Vivendo há mais de 30 anos na
Itália, Mickey dos Santos Rebelo perdeu a cidadania moçambicana ao ser expulsa
do país, após a independência. Ficou quase 20 anos sem voltar a Maputo e
continua sem passaporte moçambicano.
Mickey Rebelo dos Santos -
sobrinha de dois fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO),
Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo - foi expulsa do país após um periodo
passado num campo de reeducação.
A jovem burguesa não jurou
fidelidade à FRELIMO.
"Eu fui expulsa de
Moçambique depois de ter estado no campo de Matutuíne, que era um campo de
reeducação militarizado para jovens. Eu era a favor da FRELIMO, mas tinha 18
anos, usava jeans, era uma pessoa livre, burguesa, não tinha feito nada de mal,
se não o fato de apresentar-me, não como uma comunista – neste momento
lembramos que Moçambique chamava-se República Popular de Moçambique –, ou seja,
eu com o Mao Tsé-Tung [líder comunista e revolucionário chinês] não
tinha nada a ver," recorda.
"Eu não queria vestir
chinês. Eu queria jeans, Beatles e Rolling Stones, eu era isso. Então, não foi
justo. Mas eu percebo porque isso aconteceu," avalia.
Naquele período não havia
perdão para quem contrariasse os ideais do novo Governo independente. Nem mesmo
para uma sobrinha dos fundadores do partido no poder em
Moçambique desde 1975.
"Não importa que tu és
sobrinha de, neste caso, dois [políticos] muito importantes, que eram o
Marcelino dos Santos e o Jorge Rebelo. Tu também vais para a
reeducação," avalia.
"Apanhei um choque, porque
vinha de uma classe burguesa. Não tenho vergonha de
dizer," considera.
"Tinha uma boa cultura e a
prova é que ainda estou aqui e nunca traí o meu país. Nunca fiz política contra
Moçambique, continuava a amar o meu país como amo hoje," diz.
Duas décadas sem ir
"a casa"
Sem passaporte, Mickey ficou
quase 20 anos impossibilitada de regressar ao seu país.
"Eu perdi a nacionalidade.
Eu tenho que readquirir a nacionalidade, que é um processo diferente de quem
perdeu só porque foi embora. Eu fui expulsa e, naquele momento, perdi a
cidadania," explica.
"Depois, soube que tinha
sido a minha avó que tinha dado o ultimato ao Marcelino dos Santos e disse:
'Olha, tu encontras a minha neta ou eu vou te bater'. E o Marcelino, que amava
profundamente a sua mãe, pôs-se à minha procura e conseguiu encontrar-me. Depois
que eu estive com o Marcelino, ele disse-me: 'Podes entrar em
Moçambique," recorda.
"Então eu fiz a minha
primeira visita a Moçambique. Uma emoção enorme porque é a tua terra. Quando
chegas, sentes o cheiro da terra, da chuva, as pessoas, o amor, a comida," diz.
Relação com a oposição e
expectativas para o futuro
Mickey conserva uma estima pelo
líder histórico da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama,
e lamenta a morte do líder da oposição.
"Entre os meus
planos havia esse de ir cumprimentá-lo e agradecer-lhe, porque de todas as
maneiras não pode haver uma democracia sem uma oposição," revela.
"Acho que o Dhlakama fez
muito por Moçambique e era importante a sua imagem," considera.
"Com a FRELIMO, fiquei
bastante desiludida pelo o que aconteceu com o passado Governo. Há muitas
coisas que não foram esclarecidas. Chissano, acho que fez um bom trabalho. Mas
depois dele, acho que houve um desastre. Não foi bom. Moçambique foi-se muito
abaixo," avalia.
Mickey espera poder entrar em seu
país, não mais como uma estrangeira.
"O problema do passaporte é
um problema de coração, não é um problema de necessidade de ter um passaporte.
É triste que tenho que estar duas horas à espera porque sou estrangeira, não? Eu
não sou estrangeira, eu sou moçambicana," conclui.
É oficial. Sergio Moro demora
pouco mais de 24 horas para decidir aceitar convite de Bolsonaro e assumir
ministério. Em nota, juiz de Curitiba já anuncia desligamento da Lava Jato
O juiz federal Sérgio Moro
aceitou nesta quinta-feira 1 o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro
(PSL) para comandar o superministério da Justiça.
O magistrado vai divulgar uma
nota detalhando os termos da proposta que aceitou.
De acordo com informações da
imprensa, Moro deixou o condomínio onde Bolsonaro mora, no Rio, às 10h45, após
cerca de 1h30 de reunião.
Na saída, o magistrado chegou a
deixar o carro onde estava para falar com a imprensa, mas, diante do tumulto no
local, não fez nenhuma declaração.
O juiz chegou às 9h à residência
de Bolsonaro. O presidente eleito convidou Moro para assumir um superministério
da Justiça, ampliado e com órgãos de combate à corrupção, que estão atualmente
em outras pastas, como a Polícia Federal e o Coaf, que estão envolvidas nessa
operação.
Os dois conversaram sobre o
desejo do presidente eleito de ver o magistrado como ministro da Justiça ou do
Supremo Tribunal Federal, quando houver vaga.
A agenda de Bolsonaro desta
quinta inclui a visita dos embaixadores da Espanha e dos Estados Unidos, além
de entrevista a emissoras católicas.
Questionado sobre o que o motivou
para o encontro com Bolsonaro, o juiz afirmou que o país precisa de uma agenda
anticorrupção e anticrime organizado.
“Se houver a possibilidade de uma
implementação dessa agenda, convergência de ideias, como isso ser feito, então
há uma possibilidade. Mas como disse, é tudo muito prematuro”, destacou Moro.
Ao desembarcar no aeroporto
Santos Dumont, pela manhã, o magistrado não falou com a imprensa e, antes de
chegar à casa do presidente eleito, fez uma pequena parada em um hotel que vem
sendo usado como uma espécie de QG para quem visita Bolsonaro.
No Santos Dumont, Moro
desembarcou diretamente na pista de pouso do aeroporto, de onde partiu em um
carro da Polícia Federal.
Ao aceitar o convite para compor
com Bolsonaro, Sergio Moro divulgou a seguinte nota:
“Fui convidado pelo Sr.
Presidente eleito para ser nomeado ministro da Justiça e da Segurança Pública
na próxima gestão. Após reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para
a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar pois terei que
abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma
forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito a Constituição,
a lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa
consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar
riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguira em
Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar
controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências. Na próxima semana, concederei entrevista coletiva com maiores detalhes.
Curitiba, 01 de novembro de 2018. Sergio Fernando Moro”
Durante a campanha eleitoral e até antes Bolsonaro disse as mais terríveis alarvidades sobre suas convicções, seus pensamentos, sua ideologia. Declarou-se fascista, racista, adversário dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, etc.
Após saber os resultados eleitorais e ter a certeza absoluta de que fora eleito Bolsonaro mudou de discurso e até garantiu respeitar a constituição brasileira, declarando-se não violento e até democrático, entre outras declarações absolutamente diferentes do afirmado antes e que lhe granjeou a classificação de fascista e do pior enquanto ser humano e político.
Muitos perguntaram e continuam perguntando quem é afinal Bolsonaro, novo presidente eleito do Brasil. É aquele fascista, racista e coisa horrível ou é na verdade um democrata? Quando Bolsonaro fala verdade? Perguntam os brasileiros e o mundo.
Na imagem em cima está a resposta. Bolsonaro só fala verdade quando reza. Com o seu deus... Porque sabe que esse o ouve, sabe de sua veneração e confia nele: o deus mercado.
Afinal foi escolha dos brasileiros. Aguentem-se com a despesa do recheio de estupidez que os preenche. Certo é que vão ter paga dispendiosa e demorada, com todos os juros pesados e inscritos no código dos que afinal "inventaram" Bolsonaro e o dispõem como marioneta. (CT | PG)
No Brasil, a eleição dia 28 do
sr. Bolsonaro foi consequência do nível de cultura política da sua população. A
classe dominante (capital financeiro, agrobusiness, grande empresariado, ...)
apoiou o sr. Bolsonaro porque tem consciência de classe e sabe quem
melhor serve os seus interesses.
As camadas médias que votaram pelo sr. Bolsonaro também têm consciência
de classe – mas uma consciência equivocada pois identifica a ascensão dos mais
pobres como uma ameaça aos seus interesses e acredita nos que acenam com
bandeiras "anti-corrupção" (como se não fossem eles próprios
corruptos).
Mas quanto aos trabalhadores assalariados, precários, marginalizados e minorias
que votaram no referido candidato, destes pode-se dizer que não têm qualquer
consciência de classe. Muitos deles, os mais expostos à criminalidade,
deixaram-se iludir pelas promessas de segurança do candidato fascista.
Muitas análises certamente se seguirão ao fenómeno Bolsonaro, mas deve-se
assinalar desde já que estas eleições de democrático pouco tiveram. O
candidato mais popular foi impedido de concorrer por manobras de law fare ensinadas
nos cursos da USAID; o poder judicial posicionou-se na generalidade em favor do
candidato fascista; os mass media de referência e as redes sociais (What's App)
actuaram intensamente contra o opositor do sr. Bolsonaro; a violência das
turbas bolsonaristas manifestou-se por todo o país (ainda na véspera das
eleições jagunços de latifundiários incendiaram um acampamento do MST em Mato Grosso e no Ceará
fascistas assassinaram um jovem democrata).
A social-democracia lulista na verdade preparou o terreno para a ascensão do
candidato fascista. As suas cedências permanentes, ao longo de muitos anos,
desmoralizaram-na e retiraram-lhe a base de apoio que chegou a ter no seu
início. O desarmamento político e ideológico do povo brasileiro, obra da
social-democracia, provocou este triste resultado. Aprenderá ela a lição?
Condenado a 14 anos de prisão,
Oliveira Costa pode ver sentença alargada. Relação devolveu processo à primeira
instância para decidir sobre crime por sancionar. José Oliveira Costa foi condenado
a 14 anos de prisão em maio do ano passado mas pode ver a sua sentença alargada
em vários anos.
Tudo porque o tribunal de
primeira instância se esqueceu de decidir sobre um dos crimes de que era
acusado o ex-presidente do Banco Português de Negócios (BPN), o crime de abuso
de confiança. Por estar em causa a apropriação de valores consideravelmente
elevados, a pena por este crime vai de um a oito anos de prisão. A questão foi
suscitada há mais de um mês pelo Tribunal da Relação no âmbito dos recursos
remetidos há cerca de um ano. O megaprocesso-crime do BPN baixou, por isso, ao
tribunal de primeira instância e está pendente até que o tribunal de primeira
instância fixe uma pena pelo crime de abuso de confiança.
Estranho? Sim. Inédito?
Seguramente. “Nunca tinha visto uma situação deste género”, referiu um dos
advogados ao Expresso. Porém, dada a complexidade do processo, o número de
arguidos e o rol de acusações, até pode ser compreensível, refere outro dos
advogados de defesa. Claro que nem todos partilham da ideia, até porque irá
atrasar a decisão da Relação e o desfecho do caso já de si bastante complexo. O
julgamento durou mais de seis anos, quase 2000 dias desde a primeira à ultima
audiência em
julgamento. Foram ouvidas 170 testemunhas e acumularam-se 25
milhões de documentos.
O coletivo da primeira instância
terá agora de se pronunciar sobre a medida da pena. Não se sabe ainda quanto
tempo vai levar o tribunal a sanar este incidente. Só depois disso a Relação
apreciará os pedidos de recurso de todos os condenados. Segundo as estimativas
de alguns advogados, o desfecho deste incidente pode demorar um ano ou até
mais. O que empurrará a decisão da Relação para 2020. Uma coisa é certa: até
que haja uma sentença transitada em julgado, ou seja, não passível de mais
recursos, vão demorar alguns anos, pelo menos entre três a cinco anos.
Em maio de 2017, quando foi lido
o acórdão do tribunal, Oliveira Costa, então com 81 anos, foi considerado um
dos principais atores “da maior burla da história da Justiça portuguesa julgada
até ao momento”, como referiu o presidente do coletivo de juízes, Luís Ribeiro.
O fundador do grupo BPN e
ex-presidente do banco foi então condenado pelos crimes de falsificação de
documentos, fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de
capitais a uma pena de prisão efetiva de 14 anos, dos quais já cumpriu dois
anos. Sabe-se agora, porque a Relação o disse, que ficou a faltar o crime de
abuso de confiança relacionado com a apropriação de fundos (para ele ou
terceiros).
No período que decorreu entre
2001 e 2009, segundo o Ministério Público Oliveira Costa foi o principal
culpado num esquema que envolveu uma série de negócios entre sociedades do
grupo, a então SLN, hoje Galilei (em liquidação) e o BPN, a criação de centenas
de offshores para esconder prejuízos e comprar e vender ações e ainda a
utilização do Banco Insular, em
Cabo Verde, o qual era utilizado “consoante os seus
específicos interesses” e que gerou negócios negócios de €20 mil milhões dentro
do chamado balcão virtual. O dinheiro era desviado para o Insular através do
BPN Cayman e regressava a Portugal quando era preciso pagar juros aos clientes.
Recorde-se que a titularidade do Banco Insular foi escondida ao Banco de
Portugal durante anos, tendo cessado atividade em 2009.
No último dia de julgamento,
quando foi lido o acórdão, o presidente do coletivo de juízes referiu que este
tipo de megaprocessos não se podem repetir, porque são “monstros jurídicos” que
causam muitas dificuldades aos advogados, aos arguidos e ao próprio tribunal.
Reconheceu até que “foram anos muito duros para vida profissional, familiar e
social de todos”. Mal sabia o coletivo de juízes que teriam de voltar a olhar
para o processo quase um ano e meio depois de o encerrar.
O NÚCLEO DURO E OS RECURSOS
Na decisão, o tribunal fez
questão de sublinhar que o núcleo duro do esquema fraudulento que movimentou
ilegalmente milhões de euros, através da criação de inúmeras offshores para a
compra e recompra de ações, ocultando a titularidade de um banco, o Banco
Insular, ao Banco de Portugal, era composto por: Oliveira Costa; Luís
Caprichoso que geria a área financeira da SLN, hoje Galilei em liquidação
(condenado a oito anos e três meses); José Vaz Mascarenhas, ex-presidente do
Banco Insular (condenado a sete anos e três meses); e Francisco Sanches,
ex-chefe de gabinete de Oliveira Costa e ex-administrador do BPN (seis anos e
nove meses).
O tribunal considerou que os
quatro foram os principais responsáveis do desvio de €9 mil milhões do grupo e
que privilegiaram os seus interesses em detrimento do grupo. Escusado será
dizer que todos estes responsáveis negam tais considerações.
Dos 15 arguidos, 12 foram
condenados, quatro a penas de prisão efetiva (ver foco) oito a penas suspensas
mediante o pagamento de indemnizações. No total, as indemnizações pedidas aos
oito condenados ascenderam a €225 mil euros. E houve três absolvições, uma das
quais a do empresário Ricardo Oliveira de que o Ministério Público recorreu. O
empresário e colecionador de automóveis raros era acusado dos crimes de burla
qualificada e falsificação de documentos, mas o tribunal considerou que a
operação imobiliária que envolveu o BPN e o empresário foi “um mero negócio”.
FATURA DO BPN SEM FIM À VISTA
Nacionalizado em novembro de
2008, o BPN já custou ao Estado mais de €5 mil milhões, segundo dados do
Tribunal de Contas relativos a 2015. Mas a fatura pode aumentar e chegar a valores
na ordem dos €9 mil milhões se os créditos que estão nos veículos criados para
gerir os ativos tóxicos (Parvalorem e Parups) não forem recuperados. Um cenário
considerado muito provável, tendo em conta que é difícil conseguir garantias
patrimoniais extra sobre o rol de créditos em incumprimento que existe nestes
veículos. Recorde-se que, depois de nacionalizado, a Caixa Geral de Depósitos
tomou conta da sua gestão e só em 2012 o banco foi vendido aos angolanos do BIC
por €40 milhões, já sem os ativos tóxicos.
DA ACUSAÇÃO À CONDENAÇÃO
Oliveira Costa foi constituído
arguido e ficou em prisão preventiva entre novembro de 2008 a julho de 2009 e
depois em prisão domiciliária até novembro de 2010.
Ainda em 2009 é acusado de sete
crimes pelo Ministério Público.
Julgamento começa em dezembro de
2010 e só termina em maio de 2017. Oliveira Costa é considerado o principal
culpado e condenado a 14 anos de prisão. Maioria dos arguidos recorreu para o
Tribunal da Relação ainda em 2017.
Há cerca de um mês, a Relação
mandou baixar o processo por faltar determinar a pena quanto ao crime de abuso
de confiança a Oliveira Costa. Ministério Público recorre da absolvição do
empresário Ricardo Oliveira.
Recurso está suspenso na Relação
até que o tribunal determine a pena que falta.
Isabel Vicente | Expresso
Foto Google com Oliveira Costa
assinalado na marca oval, Dias Loureiro, Cavaco Silva e outros, antes da “revelação”
do Caso BPN.
Advogada dos homens que foram
fotografados algemados considera que foram vítimas “de vários crimes” e vai
apresentar queixa contra quem os fotografou. “Os meus clientes sabem quem são”
A fuga dos gémeos Manuel e
Fernando Santos e do sobrinho, Hugo Saraiva, durou um dia e acabou num parque
de campismo de Gondomar com os três suspeitos algemados e sentados no chão. O
momento foi imortalizado em várias fotografias que foram parar à primeira página
do “Jornal de Notícias” e do “Correio da Manhã” e às redes sociais. A
publicação da fotografia pode constituir um crime de fotografia ilícita,
punível com um ano de prisão ou multa, e depende de queixa das vítimas.
“Os meus clientes foram vítimas
de vários crimes, alguns públicos, como devassa por meio informático, já que a
morada da casa onde alegadamente moravam foi divulgada numa televisão apesar de
eles nem sequer lá viverem. E vamos apresentar queixa pelas fotografias,
claro”, garante Cristina de Carvalho, advogada de um dos gémeos Santos e de
Hugo Saraiva. Contra quem? “Não posso dizer, mas os meus clientes sabem quem
tirou a foto e podem identificá-lo.” O Expresso sabe que os três homens,
suspeitos de vários roubos violentos a idosos, com penas por cumprir, um
cadastro pesado e autores de uma fuga rocambolesca do Tribunal de Instrução
Criminal do Porto, indicaram agentes da PSP como autores da fotografia.
A Inspeção-Geral da Administração
Interna (IGAI), o órgão de disciplina da PSP, já abriu um inquérito para apurar
as circunstâncias da fuga e da publicação da fotografia. O Ministério Público
(MP) abriu um processo-crime que “investiga as circunstâncias que rodearam a
fuga e posterior captura dos detidos”, diz o gabinete da PGR. “No âmbito deste
inquérito, o MP não deixará de investigar todas as factualidades suscetíveis de
integrarem infração de natureza pública, bem como todas as matérias dependentes
de queixa.” A IGAI impõe medidas disciplinares que, no limite, podem culminar
na expulsão da polícia. E o MP pode fazer uma acusação criminal contra os
autores da fotografia e os responsáveis pela sua publicação ou, caso fique
provado que houve negligência, contra os agentes que deixaram os suspeitos
fugir. “Só há crime se ficar provado que a publicação das imagens foi feita com
o propósito de humilhar os detidos. Caso contrário trata-se de uma questão de
direito há informação. Todos os dias os jornais publicam sem autorização fotos
de pessoas a entrar ou a sair dos tribunais algemados”, defende o advogado
penalista Gil Teixeira.
SEM ARREPENDIMENTO
A fotografia da detenção feita
num parque de campismo, a 19 de janeiro, começou por ser publicada quase em
simultâneo no Facebook de dois sindicatos da PSP. “Acho que primeiro foi no
meu”, diz Vítor Pereira, vice-presidente do Sindicato Vertical das Carreiras da
Polícia. “Fui buscar a foto ao site do ‘JN’ e partilhei-a. Não sei quem é que a
tirou”, garante o sindicalista que não mostra qualquer arrependimento pela
publicação da foto dos homens algemados: “Não foi para humilhar. A Polícia
estava a ser criticada por tê-los deixado fugir e num dia, ao contrário do que
aconteceu noutros casos, como o de Manuel Palito ou o de Pedro Dias, e eu quis
elogiar o trabalho dos colegas. O major Brazão, da PJM, foi fotografado
algemado e não houve qualquer polémica.” Peixoto Rodrigues, presidente do
Sindicato Unificado da Polícia, também partilhou a foto e garante não saber
quem é que a tirou: “Estão a dar como um facto adquirido ter sido um polícia,
mas eu não sei se foi. Partilhei uma foto de um amigo e não sei mais nada. Se
tenho consciência de que cometi um crime? Não sei se é crime. Acho que é no
mínimo discutível. Há o interesse público que se sobrepõe aos direitos
individuais e um alarme social que precisava de ser apaziguado e acho que a
publicação da fotografia contribuiu para isso.”
Antes de a foto da detenção ter
sido publicada foi a própria PSP a enviar para os jornais e televisões
fotografias dos três suspeitos, vulgarmente conhecidas por “clichés” (ver em
cima). De acordo com uma fonte policial, o comando da PSP do Porto pediu
autorização prévia ao MP e, de acordo com a lei, se for um órgão policial a
solicitar a publicação das fotografias de pessoas procuradas, não há crime. “Indivíduos
em fuga, considerados perigosos e potencialmente armados. Caso sejam
localizados deverá ser dado conhecimento imediato às autoridades policiais”,
dizia a legenda. Tinham fugido do TIC do Porto depois de terem conseguido
acesso à chave da cela onde estavam fechados. Saltaram pela janela e fugiram.
Quando foram apanhados estariam na posse de 40 mil euros e preparavam-se para
fugir do país.
Depois de terem sido capturados,
os dois sindicatos divulgaram as fotos da detenção perante a indignação geral e
a fúria do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que ordenou a
abertura do inquérito da IGAI. “É absolutamente inaceitável a publicação de
imagens que não correspondem à forma de atuação da polícia portuguesa”,
protestou o governante.
Na ressaca destas afirmações, o
sindicato vertical publicou fotos de idosos agredidos em Inglaterra e no Brasil
o que levou a uma reação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
que considerou “inaceitável” a montagem fotográfica. “Era meramente exemplificativa”,
defende-se Vítor Pereira. “Não quisemos enganar ninguém e nem sequer podíamos
estar a publicar as fotos verdadeiras que estão em segredo de Justiça”.
Num gesto de solidariedade, a
Associação Sócio-Profissional Independente da GNR, disse que não ficava
“indignada com as fotografias, expostas publicamente, pois considera que os
criminosos — nelas identificados como tal — não são merecedores do mesmo
respeito e consideração, por parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao
cidadão comum”. Nenhum dos dois sindicatos da PSP ouvidos pelo Expresso
concorda com esta afirmação.
O Notícias ao Minuto esteve à
conversa com Sofia Ramos, voz feminina de um projeto que anda a dar novas
sonoridades ao cante alentejano: os Magano.
É fácil pensar que a tradição já
não é o que era. Mas às vezes a tradição encontra novas forças precisamente por
se reinventar.
Os Magano são um projeto
português que pega no cante alentejano e o leva por outros caminhos musicais. É
o Alentejo a ser cantado de novo não por quem sempre lá viveu mas por quem,
mesmo longe, nunca o esqueceu.
Os Magano são os irmãos
Sofia (voz) e Nuno Ramos (voz e guitarra) e Francisco Brito (contrabaixo), que
contaram neste primeiro álbum com a ajuda de um trio de 'Andrés'.
À conversa com o Notícias ao
Minuto, Sofia Ramos conta como é que campo e cidade, passado e futuro, se vão
misturando na música dos Magano, banda 'malandra' que tem no Alentejo a sua casa
mas que já começou a levar o cante alentejano para lá de novas fronteiras.
Como é que surgiu esta ideia de
pegar no cante alentejano e levá-lo nesta viagem por outras sonoridades?
O cante de alguma forma já estava
presente na nossa vida – na minha e na do Nuno – devido à herança familiar. A
nossa mãe é do Alentejo, o nosso avô cantava no grupo coral da aldeia. Já
existia [essa relação] embora ainda não tivesse tomado forma.
Em 2014 estava a fazer uma
residência numa casa de fados no Cais de Sodré, Povo, onde ao fim de três meses
gravámos um CD. Eles lá incitam-nos a explorar vários géneros musicais e um dos
géneros foi o cante. Eu tinha conhecido o Francisco Brito (contrabaixo) num
espectáculo musical no Teatro do Bairro, ele era um dos músicos, e desafiei-o
para uma moda à alentejana.
E resultou.
Não sabíamos como é que íamos
tocar mas surgiu tudo muito naturalmente. Quando tocámos ao vivo correu muito
bem e como o meu irmão já tinha feito em casa alguns arranjos de modas
alentejanas, achei que não faria sentido fazer isto sem ele e então convidámos
o meu irmão. Tocámos mais uma vez ao vivo, correu muito bem e continuámos a
tocar.
O cante tem a base dos cores
masculinos. Nos Magano combinam voz masculina e feminina. De onde veio esta
opção?
Esta opção surgiu também de uma
forma fisiológica, que eu sou mulher e o meu irmão é homem e não pensamos mudar
de sexo [risos]. Nós gostávamos de ser um coro mas somos só dois. E pensámos:
como não conseguimos fazer tal e qual como é, arranjamos maneira de fazer como
nós somos. E as coisas surgem muito naturalmente. Ou eu começo a cantar uma
canção e o meu irmão faz uma segunda voz, ou começa ele a cantar e eu faço outra
voz, ou então cantamos em dueto. É tudo supernatural.
Em 2014 começaram a trabalhar
neste projeto. Curiosamente foi também o ano da UNESCO. Este reconhecimento
internacional tem permitido ao cante alentejano ir para lá das fronteira do
Alentejo nestes últimos anos?
Acho que começa a haver esse
movimento. Já havia alguns grupos que agarravam na música tradicional
alentejana e a tornavam um pouco diferente, mas era tudo ainda muito ligado aos
sons e instrumentos tradicionais do cante, como a viola campaniça, por exemplo.
E era quase sempre feito por pessoas no Alentejo. Acho que esta candidatura,
primeiro veio dar muito mais visibilidade. Há muito mais gente que ouve, ou que
pelo menos reconhece e sabe o que é. E acho que, como aconteceu no fado,
abriu-se uma janela de possibilidades. Por acaso até foi no ano em que fiz a
residência. Às vezes as pessoas podem pensar [imitando] ‘Epah estes gajos
fizeram isto porque o cante se tornou Património e aproveitaram-se disso’. Não
tem nada a ver. Foi mesmo acaso. E quando tocámos pela primeira vez ainda só
havia candidatura!
O álbum acaba por reinventar
várias músicas que já eram trabalhadas no cante. É muito diferente este
processo de transformar uma música que já existe e dar-lhe outro toque mais
moderno, de fazer isso já de raiz?
Creio que sim. Temos uma
estrutura, uma moda que tem a sua melodia, que é feita através das vozes. Isso
é a nossa base. Tentamos respeitar isso ao máximo. A outra parte, a do arranjo
instrumental, surge como complemento à música. Acho que se as separarmos não se
identifica logo como cante. Mas quando se juntam, complementam-se de forma a
dar uma nova sonoridade. O Francisco costuma dizer que é muito divertido fazer
arranjos para estas músicas porque são músicas que vêm muito de dentro. Então o
arranjo não pode querer mudar a música em si, mas pode trazer algo de
diferente.
No futuro contam ter mais temas
originais?
Sim. Queremos fazer mais coisas.
Gostamos muito deste desafio, de agarrar a música tradicional e de alguma forma
reinventá-la, mas também queremos que isso seja sempre uma inspiração para criarmos
mais músicas. Acho que é também um ponto de partida interessante para a criação
de nova música portuguesa: agarrar na tradição e deixar que nos inspire.
O folheto do álbum conta com uma
biografia curta, muito terna, do vosso avô, o João. Ele acabou por ser uma
figura decisiva para os Magano.
Sim, sem ter sido algo que nos
tenha sido imposto, o nosso avô deixou-nos essa herança. Nós somos a primeira
geração da nossa família a crescer fora do Alentejo. E somos talvez a primeira
geração desse lado da família, depois do nosso avô, que consegue cantar bem
[risos] e acho que nos deixámos levar.
Havia muitos convívios familiares
em que ouvíamos o cante. Cresceu naturalmente, como acontece com qualquer
pessoa que vive rodeada de música e ganha esse gosto.
A história do vosso avô
lembrou-me o primeiro álbum dos Rio Grande (Rui Veloso, Tim, João Gil, Jorge
Palma, Vitorino e João Monge), não sei se se lembra do projeto
Lembro sim! Quando íamos em
viagem com os nossos pais andávamos sempre a ouvir isso.
Também era assim comigo. Aquele
primeiro álbum dos Rio Grande era uma história assim, de crescer no campo,
partir para a cidade e, mais velhos, com os filhos já crescidos, voltar outra
vez ao campo. A vossa música acaba por tentar fazer também esta aproximação entre
campo e cidade, entre estas diferentes portugalidades?
Sim. Queremos muito fazer isso. A
diferença é que já não somos do Alentejo, já não temos essa experiência de sair
e um dia querer voltar porque não vivemos lá, passávamos lá férias. Mas
queremos muito respeitar as nossas raízes e a tradição da nossa música, do
cante alentejano como ele é. Gostamos muito do que nos foi deixado. E mesmo que
o nosso corpo não seja 100% alentejano, acho que agarrarmos nesta música e
tentarmos tocar à nossa maneira é uma forma de a respeitar este tipo de música.
Como é que está a ser recebida
entre os alentejanos que já conheciam bem o cante?
Nas primeiras vezes que fomos
tocar ao Alentejo íamos com muito medo por causa disso mesmo, estávamos a tocar
algo natural daquele sítio mas a dar-lhe nuances novas. Mas tivemos uma boa
receção. É bom termos pessoas que cantam o cante e que costumam ouvir o cante a
dar-nos força. O David Pereira, que é mais jovem e faz parte de um projeto - Há Lobos sem
ser na Serra - também canta o cante, e diz-nos:” Continuem, levem o
cante para a cidade”. Há um certo orgulho em ser malta que já não é do Alentejo
mas é descendente a não esquecer os seus antepassados. Para nós é sinal de que
não estamos a fazer as coisas mal.
E fora do Alentejo, como estão a
ser recebidos os Magano?
Nós, de início, tínhamos ideia de
que este projeto ia ser para uma faixa etária mais velha, mais
tradicional. Mas na verdade o facto de darmos estes arranjos leva a que uma
geração mais nova, que se calhar não ouve tanto o cante, ouça este tipo de
música porque tem uma roupagem nova. Temos tido uma receção muito boa. E é
engraçado porque em concertos que já demos encontramos os miúdos pequeninos a
dançar a nossa música. Ficam super-atentos. Acho que cativa também usarmos
instrumentos fora do normal mas é giro ver os miúdos a dançar assim a nossa
música.
E como vê o atual momento da
música portuguesa, cantada em português?
Acho que a música cantada em português
tem muito mais força do que há uns anos. Há ainda mais coisas de qualidade.
Acho que tínhamos um certo preconceito. Víamos um filme dobrado em português e
pensávamos: isto em inglês ficava melhor. Mas acho que já nos habituámos a
ouvir mais coisas em
português. Há mais compositores capazes de escrever, de dizer
as coisas com a nossa língua. E isso é uma coisa brutal, o sermos capazes de
nos ouvir. Agora há malta mais jovem, que também explora a música tradicional.
Temos os Mutrama, que tocam música da Madeira e é brutal. Nem
conhecia a música da Madeira. E há Carolina Deslandes, há Agir, gente tão
diferente, malta que chega longe a cantar em português e isso é de louvar. Acho
que já passou esse tempo em que ouvir música em inglês era muito mais fácil do
que em português.
E esta escolha de Magano
[malandro] como nome?
A minha avó chamava muito isso ao
meu irmão quando ele se portava mal. Agora vou dizer uma asneira que no
Alentejo não é bem visto como asneira [imitando o sotaque] ‘Ah magano d’um
cabrão, anda cá que t’aperto o pescoço’]. Nem houve discussão para escolher o
nome. O meu irmão já tinha pensado nisto e nós aceitámos logo. Pronto, é isto,
não faz sentido ser outra coisa.
Já havia Magano antes de serem os
Magano.
Verdade.
E o futuro próximo? Há concertos
na agenda?
Estamos em fase de promoção do
álbum. Passaram poucas semanas desde o lançamento (5 de outubro). Estamos
a trabalhar na agenda, com algumas coisas por confirmar. Pelas nossas redes
sociais vão saber tudo o que vai acontecer.
O primeiro álbum de
Magano já se encontra à venda.
Pedro Filipe Pina | Notícias ao
Minuto | Foto: Divulgação
O maior erro que se pode cometer
em política é pensar que o povo é estúpido, que confunde uma prestação de
contas com um ajuste de contas (1), que vota com a vontade dos outros (2) ou
que não percebe uma mentira com perna curta (3).
1. As memórias de Cavaco, que o
próprio apresenta como uma prestação de contas sobre o segundo mandato
presidencial, são um ajuste de contas com a história e com alguns personagens
políticos que dividiram o palco com ele. Mas só alguns, outros são ignorados
para que o povo esqueça o que possa o ex-presidente ter a ver com esses
assuntos. O BES, por exemplo.
A entrevista da SIC começa muito
bem com Clara de Sousa a citar o ex-presidente em janeiro de 2015: "Todas
as audiências são reservadas, quem fala com o presidente da República tem de
ter a absoluta certeza de que aquilo que lhe conta ele não vai dizer a mais
ninguém". Cavaco disse o que disse para nada ter de dizer sobre as
reuniões que teve com Ricardo Salgado. E no livro nada escreve sobre o BES e as
declarações abonatórias que fez sobre o banco, embora refugiando-se na
informação prestada pelo Banco de Portugal. Justifica este apagão na
"prestação de contas", alegando que não exercia funções financeiras.
Como se o facto de não exercer funções executivas o tivesse impedido de
criticar decisões do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, ou do
ex-primeiro-ministro Passos Coelho. E como os portugueses gostariam que Cavaco
Silva tivesse prestado contas sobre o BES e os milhares de milhões de euros que
já custou aos contribuintes. E sobre o BPN. E sobre o quase colapso do sistema
financeiro que ainda hoje estamos a pagar.
Na TSF reconheceu o erro
(pasme-se!) de não ter previsto que o BE e o PCP se curvariam tanto perante o
pragmatismo contra a ideologia. O erro que ele não reconheceu foi o de que
perdeu muito tempo com uma questão ideológica, que era dele, e não dos partidos
que fizeram o acordo das esquerdas e que desde o primeiro minuto tinham
abdicado dessa luta pelo pragmatismo de não dar novamente o palco à Direita. O
que Cavaco quis foi espetar a faca no Bloco e no PCP, acusando-os de se
venderem por um prato de lentilhas, apenas porque este Governo demorou mais
tempo que todo o tempo que ocupou os pesadelos do então inquilino do Palácio de
Belém.
2. Da Esquerda e da Direita mais
moderada surgiram imensos democratas a rasgar as vestes pelo que o povo
brasileiro se preparava para fazer e acabou mesmo por fazer. Bolsonaro será
presidente do Brasil a partir do dia 1 de janeiro de 2019. Eu nunca conseguiria
votar Bolsonaro, mas não é muito difícil entender a razão que levou milhões de
brasileiros no Brasil a votar neste populista de Direita com tiques
ditatoriais. Uma economia que não ata nem desata, uma corrupção que se tornou
capaz de ser cada vez maior, a ponto de já não sobrar quase nenhum político que
não estivesse sob suspeita, e a insegurança, que faz do Brasil um dos países
onde é mais fácil morrer assassinado, são razões muito fortes para não querer
nada que cheire a continuidade. Diz-se que por lá o debate esteve muito
contaminado pelas "fake news", mas como se explica que o futuro
presidente do Brasil tenha tido taxas de aprovação muito superiores a dois
terços dos brasileiros que votaram em países como Portugal, Estados Unidos,
Japão, Suíça e Holanda? Nestes países, a campanha que existiu foi toda, ou
quase toda, contra Bolsonaro.
3. O ex-ministro da Defesa,
Azeredo Lopes, jurou a pés juntos que não sabia de encobrimento nenhum quando
lhe perguntaram sobre um memorando que a PJ Militar foi entregar ao seu chefe
de gabinete e que dava conta da encenação para recuperar as armas roubadas em Tancos. O
primeiro-ministro, António Costa, foi na peugada e assinou por baixo. Azeredo
Lopes podia ter respondido de imediato da mesma forma que o seu ex-chefe de
gabinete: "recebi o memorando, mas no memorando nada indiciava um
encobrimento". Tentou tapar o sol com uma peneira e agora todos queremos
saber se também foi esse o caso do primeiro-ministro. Ok, Costa não sabia do
encobrimento ou encenação, mas desde quando é que sabe que o ministro recebeu o
memorando? Em alguma das vezes que nos disse que sabia o mesmo que nós, já sabia
que Azeredo tinha recebido o famoso documento?
Díli, 29 out (Lusa) - Uma revista
online australiana divulgou hoje uma lista de altos responsáveis do país que
terão beneficiado com o encobrimento do caso de espionagem a Timor-Leste quando
os dois países estavam a negociar sobre o Mar de Timor.
A lista, divulgada pela revista
Crikey, inclui o ex-primeiro-ministro australiano John Howard, o ex-ministro
dos Negócios Estrangeiros Alexander Downer, diplomatas e responsáveis dos
setores judiciais e da secreta.
A revista inclui na lista 11
indivíduos e a petrolífera Woodside, "o maior beneficiário de todo o
escândalo", tendo empregue "funcionários do Departamento de Negócios
Estrangeiros e Comércio" e o próprio Alexander Downer.
"Quanto mais informações
surgem não apenas sobre o escândalo, mas sobre a conduta da política externa
regional da Austrália, mais claro se torna que os interesses comerciais da
Woodside e de outras empresas de recursos têm sido um fator determinante nas
políticas externas e de segurança da Austrália", refere a revista.
O artigo foi publicado para
coincidir com o regresso ao tribunal, esta semana, de um ex-agente dos serviços
secretos australianos, a 'Testemunha K' e ao seu advogado, Bernard Collaery,
que foram acusados de conspiração pelo Ministério Público daquele país e que
estão a ser julgados em Camberra.
Os acusados, que regressam na
quinta-feira ao tribunal, enfrentam uma pena máxima de dois anos de prisão, se
forem considerados culpados. O Governo tem defendido que dada a natureza do
conteúdo do caso o que ocorre no tribunal deve ser 'fechado', algo contestado
pela defesa e por críticos da decisão de acusar os dois homens.
Em causa está uma denúncia por
parte da 'Testemunha K', que divulgou um esquema de escutas montado em 2004
pelos serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em
Díli.
De acordo com os relatos, através
das escutas, o Governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer
as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima
e pelo controlo da zona Greater Sunrise, uma rica reserva de petróleo e gás.
"Sob o pretexto da segurança
nacional, os procuradores querem conduzir o julgamento fora da vista do público
para evitar o constrangimento - e talvez pior - de várias pessoas, enquanto os
advogados de K e Collaery argumentam que a acusação deve ser conduzida em
audiência pública", refere o artigo, notando que a decisão do tribunal
sobre esta questão deve ser conhecida na quinta-feira.
Entre os 12 que
"beneficiariam por manter o segredo" do processo estão Alexander
Downer, que "ordenou a operação da ASIS contra o Governo timorense,
retirando recursos da luta contra o terrorismo na Indonésia para o fazer"
e que, posteriormente, "conseguiu um emprego com o principal beneficiário
das reservas submarinas de petróleo e gás de Timor-Leste, a petrolífera
Woodside".
Abrir o processo ao público,
explica a revista, ajudaria a "esclarecer a decisão da Downer usar a ASIS,
[a secreta australiana] para o benefício comercial de uma empresa".
Howard (Liberais) é outro dos
beneficiários, tendo autorizado a decisão de Downer de "redirecionar
recursos da luta contra o terrorismo para cuidar do interesse comercial da
Woodside" e que, como o seu ministro "nunca foi responsabilizado pelas
suas ações, ou pela sua política mais ampla de intimidar Timor-Leste
relativamente aos seus recursos energéticos".
Outra das beneficiárias é a
também ex-chefe do Governo (Trabalhista) que "respondeu de forma agressiva
à tentativa do então primeiro-ministro Xanana Gusmão de resolver a questão de
forma confidencial em 2012" tendo depois iniciado as investigações a K e a
Collaery.
O ministro dos Negócios
Estrangeiros, Bob Carr, na altura da denúncia timorense, o procurador-geral
Mark Dreifys, que aprovou escutas à Testemunha K e a Bernard Collaery e David
Irvine, responsável da ASIS na altura, estão igualmente na lista da Crikey.
Na lista estão ainda Nick Warner,
atual diretor-geral dos serviços secretos e chefe da ASIS que bloqueou a
devolução do passaporte à Testemunha K, Sarah McNaughton, diretora da
procuradoria Pública, o atual procurador-geral Christian Porter, que ordenou a
acusação aos dois homens.
George Brandis,
ex-procurador-geral que ordenou rusgas a K e ao escritório e casa de Collaery,
tendo "ameaçado Collaery no parlamento", e Margaret Twomey,
embaixadora da Austrália em 2004 no período das escutas a Timor-Leste, fazem
também parte da lista.
O ser humano não morre quando o
seu coração deixa de bater
O ser humano morre quando, de alguma forma, deixa de se sentir importante
- in O vendedor de sonhos,
Jayme Monjardim
Há 31 anos, Ungulani Ba Ka Khosa
estreou-se em livro, num período em que a literatura moçambicana passava,
eventualmente, por um dos melhores momentos até aqui. Na década de 80, foi
lançado o primeiro concurso literário do país, foi criada a Associação dos
Escritores Moçambicanos (AEMO), e, enfim, foi lançada a primeira revista
literária moçambicana pós-independência, a Charrua, de que o nosso
escritor é co-fundador. Este foi um momento de ouro, que, inclusive, contribuiu
para a afirmação de uma escrita comprometida com a estética, por nela existir,
quiçá, os (des)equilíbrios cruciais à literatura. É neste contexto de
reinvenção de uma arte, num país recém-nascido, que Ba Ka Khosa ousa
apresentar-se em obra, depois de muito publicar na imprensa. Nessa altura,
tinha 30 anos de idade e havia vivido em todas as regiões de Moçambique.
E então, o livro escolhido para a
primeira aparição foi Ualalapi, colectânea de contos, para uns, romance,
para muitos, e novela, para os mais centristas. Neste livro, um dos dois que
constitui Gungunhana,
obra ora lançada pela editora Kapulana, Ungulani percorre os labirintos da
história, e, fugaz, aldraba a morte, retirando nela um personagem controverso
(ora herói, por ter travado toda uma luta contra o regime colonial português,
ora vilão, por tanto ter liderado ofensivas contra os chopes, uma etnia do
Sul de Moçambique): Gungunhana/ Ngungunhane. Ao ficcionar a vida do imperador
de Gaza, homem extremamente violento, Khosa constrói um cenário maquiavélico,
que ao tirano permite atingir o poder sem ameaças de o perder, delegando, por
isso, a morte do seu irmão, Mafemane, a Ualalapi.
A partir dos conflitos, da
ganância e dos jogos de interesse instituídos na narrativa, Ungulani
introduz-nos no raciocínio de um ditador que, à imagem de tantos outros de terno e
gravata, não medem consequências no longo percurso ao trono. Por isso, esta é
uma história actual e com muitos anos de vida.
O segundo livro que compõe a obra Gungunhana é
intitulado As mulheres do imperador, na qual temos um narrador didático
como cicerone no prosseguimento dos caminhos trilhados pelas rainhas de Gaza,
na desnecessária viagem que termina com um exílio delas na sua terra, mas longe
da sua gente. Se Ualalapi, essencialmente, ergue e derroca um império
nguni, essa etnia de Ngungunhane, As mulheres do imperador é mais uma
história além das peripécias que ditaram o fim de um reinado. Esta história
produz-se na viagem pelo Sul de Moçambique, por Portugal, São Tomé e, mais
profundo, pelas crenças, dores, desassossegos e sentimentos dessas rainhas
pretas, desabitadas de si mesmas por terem conquistado a preferência de
Ngungunhane. Também por isso, dá-se nesta ficção a grave degradação da
personagem. Mas comecemos pelo primeiro livro.
Em Ualalapi, temos pelo
menos dois momentos em que a degradação da personagem acontece. No primeiro, é
Damboia, tia do imperador, quem está no centro das atenções, quando morre ainda
viva, vítima de uma menstruação de três meses. Devido ao cheiro nauseabundo aí
causado, Damboia perde poder e influência, quando os seus movimentos ficam condicionados
ao átrio domiciliar. A linguaruda, que chama cães aos súbditos, enferma, perde
a capacidade de falar e é invadida por loucura: “Começou a andar de gatas e a
trepar as paredes da casa como um réptil em desespero. Durante
a noite uivava como os cães” (p. 48).
Num segundo momento, a degradação
da personagem, em Ualalapi, acontece quando o imperador, já nas mãos dos
portugueses, profere o seu último discurso ao seu povo. Sem poder nenhum,
Ngungunhane transforma-se numa entidade banal, ridícula, deprimida e cheia de
fel. Destarte, o outrora poderoso imperador vira um objecto falante, prémio de
guerra, conduzido, na verdade, não para um exílio, mas para um museu em que ele
é a síntese do passado.
Em As mulheres do
imperador essa degradação continua, quer em Ngungunhane quer nas suas
esposas. No caso do “leão de Gaza”, a situação é agravada porque, arrancado da
sua terra com as sete das tantas mulheres que possui, em Portugal, não fica nem
com uma sequer, um verdadeiro ultraje e castigo para quem tanto preza o calor
feminino. Além disso, mesmo tendo-se recusado a converter-se à religião dos
brancos, já dominado, o imperador é baptizado, passando a ter um nome
português. Morre triste e humilhado.
Não obstante, separadas do homem,
as rainhas de Gaza, igualmente, experimentam a derradeira condição do marido.
Logo, com a excepção de Namatuco, tornam-se vulneráveis, passando a comer peixe
e a desejarem ser amarfanhadas pelos braços dos homens. E o facto de Namatuco
ser a mais sisuda, não a impede de se tornar uma personagem amarga, pois,
desterrada de Moçambique, perde o contacto com os seus espíritos, daí a
incapacidade de enxergar o futuro.
Portanto, este Gungunhana encerra
nas suas linhas uma preocupação estética alicerçada a uma história que se vai
diluindo. Esta é uma porta de entrada para quem se preocupa com o passado e com
o presente de Moçambique. E faz sentido o livro ser publicado no Brasil, afinal
em causa está o conhecimento sobre a humanidade, que não se esgota na fronteira
dos nossos pés, que nos faz proprietários da nossa própria voz. A degradação da
personagem manifesta em Gungunhana também é nossa, por aceitarmos ser
parte de uma história cujos protagonistas são os narradores do esquecimento,
esses que nos afastam da nossa terra e das nossas particularidades.
Maputo, 20 de outubro de 2018
*Texto inicialmente publicado
pela editora Kapulana do Brasil
Os cidadãos privados de liberdade
pelas autoridades nos distritos de Macanga, Chifunde e Tsangano, em Tete;
Milange e Mulumbo, na Zambézia; e Nipepe, no Niassa, vivem em situação
deplorável e que até mete dó. Nos estabelecimentos penitenciários provinciais
há reclusos tuberculosos, outros com problemas de pele, por exemplo, que
dividem o mesmo espaço com os demais. O sistema olha de frente para tudo isto
com aparente total indiferença, supostamente porque não existem recursos. É sofrimento
alheio, mas de que o próprio Provedor de Justiça, Isaque Chande, tem
conhecimento desde quando era ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e
Religiosos.
Alguns problemas, já com barbas,
detectados nas instalações em alusão, dizem respeito à sobrelotação das celas,
à falta de alimentação, à precariedade de higiene e saúde e prazos de prisão
preventiva largamente expirados.
Nesta quarta-feira (31), Isaque
Chande foi à Assembleia da República (AR) prestar a sua informação anual na
qualidade de Provedor de Justiça. O documento, produzido e depositado no
Parlamento pelo Provedor cessante, corresponde ao período de Abril de 2017 a Março de 2018.
Os dados por ele tornados público
não deixam dúvidas de que os direitos fundamentais dos cidadãos nas “masmorras”
dos comandos distritais da Polícia da República de Moçambique (PRM) de
Chifunde, Tsangano Chifunde, Milange, Mulumbo e Nipepe estão em constante
perigo. Naquelas instalações foram improvisados compartimentos para manter os
detidos por conta da ausência de cadeias. Os compatriotas sujeitos a esta
realidade vêm-se e desejam-se para sair do calvário ou no mínimo serem
submetidos ao julgamento, mas sem sucesso, porque os magistrados que deviam
proceder à triagem de detidos não o fazem tempestivamente.
Em Chifunde, por exemplo, o
procurador vive na capital provincial e não dispõe de instalações no distrito,
por isso, tem feito triagens de detidos e outros trabalhos no gabinete do chefe
de operações da PRM.
O @Verdade recorda que no
distrito de Mulumbo os reclusos percorrem pelo menos 300 quilómetros até
Milange, onde são submetidos a interrogatório pelo procurador, pois não tem
casa em Mulumbo.
Aliás, em Agosto de 2017, o
ex-governador do Niassa, Arlindo Chilundo, recebeu da população queixas segundo
as quais alguns funcionários da Procuradoria Distrital da República em Nipepe
recebiam quantias elevadas em dinheiro para soltarem criminosos.
Ainda nos distritos de Chifunde,
Tsangano, Macanga, Chifunde, Milange, Mulumbo e Nipepe a corporação deu a
conhecer, ao Provedor de Justiça, que não dispõem de dinheiro para custear as
despesas de alimentação dos detidos, nem de transporte quando eles devem ser
levados aos estabelecimentos penitenciários provinciais.
A alimentação dos presos é
fornecida pelos respectivos familiares mas de forma irregular porque vivem
longe das sedes distritais, por isso, não conseguem efectuar visitas diariamente.
Por conseguinte, os seus parentes em conflito com a lei chegam a permanecer um
ou dois dias sem refeição.
“É o que se passa” também “na 1a.
esquadra da PRM da cidade de Tete”, disse Isaque Chande, aos parlamentares. Ele
esclareceu ainda que há momentos em que a alimentação dos detidos depende da
boa vontade dos agentes da PRM e do juiz.
Nos estabelecimentos
penitenciários de Tete e Macanga, os reclusos passam noites em claro ou “dormem
no chão e em contacto com betão armado” porque as esteiras não chegam para
todos, segundo Chande.