para fazer e, com certeza, argumentos para ambos os lados ou vamo-nos focar no ponto político. O ponto político é este: quando nos dizem que não é possível fazer despesas porque não há folga e depois há folga, porque é que as despesas não são feitas? Este é o único ponto político que interessa. Se temos previsões e vontade de fazer investimento, se o Governo assume que esses investimentos são prioritários e se diz que são prioritários, mas não é possível porque não há folga, mas depois há folga. Então porque é que não se fazem os investimentos e se opta por internalizar a folga indo para além de metas que serviam há quatro meses, mas hoje já não servem. Esta é uma alteração de estratégia, da forma como nós olhamos para o instrumento que é o Orçamento e, até, para o ritmo de consolidação orçamental, que deve ser discutida e que não pode ser simplesmente assumida como sendo a melhor; pode não ser a melhor estratégia.

Daí o argumento de Mário Centeno de que faltou menos dinheiro, não sobrou dinheiro; ele disse: "Como governar é fazer opções...". Outra das coisas que o ministro admitia era a possibilidade de aumentos da função pública já no próximo ano, mas disse que isso também dependeria dos equilíbrios que se encontrassem. O Bloco estaria disponível para definir essa prioridade, ou seja, para eventualmente ter de abdicar de outras coisas em benefício de um aumento dos funcionários públicos?

Não penso que as negociações orçamentais se façam assim, não é uma lista de compras. Há duas formas de negociar orçamentos: uma é apresentar um caderno reivindicativo na reta final e negociar como faz e bem um sindicato; os sindicatos devem fazê-lo, não acho que seja esse o trabalho de um partido político. Um partido político - e o Bloco tem tentado fazê-lo - tem de preparar propostas, tem de negociar propostas, tem de fazer cenários, tem de conhecer os detalhes das propostas e tem de prepará-los junto dos ministérios e tem de ter equipas preparadas para o fazer. É isso que temos tentado fazer tendo equipas que, nas mais diversas áreas, têm tentado discutir temas com o Governo e têm propostas preparadas que vão do trabalho, à função pública, dos impostos à banca; temos tido essa preparação e essa vontade de pensar fora dos ministérios e conseguir colocar desafios e questões que não estavam a ser colocados antes. Foi assim na energia, foi assim nas rendas da energia e é assim que queremos preparar o Orçamento de Estado para 2019.

Penso que o ministro das Finanças fez mal inicialmente em testar propostas pela negativa, como é o caso dos aumentos da função pública através de notícias precoces em jornais. É claro que se deve aumentar a função pública depois de dez anos de congelamento. É legítimo que se aumente os funcionários públicos depois de 12% que perderam nos seus salários e que se volte à normalidade de ter atualizações com a inflação. Isto não é equivalente a descongelar carreiras, são coisas completamente diferentes, uma coisa é o direito à progressão na carreira, que nem sequer é igual para todos, e outra coisa é o direito à atualização salarial depois de 12% de corte ao longo de dez anos.

Mas nós não podemos, e não vamos, deixar-nos aprisionar num debate sobre negociação orçamental que se quer afunilar em correções salariais, porque é lógico que essas são legítimas, que são elegíveis e que devem ser feitas. O Ministério das Finanças tem posto de lado a ideia de um aumento dos salários da função pública porque diz que é uma despesa estrutural, portanto não se pode aumentar uma despesa estrutural. Mas, por exemplo, os investimentos em equipamento na saúde que são necessários fazer não são despesas estruturais, são despesas pontuais; mas também não são feitos. Portanto, a questão aqui não é de opções entre despesas estruturais ou despesas pontuais.

É despesa, ponto.

A questão aqui é despesa, ponto, e se temos ou não vontade de ter uma política de valorização dos serviços públicos que passa por mais financiamento dos serviços públicos, mas passa também por valorização dos seus funcionários; uma política de combate à precariedade que nem sempre passa por questões orçamentais, sobretudo no privado onde ainda não chegou; uma política de devolução de rendimentos e de valorização de apoios sociais. Já gora, também, políticas de reorganização da forma como os serviços públicos funcionam, dou o exemplo do caso da Lei de Bases da Saúde em que não se toca em questões orçamentais, simplesmente se quer discutir se queremos continuar a ter um Serviço Nacional de Saúde que todos os anos é drenado e canaliza recursos para o privado, sem nenhuma razão a não ser o financiamento de empresas privadas de saúde.

Nesse caso, e tendo em conta o cenário que acaba de nos descrever e que, parte dele passará por aquela que é a vontade do Bloco, faz sentido eleger como objetivo ter excedentes nas contas públicas?

Eu penso que faz sentido eleger como objetivo ter contas públicas saudáveis e, portanto, consolidadas, capazes de se adaptarem ao ciclo da economia em que estamos, mas que sejam sobretudo o resultado de uma economia que está de boa saúde. As contas públicas não prevalecem à economia, não é possível ter contas públicas se o emprego não estiver bem, se a economia não estiver a crescer, se não houver salários decentes. O passado recente demonstrou perfeitamente isso: Vítor Gaspar fez o maior aumento de impostos em taxas, mas a receita fiscal diminuiu, porque a política recessiva foi de tal forma, o desemprego foi de tal forma, que a economia não respondeu. Portanto, privilegiar e pôr as contas públicas à frente da economia é um erro; as contas públicas são resultado de melhor emprego, melhor salário, melhor crescimento económico e, por isso, devem ser sempre objetivos que nós vemos em comparação com o momento da economia.

É bom que fique claro que isto não é uma luta entre quem quer serviços públicos e quem quer contas públicas consolidadas, quem quer emprego com direitos e quem quer contas públicas consolidadas. Nós não devemos achar que é preciso sacrificar uma coisa para ter a outra, é possível ter ambas. Vamos ser realistas: Portugal já tem o saldo primário positivo. Não fosse pelos juros da dívida, o Estado já dava lucro. Temos um défice que, neste momento, está em 0,9% do PIB e, portanto, temos as contas públicas consolidadas. O que estamos a discutir é se devemos acelerar esse processo de caminho para o défice zero, que é um objetivo que não faz sentido a não ser que seja o resultado da economia e que não tem deve ser um objetivo por si só o acelerar desse caminho prejudicando outros objetivos que são igualmente ou mais importantes, como a qualidade dos nossos serviços públicos. Penso que, neste momento, a prioridade são as pessoas que estão há três anos à espera para ter uma consulta ou uma operação.

Mas o Bloco não é sensível à necessidade de aliviar o peso da dívida e, sobretudo, o peso que o serviço da dívida tem no exercício orçamental?

Acho que nenhum outro partido se preocupou tanto e levou tão a sério o assunto da dívida pública desde o início da crise como o Bloco de Esquerda. Exatamente por saber que a dívida pública é um peso que esmaga as economias, sempre dissemos que a reestruturação da dívida era possível e era necessária. A única razão pela qual não é feita é por um dogmatismo ideológico e já o discutimos várias vezes; por exemplo, se uma empresa tem problemas de dívida, ninguém sugere que a empresa feche as portas para pagar a dívida, primeiro tem de se reestruturar essa dívida dessa empresa, e o mesmo se aplica a uma pessoa. Só os estados é que têm de impor e transferir os sacrifícios para os cidadãos para nunca poder reestruturar a dívida, para não ousar afetar os credores, que são os grandes interesses internacionais.

Numa empresa tenta-se reestruturar a dívida, mas também muitas vezes a própria empresa é alvo de reestruturação, não é?

Claro, mas nem sempre é assim e acho que isso pode e deve ser sempre discutido. Agora, ser alvo de reestruturação sem reestruturar a dívida é que não faz nenhum sentido, e foi aquilo que aconteceu a Portugal. O país sofreu um processo de reestruturação brutal, mas a sua dívida não foi reestruturada e, portanto, ficou com o pior dos dois mundos.

É óbvio que o peso da dívida é um problema, mas o maior problema de todos é tentar submeter e sacrificar o crescimento económico, a qualidade da democracia e a qualidade dos serviços públicos ao peso do pagamento de uma dívida. Ela não se vai tornar mais sustentável se nós estivermos sistematicamente a asfixiar a qualidade da democracia, a asfixiar a economia e a asfixiar a qualidade dos serviços públicos. Ter um défice entre 1,1% e 0,7% ou entre 1,1% e 0,7% ou entre 0,7% e 0,6%, em termos de sustentabilidade futura da dívida pública faz pouca diferença ser num ano ou ser no ano a seguir. Até porque os juros, neste momento, estão baixos. Estamos a falar de ajustamentos de décimas do PIB entre um ano e o outro ano. Portanto, do que se trata aqui, não é da sustentabilidade da dívida pública, é de um objetivo que começa a aparecer como existente de um défice zero em 2018, e isso não passa de um outdoor político que não pode ser conseguido sem uma pressão sobre os serviços públicos que não é aceitável neste momento.

É um outdoor apenas para ser visto aqui por Portugal ou também para ser visível em Bruxelas? Acha que Mário Centeno está a querer mostrar que é uma espécie de aluno de quadro de honra nas instituições europeias para chegar a comissário europeu?

Essa crítica já foi feita muitas vezes e eu acho que ela é inevitável. A preocupação em parecer bem para Bruxelas tem tido consequências em Portugal, nomeadamente nesta vertigem para ir sistematicamente além das metas que estavam acordadas com Bruxelas.

Mas é o país parecer bem ou Mário Centeno parecer bem?

Acho que ambos.

Julgo que terá dito alguma coisa à volta disto: "Mário Centeno é uma força de bloqueio no que toca concretamente à negociação de algumas despesas públicas"; se não estou em erro, na altura falava especificamente na ferrovia, mas também na questão da legislação laboral. É muito difícil negociar com Mário Centeno?

Não, penso que as discussões que temos com o Ministério das Finanças e com o ministro das Finanças são sempre importantes e acho que as devemos valorizar e fazemo-lo com certeza. É difícil negociar com o Governo como um todo e é óbvio que estando muitas das decisões e havendo uma grande centralização da gestão financeira no Ministério das Finanças, a parte mais dura das negociações diz respeito às verbas que são alocadas a diferentes investimentos, a diferentes medidas, e essas discussões são tidas com o Ministério das Finanças. Temos aí discussões mais duras porque, em muitos casos, temos objetivos diferentes ou temos noções diferentes das prioridades.

Não tanto pelo interlocutor?

Não, não se trata do interlocutor. Acho que aqui a questão é política, tem a ver com opções políticas, nada disto é obviamente pessoal, estamos a falar sempre de opções políticas. Até quando criticamos a centralização das decisões no Ministério das Finanças, o que estamos a criticar é uma opção política, uma forma de gerir um governo e o que estamos a dizer é que esta forma de gerir um governo é errada.

É a estratégia do próprio Governo.

Mas a estratégia do Governo, que se traduz numa centralização no Ministério das Finanças, independentemente das suas causas, é errada e gera ineficiências.

Em última instância, essa é uma crítica até mais direta ao próprio primeiro-ministro.

Eu acho que é uma crítica à forma como o Governo se organiza e, como vem sendo visível, vários ministérios setoriais estão a perder autonomia centralizando decisões no Ministério das Finanças. Nós entendemos que, num governo, os ministérios precisam de autonomia, de responsabilidade, de capacidade para tomar decisões, precisam de controlar ao detalhe as decisões que tomam sem estarem, obviamente, submetidos ao controlo do aparelho do Ministério das Finanças.

Sabemos, até por experiências passadas, que o que fica inscrito no Programa de Estabilidade não é propriamente algo que esteja escrito em pedra, é sempre possível fazer alterações. O Bloco de Esquerda ainda tem esperança de convencer Mário Centeno da validade das cossas ideias e de que é possível um outro rumo, sobretudo porque isto marca o início da discussão para o Orçamento do próximo ano?

Nós tomámos uma posição política sobre esta questão do Programa de Estabilidade porque entendemos que ela configura uma alteração de estratégia e porque diz respeito a matéria que já foi aprovada e, portanto, que já foi negociada. No passado, nunca entendemos que o Programa de Estabilidade que fosse enviado a Bruxelas fosse um mecanismo de negociação com o Governo, entendemos sempre que as negociações são feitas nos Orçamentos porque são estes que são discutidos e votados na Assembleia da República; é a esse documento que nós damos valor e é a esse processo que nós damos valor. Centrámo-nos este ano no PE porque entendemos que é errado o Governo assumir perante Bruxelas metas que são inferiores àquelas que foram negociadas e votadas há quatro meses. Abriu-se nesse momento um debate político, o Bloco pronunciou-se e assumiu uma posição muito clara nesse debate, que terá uma tradução através do projeto de resolução que apresentámos na Assembleia da República para que a meta de 2018 se mantenha em 1,1% e a folga seja usada no investimento nos serviços públicos. Penso que esse debate que se abriu teve bons resultados e tem dado origem a um debate maior na sociedade, em que diferentes pessoas com diferentes posições políticas têm vindo a questionar esta estratégia do Ministério das Finanças. Eu acho que ela deve ser questionada porque há outras alternativas de gestão orçamental sem pôr em causa a consolidação orçamental e os objetivos do Governo. Portanto, enquanto esse debate estiver em cima da mesa, enquanto ele existir, não só no Parlamento, na maioria parlamentar, mas na sociedade, penso que há sempre tempo de conseguirmos ganhar espaço, ganhar capacidade de influenciar as decisões.

Um projeto de resolução aprovado no Parlamento vale o que vale. Tem alguma esperança de conseguir reunir apoios para uma maioria negativa de apoio a este diploma?

Eu penso que um projeto de resolução vale muito e acho que o Parlamento tem de se pronunciar sobre esta alteração de estratégia da parte do Governo. O BE convocou todos os partidos a analisarem o projeto de resolução e a votarem-no, incluindo o Partido Socialista. O que se procura aqui é convocar e perguntar aos partidos se estão ou não de acordo com a alteração da estratégia orçamental. O projeto está elaborado - e nós dissemos quando o apresentámos - para não inibir votos de nenhum partido político, mas reafirmamos: todos os partidos, incluindo o Partido Socialista, serão chamados a pronunciar-se sobre esta alteração de estratégia orçamental.

Sobre a relação entre o Governo e o Bloco de Esquerda: há algo que ainda esteja a falhar no acordo entre o Governo e o BE?

Bom, o acordo entre o Governo e o BE tinha um conjunto de medidas concretas que têm vindo a ser trabalhadas e têm vindo, no geral, a ser implementadas, embora com diferentes prazos.

Não deteta portanto nenhum falhanço grave nesse caminho?

As medidas constantes no acordo estão a ser cumpridas e o Bloco tem-no reconhecido e tem trabalhado muito para que sejam cumpridas e para que possamos chegar ao final da legislatura com o acordo cumprido, da melhor forma.

Recentemente disse que as prioridades do Bloco até ao final da legislatura - falta pouco mais de um ano - são, entre outras, o aumento do investimento público e a legislação laboral. Deteta abertura do lado do Governo nestes dois temas, especificamente na questão da legislação laboral?

Muito menor do que aquela que se esperaria ou que seria exigível a um Governo que elegeu o combate à precariedade como uma prioridade e que diz abertamente querer ter emprego qualificado, com direitos, estável, enfim...

Na sua opinião, isso não passou até agora de um discurso retórico?

Tem havido pequenas alterações a esse nível, alterações pontuais às leis laborais, mas penso que no grosso, nas grandes alterações que era necessário fazer revertendo as medidas da direita do código laboral, no combate ao trabalho precário, no combate ao trabalho temporário, às empresas de trabalho temporário, há muito caminho para fazer e até agora o PS não o fez.

E acredita que esse caminho vai ser feito?

Nós temos lutado para que se faça e, nalguns campos, temos conseguido algumas vitórias, mas não deixaremos de apostar nisso como uma das nossas prioridades. Esse é o trabalho que o Bloco de esquerda tem de fazer e continuará a fazê-lo.

Como é que o Bloco vê os acordos que forma assinados esta semana entre António Costa e Rui Rio?

Eu acho que o primeiro-ministro tem que agradecer a Rui Rio a sua vontade de confirmar a divisão interna do PSD. Este acordo não é inédito, já no passado o PSD e o PS se juntaram para decidir fundos estruturais, entre outras coisas. Acho que a análise que, não só o BE, mas uma boa parte do país faz das prioridades que foram encontradas é bastante negativa, entre parcerias público-privadas, privilégios a setores rentistas houve desperdício de recursos e houve prioridades mal definidas. Agora, é preciso também entender o contexto europeu em que este acordo - e as prioridades - para os próximos fundos comunitários está a acontecer. Temos um contexto de instabilidade na zona euro em que sabemos que é sempre muito frágil qualquer negociação e qualquer posição que assuma que está tudo bem na zona euro e que tudo ficará bem nos próximos dez anos. Portanto, vale o que vale.

O Bloco de Esquerda tem dito - e sempre esteve disponível para este debate e sempre quis participar nele, e vai participar nele com certeza - que o país precisa de um plano de investimento a dez anos. Precisa de um plano de investimento que eleja as suas prioridades independentemente do quadro comunitário, o país tem de ter um rumo e tem de ter um rumo de investimentos; isso quer dizer descarbonizar a indústria, ter um plano forte de transportes de passageiros alternativo, menos poluente, mais barato, o que significa investir na rede ferroviária, na floresta, mas menos nas celuloses que causam poluição. Nós precisamos e devemos ter esse plano de investimento e o Bloco está disponível para o discutir na sociedade e no Parlamento, temos contribuído e continuaremos a contribuir para esse debate.

Concorda que estes entendimentos entre o PS e o PSD mudam o xadrez político em Portugal - é uma frase de Santana Lopes - ou entende esta frase apenas como fazendo parte dessa divisão interna do PSD de que falava há pouco?

Eu não gostaria de comentar comentadores, acho que depois são muitos graus de distância da realidade. Já disse qual a forma como encaro este acordo entre o PS e o PSD sobre fundos comunitários, quer dizer, não é inédito, já aconteceu no passado, não trouxe bons resultados, também vale o que vale no atual contexto europeu e neste momento de negociação de fundos comunitários. Da parte do Bloco de Esquerda, sempre estivemos disponíveis para essas discussões e não deixaremos de estar.

A Mariana disse, a propósito destes entendimentos, que o PS teria um dia de fazer as suas escolhas. A escolha é entre o PSD e o Bloco de Esquerda?

O PS tem de fazer as suas escolhas políticas. Acho que muitas vezes ficamos perdidos no xadrez partidário e esquecemos as coisas políticas de fundo. As escolhas são sobre a forma como encaramos o défice, sobre o investimento nos serviços públicos - a escolha da Lei de Bases do SNS é um excelente exemplo -, um partido tem de definir o que quer do SNS, quer um serviço nacional público que privilegie o público, que invista e que, de alguma forma, prepare o SNS para não estar mais dependente do privado e que pare a sangria de recursos para o privado? Ou um partido prefere ter um SNS que perde recursos e que se torna mais uma peça num sistema de saúde onde vive o privado?

Este tipo de escolhas: o que queremos do SNS, da legislação laboral, da forma como estruturamos os apoios sociais, da política de investimentos, do setor público e até onde é que ele deve ir, o que queremos do controlo de setores estratégicos. Estas escolhas são essenciais para o futuro do país, são escolhas que definem qualquer partido politicamente.

Pelas escolhas feitas até agora, diria que o PS está hoje mais próximo do PSD ou mais próximo da sua coligação que sustenta este Governo?

Eu recuso-me a colocar o debate em termos de xadrez partidário ou geografia partidária, acho que essa é uma forma errada de colocar o debate. Acho que temos de olhar para o país e perceber o que é que o país precisa e quais são as prioridades. Em 2015, o país estava numa emergência social, tinha sido terraplanado por uma política de direita radical, com m plano ideológico muito bem definido e nunca posto a votação, com a ajuda da troika. Em 2015 havia uma prioridade, era preciso parar o empobrecimento, era preciso reverter estas políticas, era preciso salvar o país deste programa de destruição. Essa era a prioridade e era uma prioridade que reunia consenso num certo número de partidos. Feito o trabalho de saída da situação de emergência do país - ainda há muito para fazer nesse campo - é preciso pensar o país para a frente, o que é queremos em relação a setores estratégicos, a saúde, a educação, o investimento, os transportes, o trabalho, e são estas escolhas estratégicas de futuro que irão definir como é que cada partido se alinha, o que é que cada partido pensa do país e definir as maiorias e os consensos do futuro.

Olhando para o pós-eleições de 2019, o Bloco de Esquerda está disponível para continuar numa espécie de casamento em que há, por um lado, um António Costa a responder a algumas dessas prioridades, que não a todas, que são definidas pelos partidos à esquerda, enquanto, ao mesmo tempo, vai procurando entendimentos com o centro-direita em temas em que a esquerda não alinha? Acha que é saudável para o país que se mantenha essa solução híbrida?

No geral penso que já disse o que é que entendo sobre o que determina maiorias políticas. O que determina maiorias políticas são ideias políticas, ideias para o país, mas acho que o Partido Socialista, na última semana, quando mudou de posição sobre as reformas antecipadas e o programa das reformas antecipadas - ainda vamos a tempo neste último Orçamento de as negociar -, quando anunciou que não haveria aumentos na função pública ou pelo menos tentou testar negativamente essa proposta, ou quando alterou as metas do défice, mostrou-nos um PS na vertigem da minoria absoluta. Essa vertigem da minoria absoluta que o PS mostrou nesta última semana, mostra bem a necessidade e de alterar a relação de forças entre a esquerda e o centro no futuro próximo.

Vê-se a integrar um governo de coligação com o PS se as opções e as escolhas forem de outra forma, numa pasta que não seja as Finanças como sugeriu em tempos Catarina Martins?

O Bloco de Esquerda não luta por pastas nem por poderes dentro de ministérios nem por ministros, luta por ideias políticas e isso será sempre aquilo que iremos privilegiar e será sempre aquilo que irá determinar qualquer opção política futura do Bloco de Esquerda.

Portanto, não exclui a possibilidade desde que as ideias políticas possam ser compatíveis?

Não assumo nem excluo nenhuma possibilidade, portanto nada disso poderá ser citado como sendo dito por mim. Aquilo que digo é que quem vota no Bloco de Esquerda saberá que o que determina as nossas decisões é sempre e será sempre o nosso programa político. Eu acho que essa é a única forma de estar na política, é dar confiança às pessoas.

Diário de Notícias | Foto: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

Timor-Leste/Eleições | Ramos-Horta veste camisola da Fretilin e viaja pelo país em campanha


Madabeno, Timor-Leste, 21 abr (Lusa) - O ex-Presidente timorense José Ramos-Horta é um dos fundadores da Fretilin, mas há décadas que não vestia, nem literal nem politicamente, a camisola do partido, mantendo-se apartidário ou dando apoio, nos bastidores, a outras forças políticas.

O regresso à Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), evidente na campanha em curso para as eleições antecipadas de 12 de maio em Timor-Leste, é tão 'fresco' que Ramos-Horta tem uma única camisola.

"Tenho que a estar sempre a lavar", confessou à Lusa, já vestido com a camisola vermelha, do lado esquerdo do peito a bandeira do partido, do direito, a branco, o seu nome e o título "Fundador".

A conversa decorre no pequeno suco de Madabeno, nas montanhas do município de Aileu, a sul de Díli. A poucos quilómetros, no Remexio, também num mini-comício, está o maior rival da Fretilin, a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP).

Formada pelos três partidos da oposição maioritária, a AMP é liderada por Xanana Gusmão - que saiu hoje em viagem para Nova Iorque - e por Taur Matan Ruak, ambos, como Ramos-Horta, ex-Presidentes da República.

A Fretilin, que bateu por uma margem mínima o CNRT de Xanana Gusmão nas eleições de julho de 2017, está no Governo apenas desde outubro, momento a partir do qual a tensão política em Timor-Leste aumentou, com a oposição a travar o programa e o orçamento e o país a entrar num impasse que foi resolvido com a decisão do atual chefe de Estado de dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas.

Em entrevista à Lusa, o atual ministro de Estado - Ramos-Horta foi convidado, como independente, para se juntar ao Governo liderado por Mari Alkatiri (secretário-geral da Fretilin) - explica o porquê do regresso ao partido.

Continuar o que foi feito bem nos últimos 10 anos, corrigir as "muitas coisas que têm sido mal feitas" e dar um "novo rumo à política económica e de desenvolvimento", explica.

Por outro lado, garante, "há apenas dois partidos que se enraizaram em Timor-Leste: um é a Fretilin, o outro o PD [Partido Democrático", já que, afirma, "o CNRT é Xanana Gusmão, é a sua personalidade e o PLP é um partido novo, que ainda não provou rigorosamente nada e está também ele centrado na figura de Taur Matan Ruak".

Convicto de que se Xanana se afastar do CNRT, o partido desaparece, com "muitas divisões e desconfianças internas", Horta diz-se preocupado com "o futuro do sistema político partidário de Timor porque daí vem a democracia".

"Quero que a Fretilin ganhe, que o PD ganhe, sem claro menosprezar Xanana Gusmão. Acredito numa vitória da Fretilin, juntamente com o PD [parceiro no atual Governo] e que vão convidar Xanana para ver em que papel quer contribuir nos próximos anos", afirmou.

A 'caravana' partidária é o mais pequena possível: Ramos-Horta, um condutor e a sua assistente, num único carro, seguido pelo da reportagem da Lusa.

"A minha contribuição à campanha da Fretilin tem sido ir encontrar-me com pequenos grupos em aldeias remotas, por estradas infernais e perigosas", conta, explicando que nos últimos dias tem conduzido o seu próprio jipe, mas que hoje preferiu vir 'à boleia'.

Praticamente a chegar a Madabeno, juntou-se ao grupo um outro carro, para mostrar o caminho, e mais adiante três motas com jovens com bandeiras da Fretilin, que sobem e baixam e ziguezagueiam na estrada ao ritmo dos muitos buracos que fazem demorar o curto percurso.

De Díli a Madabeno são cerca de 25 quilómetros, para sul, quase todos montanha acima, até tocar as nuvens. Mais de metade do percurso é feito em estradas cheias de buracos, enlameadas, com zonas onde há pedaços caídos para o penhasco.

Como todos os atos de campanha em Timor-Leste, também este tem a presença de observadores da Comissão Nacional de Eleições (CNE) que de imediato apontam um problema: há cartazes colados nas paredes do edifício escolar que rodeia o recinto.

Isso não é permitido pela lei eleitoral e por isso muda-se a mesa de honra e o equipamento para outro lado: um retângulo de cimento onde ainda se notam as marcas quase apagadas do que seria um campo de jogos.

Este é um encontro pequeno. Habitantes da zona, duas ou três camionetas que transportam os que vivem mais longe. Uma oportunidade, explica o apresentador, para "falar do programa da Fretilin".

E que começa com Horta de punho erguido e o hino do partido.

ASP // FPA

Timor-Leste/Eleições | Matan Ruak pede votos "concentrados" para dar um "Governo forte"


Remexio, Timor-Leste, 21 abr (Lusa) - O ex-Presidente timorense e número dois da coligação da oposição AMP, Taur Matan Ruak, pediu hoje a participação máxima nas eleições legislativas antecipadas de 12 de maio, e uma "concentração" de votos para "um parlamento e um Governo fortes".

"Vão votar. No ano passado não votaram 176.951 timorenses. É demais", disse, num pequeno comício no Remexio (Aileu), cerca de 25 quilómetros a sul de Díli. "Aqui no Remexio não votaram 1.154. Têm de votar. Querem coisas para a terceira idade, veteranos, escolas, saúde, estradas, mas depois não votam?", insistiu.

O comício é da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), a coligação das três forças da oposição - Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) de Xanana Gusmão, Partido Libertação Popular (PLP) de Taur Matan Ruak e Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KHUNTO) de José Naimori.

A coligação nasceu depois da formação do Governo minoritário liderado pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), como uma Aliança de Maioria Parlamentar (AMP), e evoluiu para a nova nomenclatura na véspera da campanha, com o regresso a Timor-Leste de Xanana Gusmão após meio ano de ausência em que liderou as negociações com a Austrália para o tratado de fronteiras marítimas.

Escondida nas montanhas de Aileu, a sul de Díli, a vila do Remexio foi palco de um reencontro histórico quando a 24 de outubro de 1999 Xanana Gusmão, acabado de regressar a Timor-Leste depois de estar preso na Indonésia durante sete anos se reencontrou com o seu sucessor no comando do braço armado da resistência, Taur Matan Ruak.

A força do CNRT na região nota-se pelas muitas bandeiras que decoram as casas ao longo da estrada íngreme e esburacada que leva à pequena vila.

Aqui, como noutras zonas, a 'cor' política de muitos habitantes veste-se à porta de casa ou dos quiosques, nas bandeiras atadas a paus mais ou menos direitos de bambu. E se há bandeiras de várias das forças concorrentes, incluindo muitas da Fretilin, as dominantes nesta zona são as do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT).

No próprio minicomício, e apesar do esforço da AMP 'marcar' a identidade da coligação, uma fatia significativa das bandeiras são do CNRT, o partido que liderou o Governo entre 2007 e 2017 enfrentando, nos cinco últimos anos as críticas do Presidente Matan Ruak.

O choque entre os dois foi particularmente aceso - o Presidente criticou repetidamente o programa e a ação do Governo, vetou o orçamento e chegou a comparar Xanana Gusmão ao ditador indonésio Suharto.

As diferenças parecem resolvidas. Ainda que alguns veteranos em Timor-Leste digam que se trata de uma tática de guerrilha: une-te ao teu adversário, para combater o inimigo comum, neste caso a Fretilin.

Como se evidenciou, no palco, antes de Matan Ruak, com a intervenção de um veterano da zona, Gil da Costa Monteiro, natural de Ainaro, ainda mais a sul, mas que durante o período da resistência à ocupação indonésia operava na zona, com o nome código Uan Soru.

Um discurso praticamente virado para o passado, para o período da luta, para comentários sobre quem é quem, quem fez o quê, com críticas aos líderes da Fretilin, e ao seu líder, Mari Alkatiri.

Depois, num discurso mais calmo, Taur Matan Ruak falou do processo político dos últimos meses até às eleições antecipadas de 12 de maio, um voto do qual, defendeu, deve sair "um parlamento forte e um Governo forte" para liderar o desenvolvimento do país.

"Não podemos perder tempo. Um Governo forte precisa de líderes fortes e a AMP tem líderes fortes e experimentes", afirmou.

"Muitos dizem que a AMP não tem programa. Mas temos programa nacional e programas municipais. Isso é o mais importante para a nação. Aileu, por exemplo, será a Cidade Universitária", contou.

O programa, disse, quer lidar com os problemas essenciais que a população continua a relatar: desde os veteranos e ex-combatentes, á habitação, saúde e estradas com "um investimento de qualidade na educação".

"Temos muitos jovens. Temos que investir na educação e emprego. Para criar uma oportunidade de melhorar a qualidade de vida. Temos que aumentar a produção agrícola", afirmou.

Um processo, afirmou, para que "não bastam palavras de ordem" mas sim um manual político e um programa que "sirva o desenvolvimento do país".

Sem os dois líderes com quem tem dividido muitos dos palcos da campanha - Xanana Gusmão saiu hoje do país para uma deslocação a Nova Iorque e José Naimori estava noutro evento partidário - Matan Ruak pediu que todos votem e que "concentrem os votos".

"O CNRT no Remexio tem muito apoio e agora a AMP tem muito apoio", disse, afirmando que "é tempo de unir" esforços.

ASP // MAG

EUA criticam direitos humanos nos PALOP


No relatório anual sobre a situação global dos direitos humanos em 2017, publicado esta sexta-feira (20.04), EUA listam problemas no PALOP, que vão de corrupção e impunidade a falta de independência judicial.

A falta de independência judicial, a corrupção, a ausência de investigação em crimes contra mulheres e crianças e o tráfico pessoas são os principais problemas relacionados com Direitos Humanos na Guiné-Bissau, segundo os Estados Unidos.

No relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em 2017 divulgado pelo Departamento de Estado norte-americano, é referido que a polícia é "geralmente ineficaz, mal paga e corrupta". 

"Não receberam treino e não têm recursos suficientes para comprar combustível para os veículos da polícia. A polícia de trânsito costuma exigir subornos aos motoristas", pode ler-se no relatório.

O Departamento de Estado considera que a Procuradoria-Geral da República é responsável pela investigação aos abusos policiais, mas os funcionários do Ministério Público também são "mal pagos e suscetíveis a ameaças, corrupção e coação".

O relatório sublinha que a Constituição prevê um poder judiciário independente, mas "está sujeito a manipulação política", sublinhando que faltam recursos e infraestruturas e que as condenações são "extremamente raras", apesar das autoridades respeitarem as ordens judiciais. 

Em relação à liberdade de imprensa, o relatório refere que o Governo "não tomou medidas para preservar a segurança e independência dos órgãos de comunicação social ou para processar indivíduos que ameaçaram jornalistas".

Os Estados Unidos consideram também que o Governo não implementou de maneira eficaz a lei contra a corrupção e os "funcionários de todos os ramos e de todos os níveis do Governo envolveram-se em práticas corruptas e com falta de transparência com impunidade".

As práticas corruptas, segundo o relatório, podem envolver ajuda aos cartéis de droga, fornecendo acesso ao país.

"A incapacidade de interditar ou investigar suspeitos de narcotráfico contribuiu para a perceção de envolvimento do Governo e das Forças Armadas no narcotráfico", sublinha o relatório.

O relatório aponta também falhas das autoridades à inspeção do trabalho, principalmente do trabalho infantil.

"Muitas pessoas trabalham sob condições que põem em risco a sua saúde e segurança", salienta o relatório.

Angola: Tortura e prisões arbitrárias

Privação da vida e tortura pelas forças de segurança ou prisões arbitrárias continuam a ser violações detetadas aos direitos humanos em Angola, segundo os Estados Unidos, que destacam igualmente a impunidade e corrupção no país.

Entre as "formas de punição cruéis", continuam a constar casos de tortura e espancamento, em que alguns terminam mesmo em morte, por vezes levadas a cabo pelas autoridades, refere o relatório.

Limites à liberdade de reunião, associação e imprensa continuam a verificar-se em Angola, de acordo com o mesmo relatório, bem como uma forma de "corrupção oficial" e de "impunidade", juntamente com, até agora, uma "falta de responsabilização" e condenações efetivas, em tribunal, para casos de violações sexuais e outras formas de violência contra mulheres e crianças.

Assinala igualmente que o Governo angolano "tomou algumas medidas" para "processar ou punir funcionários que cometeram abusos". No entanto, ainda com níveis "fracos" de responsabilização.

O relatório refere que "embora a lei preveja penalizações criminais por corrupção" para funcionários do Estado, "o Governo não implementou essas leis de forma eficaz", continuando a ser habituais os relatos de "práticas corruptas" e "com impunidade".

Acrescenta mesmo que a corrupção no Governo é "generalizada", a "todos os níveis", com uma prestação de contas "limitada". Processos públicos de casos de corrupção foram "raros sob o Governo [de José Eduardo] dos Santos", recorda o documento, ao mesmo tempo que assinala que o Presidente João Lourenço, na sua tomada de posse, em setembro, anunciou a intenção de combater a corrupção no Governo.

"O ambiente de negócios continuou a favorecer aqueles que estão ligados ao governo, incluindo membros da família do Presidente", observa ainda o relatório, que também admite que a corrupção é transversal, verificando-se, em pequena escala, com polícias, guardas prisionais e até professores.

Escreve também que ministros e outros altos funcionários do Estado possuíam, em 2017, "interesses em empresas públicas e privadas", regulamentadas por, ou fazendo negócios, com seus respetivos ministérios: "Existem leis e regulamentos relativos a conflitos de interesses, mas eles não foram cumpridos".

"O partido MPLA, no poder, domina todas as instituições políticas", sublinha ainda o relatório do departamento de Estado norte-americano.

Moçambique: Impunidade generalizada

A impunidade persiste como um problema generalizado em Moçambique, refere o relatório.

"O Governo [moçambicano] tomou medidas para investigar, processar e punir alguns quadros que cometeram abusos, no entanto, a impunidade continuou a ser um problema a todos os níveis", avalia a administração dos Estados Unidos no documento.

O documento aponta como exemplo o facto de em 2017 não ter havido "nenhum progresso significativo na investigação aos assassínios de vários membros da oposição, incluindo de um elemento da equipa da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) nas negociações de paz" no país, Jeremias Pondeca - um crime ocorrido em 2016 e "amplamente visto como politicamente motivado", refere-se.

"As autoridades civis, por vezes, não mantiveram um controlo efetivo sobre as forças de segurança", sublinha o relatório.

As principais violações aos direitos humanos em 2017, de acordo com o documento, dizem respeito à privação de liberdade perpetrada de forma ilegal e arbitrária pelas forças de segurança, bem como às condições de prisão, duras e sob risco de vida.

A corrupção entre membros do aparelho do Estado, a violência contra as mulheres e os albinos, casos de tráfico de pessoas e trabalho infantil completam a lista, num rol de crimes face ao qual os esforços "foram inadequados" para encontrar os responsáveis, conclui o Departamento de Estado norte-americano.

Cabo Verde: Violações da liberdade de imprensa

A violação da liberdade de imprensa, o abuso de força policial e mortes arbitrárias foram algumas das principais problemas de Direitos Humanos em Cabo Verde em 2017, segundo o relatório.

O documento mantém também os alertas para questões como o tratamento abusivo e desumano nas cadeias, corrupção, trafico de pessoas e falhas na proteção de crianças e de trabalhadores migrantes.

O documento inclui este ano a violação da liberdade de imprensa pelo Governo nos aspetos "mais relevantes" em matéria de direitos humanos, citando os diferendos que opuseram o ministro da Cultura e Indústrias Criativas, que tutela a comunicação social, e a classe jornalística.

"O ministro provocou protestos dos profissionais dos media quando pediu aos 'velhos jornalistas' que se afastassem. Ao mesmo tempo, falou sobre a necessidade de simplificar a comunicação social administrada pelo Governo e afirmou que a inovação é o futuro", refere o relatório.

O texto regista também a aparição do ministro na sala de controlo durante uma transmissão no canal de televisão estatal e os protestos dos jornalistas através da sua associação representativa, que acusou o ministro de "intimidação" e pediu a sua demissão.

Segundo o relatório, a "autocensura" praticada pelos jornalistas cabo-verdianos é, justificada "em grande medida pela necessidade de manterem os empregos".

O departamento de Estado dá também conta que, no primeiro trimestre do ano, foram registados 23 casos de violência policial sobre detidos, "um aumento significativo relativamente aos primeiros oito meses de 2016".

As más condições de detenção dos detidos e a sobrelotação nas duas principais cadeias do país - cidade da Praia e Mindelo -  são outras falhas apontadas pelo documento.

O relatório refere ainda o envolvimento impune de funcionários, especialmente ao nível municipal, em práticas de corrupção, mas sublinha que não foram registados casos relativamente ao governo central.

Agência Lusa, cvt | Deutsche Welle

Olinda Beja quer Encontro de Escritores de Língua Portuguesa alargado a São Tomé e Príncipe


Encontro de Escritores de Língua Portuguesa terminou, este sábado (21.04), com a escritora santomense a reclamar que seja alargado a seu país. Evento reuniu mais de 20 escritores lusófonos na capital cabo-verdiana.

"A cidade e a literatura: Conexões entre cidadania, criatividade e juventude" foi o tema geral do VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa organizado pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), Câmara Municipal da Praia, Academia Cabo-Verdiana de Letras, Universidade de Cabo Verde e Biblioteca Nacional de Cabo Verde.

Em declarações à DW, a escritora, poetisa e narradora santomense Olinda Beja, que participou do evento, disse que chegou o momento de o seu país acolher também um encontro do género.

A UCCLA "tem que fazer também um encontro em São Tomé e Príncipe porque tem sido Brasil, Angola e Cabo Verde", mas as ilhas santomenses também precisam de encontros do tipo, considerou.

Para Olinda Beja, "a UCCLA tem de ir à São Tomé e Príncipe que embora seja pequenino está lá" à espera desse tipo de encontros.

A autora do livro "A Sombra do Ocá", prémio literário Francisco José Tenreiro (2013), afirmou que o encontro da Cidade da Praia permitiu alargar os seus horizontes.

"Saiu uma maior riqueza cultural literária, porque viemos aqui encontrar escritores de todo o universo lusófono e é uma alegria também estar na Cidade da Praia, em Cabo Verde, que é um país com uma cultura extraordinária", avaliou.

Cidades em foco

Na mesma linha, a escritora cabo-verdiana Hermínia Curado acrescentou que houve "apresentações e debates muito interessantes" dos escritores lusófonos.

"Este encontro vai-nos ajudar, nós os escritores, a pensarmos muito mais nas nossas cidades. Um dos temas foram os 160 anos da Cidade da Praia que se estão a comemorar e, isso, leva-vos a pensar muito mais na nossa cidade", disse.

No último dia do VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (EELP), Hermínia Curado falou do tema "O Primeiro e o Efémero Liceu da Cidade da Praia".

"Foi o liceu nacional que muita gente nem sabe que existiu em 1860 e que funcionou durante dois anos. Foi efémero mas foi bom, porque contribuiu para que aparecessem, por exemplo, o liceu de São Nicolau, o liceu de São Vicente e outros", relatou.

Escritoras lusófonas

Enquanto Olinda Beja defende que é preciso divulgar mais as escritoras lusófonas, Hermínia Curado considera que o encontro que terminou este sábado é mais um passo na senda do que tem sido feito.

"É claro que podem fazer muito mais, mas penso que nós também, através das nossas instituições, poderemos contribuir para isso. É preciso incentivar os escritores a escreverem mais sobre as suas cidades", defendeu.

Um dos convidados do último painel do EELP foi o Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, que é também escritor e poeta, tendo falado sobre “Literatura e Cidadania”.

No caso de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca defendeu ser preciso que os romances, contos e poesias retratem mais e tenham como inspiração a capital do país, que é uma cidade muito generosa e acolhedora.

"Se formos ver, os romances, os contos e poesias cabo-verdianos, podemos constatar que falam apenas de São Vicente, de São Nicolau, das montanhas de Santo Antão da Ribeira de Paul e muito pouco da capital do país, que é uma cidade muito generosa e acolhedora", disse acreditando que a dinâmica literária que se regista ultimamente venha contribuir para essa mudança.

Homenagem a Jaime de Figueiredo

O VIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa homenageou o ensaísta, crítico e dramaturgo cabo-verdiano Jaime de Figueiredo, (1905-1974), antigo conservador da Biblioteca Municipal da Praia, e considerado um dos grandes vultos das letras cabo-verdianas.

O encontro aconteceu a poucos dias de a Cidade da Praia comemorar 160 anos de existência (no próximo dia 29), e também numa semana em que a capital cabo-verdiana acolhe vários eventos de natureza musical e cultural, como o Atlantic Music Expo e o Kriol Jazz Festival.

Durante três dias, os participantes discutiram a literatura, com as suas ligações à juventude, criatividade e cidadania com o objectivo de partilha, troca de experiências e promoção da literatura dos países que falam o português.

Objectivo alcançado

"Estamos satisfeitos e pensamos que o principal objectivo foi alcançado, que é colocar a Cidade da Praia no centro das atenções a nível da literatura, aspecto esse que irá marcar e ficará na história", afirmou o vereador da Cultura da Câmara Municipal da Praia.

Para António Lopes da Silva, o EELP contribuiu também para lançar as bases para uma maior projecção da capital cabo-verdiana em termos literários e de desenvolvimento.

"Hoje a Praia é muito mais do que construções de ruas, de casas, são pessoas com vivência, uma história", sublinhou, anunciando que a Cidade da Praia vai ter, brevemente, uma Biblioteca Municipal com o nome de Jaime de Figueiredo, o homenageado desta edição.

David Capelenguela (Angola), Maria de Fátima Fernandes, Hermínia Curado Ferreira, Joaquim Arena, Jorge Carlos Fonseca, Jorge Tolentino, Judite Nascimento, Leão Lopes, Manuel Brito Semedo, Natacha Magalhães, Tony Tcheka (Guiné-Bissau), Conceição Queirós (Moçambique), Zhang Weimin (Macau), Inês Barata Raposo, Filipa Melo, José Carlos Vasconcelos e António Carlos Cortez (Portugal), Olinda Beja (São Tomé e Príncipe) e Luís Costa (Timor-Leste), foram alguns dos escritores convidados.

Pela terceira vez consecutiva, o Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (EELP) aconteceu na capital de Cabo Verde, que agora é sede do evento e vai passar a organizá-lo todos os anos, em parceria com a UCCLA.

A proposta foi lançada pelo presidente da Câmara Municipal da Praia, Óscar Santos, no anterior encontro, realizado em Outubro de 2017, e aceite pela UCCLA.

As quatro primeiras edições do encontro foram realizadas em Natal (Brasil) e a quinta em Luanda (Angola).

Nélio dos Santos (Praia) | Deutsche Welle

Na foto: Olinda Beja, escritora, poetisa e narradora santomense

ILITERACIA | "A vida também é lá fora" - escritores lusófonos em Cabo Verde


Em Cabo Verde, os índices de leitura nunca foram tão baixos. Manuel Brito Semedo diz que a culpa também é dos professores. É preciso criar ambiente e sair da sala de aula.

Terminado mais um encontro de escritores de Língua Portuguesa em Cabo Verde, preparam-se agora as comemorações Dia do Professor, numa altura em que os índices de leitura nunca estiveram tão baixos no país.

Há quem afirme que a culpa é também dos professores que não são criativos, não apostam na própria valorização e nem eles compram livros.

A opinião muito crítica é de Manuel Brito Semedo, professor universitário de Antropologia e Cultura cabo-verdiana. À conversa com a enviada especial da TSF Teresa Dias Mendes, confessa que gostava de ver mais audácia e ousadia no ensino e nos docentes do país.

Teresa Alves | TSF | Na foto Manuel Brito Semedo/TSF


*A TSF viajou para Cabo Verde a convite da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, parceira da organização

DESAPARECEU O MUSEU MILITAR DE ANGOLA!


Sempre houve e haverá quem venda a Pátria ao desbarato, assim como a história, a paisagem... Tudo. É uma questão de cifrões. Exemplo trazido por Martinho Júnior, aqui, mostra o "desaparecimento" do Museu Militar de Angola, na antiga e característica Fortaleza luandina. É ele que expressa a propósito:

Conforme as fotos, não é uma mentira de 1 de Abril, pois quem percorra alguns ângulos da Marginal 4 de Fevereiro pode observar o "fenómeno"!...

Um umbigo grande, carregado de orgias de "mercado" e consumo, teve a oportunidade de sem qualquer obstáculo construir outra fortaleza no morro da própria, acabando com uma parte do parque vegetal do entorno.

A perversidade do dinheiro, da arrogância, do desrespeito para com heranças do passado e do completo desprezo para com os outros, está a causar desequilíbrios insuportáveis na sociedade angolana!

O capitalismo neoliberal está a ser aplicado dum modo que fez proliferar mercenários de todos os tipos, onde deveriam existir patriotas!

Conforme a explicitude das fotos: afinal essa bandeira representa o quê?

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