segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A perda da supremacia militar e a miopia do planeamento estratégico dos EUA (I)


– Um livro de Andrei Martyanov

Daniel Vaz de Carvalho

O mundo vive atualmente uma convulsiva e violenta desintegração da Pax Americana.   As suas ferramentas não funcionam contra aqueles alvos que têm capacidade para resistir a reais ameaças do expansionismo dos EUA.  - Andrei Martyanov [1]

Andrei Martyanov é um reputado analista militar. Nascido em Baku, URSS, em 1963, graduou-se oficial da marinha soviética na Academia Naval Bandeira Vermelha de Kirov e prestou serviço na Guarda Costeira até 1990. Em meados dos anos 90 emigrou para os EUA sendo atualmente Diretor numa empresa do sector aeroespacial. Em 2018 publicou Losing American Supremacy. The Myopia os American Strategic Planning , um livro de flagrante oportunidade e fundamental para a compreensão das questões militares e geoestratégicas do mundo de hoje.

Os perigos para a paz mundial continuam a acumular-se. Tragédias humanitárias abatem-se sobre povos que se limitam a seguir orientações diferentes das que os EUA – e a UE – admitem. Neste contexto, o livro de Andrei Martyanov (AM) constitui um importante contributo para a defesa da paz e de um são relacionamento entre os povos.

O declínio cognitivo dos EUA 

Nos EUA assiste-se a uma completa falta de raciocínio consistente da política externa à economia, às questões militares, à cultura (8) AM coloca desde logo o problema que atinge os que manipulam a informação: é que começam a acreditar em absoluto nas suas falsificações, tornam-se crentes dogmáticos, da própria narrativa. (11)

Ditos especialistas militares que nunca envergaram um uniforme, formulam estratégias políticas e militares e influenciam decisões básicas, como o ataque ao Iraque e enviar mais 30 mil soldados para o Afeganistão. (128, 129)

Um dos mais conceituados analistas militares dos EUA, o Dr. Stephan Black, escrevia em 2017: "Como chamar Putin à atenção". Propunha que se enviassem forças navais para o mar de Azov (para lidar com a Rússia e apoiar o governo ucraniano). Demonstrava uma atroz ignorância: a profundidade média do mar da Azov é de 7 metros, menos 2,3 metros que o calado de um destroyer. Estas fantasias mostram a irresponsabilidade e as ilusões de grandeza dos EUA, além de uma irrestrita russofobia. (194)

Como AM salienta, estes "especialistas" estão totalmente desligados da racionalidade, não tendo a mínima compreensão ou sensibilidade pelo mundo exterior. (171) Na realidade, falham porque não são especialistas de coisa alguma, são muitas vezes substituídos por atores, desportistas, teóricos da conspiração e demagogos que contribuem para a completa falta de entendimento da natureza do poder militar e das consequências da guerra. Não poderia ser de outra forma num país cuja história militar é em grande medida um mito triunfalista. (200)

A distorção da realidade é também evidenciada pela forma como a Rússia, o único país que pode derrotar militarmente os EUA, foi reduzida a uma caricatura. A esquizofrenia cognitiva leva a que simultaneamente se propague a ideia da Rússia estar tanto à beira do colapso como prestes a dominar os EUA e todo o Ocidente. (140)

Bases da política externa dos EUA 

A essência da política externa dos EUA foi formulada por Karl Rove em 2004: "Nós somos um Império, agimos, criamos a nossa própria realidade. Enquanto vocês a estudam essa realidade, nós agimos e criamos outras realidades que vocês também estudam. (150)

A diplomacia dos EUA existe para proporcionar mudanças de regime – um eufemismo para ilegais e violentos derrubes de governos de que os EUA não gostam – e ditar ordens aos que não podem recusar os seus ditames. Este tipo de "diplomacia" é por definição profundamente incompetente. (200)

É desta forma que os direitos humanos são usados para remover qualquer governo que não alinhe com os EUA. (140) Esta visão, mostra uma crescente falta de senso prático e uma série crise mental das elites dirigentes. (141)

A ideia básica de que outras nações podem ter visões delas próprias e dos seus interesses que não envolvam a "liderança global" e a "democracia" tal como os EUA entendem, é algo que lhes escapa. (166)

O cinismo de certos políticos americanos está patente desde Truman: deitando fora as mais importantes decisões de Roosevelt declarou que "a força é a única coisa que os russos entendem". (93)

Os acontecimentos destes últimos 19 anos mostram que não é possível ter ilusões acerca da possibilidade de haver um diálogo medianamente racional com o Ocidente e em, primeiro lugar com os EUA. Não admira que a política dos EUA tenha um sombrio registo de desastres militares e humanitários. (218)

Preconceitos ideológicos e moralistas não são novos. Resultam agora de uma combinação de ignorância e russofobia, revestida de pretensiosas doutrinas ideológicas e geopolíticas. Um autor (Paul Fussel) expressava que "a causa aliada (na 2ª Guerra Mundial) ficou manchada de impureza moral quando Estaline foi incluído", desprezava assim os esforços da URSS para ser elaborado um sistema se Segurança Coletiva Europeu antes da 2ª guerra Mundial. A sabotagem deste esforço deve ser o que Fussel classifica de "causa moral". (94)

Os EUA falharam a oportunidade histórica de terem relações baseadas na igualdade e mutuas vantagens com a Rússia. Trataram-na com desprezo, chantagem, humilhação e ignorância nos anos 90. (215). Não admira que numa sondagem em 2017, 80% dos russos desejasse relações neutras ou mesmo hostis com os EUA. Apenas 14,7% se pronunciavam por relações de aliados. (196)

Atualmente, exceto para uma fina camada de fanáticos "liberais", muitos dos quais nas folhas de pagamento de ONG norte-americanas, qualquer menção à "objetividade" dos media dos EUA e à sua liberdade de expressão, é acolhida pelos russos com sorrisos ou mesmo gargalhadas. (123)

A Rússia como herdeira das realizações soviéticas [2]

Quando Putin declarou em 2005 que o fim da URSS tinha sido a maior catástrofe geopolítica do século XX, os fazedores de opinião ficaram apopléticos. Nas suas cabeças a União Soviética tinha sido o Império do Mal derrotado para sempre. Porém, não é possível compreender a Rússia moderna sem conhecimento do enorme e complexo impacto do período soviético e esta noção requer uma avaliação não distorcida dos êxitos e das falhas da URSS. (100,101)

Para AM foram as realizações soviéticas que permitiram a recuperação económica, social e militar da Rússia após os anos 90. Foram aquelas realizações, que permitiram, por exemplo, os russos das cidades sobreviver às inumanas "reformas" dos anos 90, deslocando-se para as suas casas de campo onde faziam pequena agricultura. (125)

AM refere que a vida dos soviéticos nos anos 70 era na verdade boa, nunca tendo vivido tão bem na sua Historia. (121) Salienta o elevado nível do sistema educacional soviético – e a recusa do sistema norte-americano – base da recuperação da Rússia. A URSS não apenas produziu cientistas de alto nível mundial mas também uma elite tecnológica que seriamente desafiava os EUA, alcançando-os apesar das devastações da 2ª Guerra Mundial. (117)

Hoje os dissidentes soviéticos estão totalmente desacreditados. A terapia de choque aplicada à Rússia sob a supervisão de Jeffrey Sachs resultou num falhanço espetacular, não apenas originou imenso sofrimento ao povo mas também um drástico enfraquecimento do Estado Russo. Os dissidentes soviéticos limitavam-se a dizer o que era esperado deles: o excecionalismo norte-americano. A Rússia tornou-se um exemplo de como as coisas correm mal seguindo as prescrições norte-americanas. ( 26)

As reformas liberais foram quase um suicídio coletivo. (39) Contudo, apesar dos "reformistas" pró ocidentais, a herança soviética industrial e militar, a consciência nacional e o desenvolvimento futuro foi preservado. Esta preservação reflete a quase genética cultura de um povo que lutou sem cessar contra invasões desde os Cavaleiros Teutónicos a Napoleão e Hitler. (34)

Em 1913, 70% da população era analfabeta; em 1940 não era apenas alfabetizada, era uma das mais educadas do mundo. Em 1958 a quantidade de conhecimentos em matemática, física e biologia que os estudantes soviéticos recebiam antes da graduação numa escola pública, era três vezes superior ao estipulado para a entrada no MIT (Massachusetts Institute of Technology.) (112, 115)

Em 1935, Estaline expressou os factos que obrigavam a tomar medidas drásticas para a industrialização soviética: "recebemos como herança um país tecnologicamente atrasado, empobrecido e arruinado por três anos de guerra imperialista e quatro anos de guerra civil, com população sem literacia (...) A tarefa é transformar este pais com uma indústria moderna e agricultura mecanizada. Ou resolvemos esta tarefa rapidamente e fortalecemos o socialismo ou não resolvemos e perderemos a independência e tornar-nos-emos objeto dos jogos dos poderes imperialistas". Em 1931 (como que premonitoriamente) tinha apontado um prazo de 10 anos para estes objetivos serem alcançados. (23)

E isto de facto foi feito com sacrifícios, mas também com grandes conquistas sociais e das condições de vida. Foi uma imensa tarefa cultural e tecnológica. Por detrás dos sucessos militares soviéticos estava um sistema económico que tinha providenciado o que era necessário para derrotar a mais poderosa máquina militar do seu tempo. (26) A enorme capacidade militar soviética fica a crédito de Estaline, do seu governo e partido, grandes organizadores da vitória sobre o nazismo. (94)

A elite soviética lutou na guerra, Estaline, como outros líderes, perdeu um filho. Brezhnev, reduzido a uma caricatura no final nos seus últimos tempos, foi um herói militar. A classe política soviética estava ciente dos sacrifícios suportados pelo povo e pelos soldados e expressaram-no durante e depois da guerra. (91)

AM afirma-se não estalinista (o que quer que isto queira dizer atualmente) porém diz compreender perfeitamente a nostalgia do povo russo por Estaline, com raízes na deturpação da História russa. (106)

A URSS é descrita numa caricatura tenebrosa completamente fora da realidade. A abertura dos arquivos soviéticos deitou por terra as mentiras de dissidentes baseadas da tese de um poder diabólico com fantasiosos números historicamente impossíveis, de pessoas perseguidas e mortas durante as repressões. (105)

A média de presos no sistema penal soviético foi de 1,7 milhões; o total de pessoas presas por razões políticas durante a liderança de Estaline em 32 anos, foi de 4 milhões. Nos EUA o número de presos em 2010 era de 2,27 milhões e em 2016 2, 217 milhões. O número de presos no EUA é o mais elevado no mundo, incluindo per capita desde há décadas. (108)

Segundo AM, é praticamente impossível convencer alguns que o povo soviético viajava aos milhões durante o seu período de férias – bastante longas e pagas – sem necessidade de qualquer "permissão". Apesar das horríveis perdas da Grande Guerra Pátria a população soviética teve um constante crescimento. As pacíficas realizações (como as da habitação depois das terríveis destruições da 2ª Guerra Mundial) são completamente ignoradas no Ocidente. (109)

Mas não na Rússia: sucessivas sondagens desde 2012, têm mostrado uma permanente veneração por Estaline como a figura mais importante da História Russa, juntamente com Pushkin, Youri Gagarine, Pedro o Grande e, como esperado, Vladimir Putin. (103)

Sinais de decadência dos EUA 

As consequências do declínio cognitivo dos EUA, são evidentes no desastre no Iraque, na guerra perdida no Afeganistão, no pesadelo da Síria, na Líbia incontrolável, no golpe e guerra na Ucrânia. Tudo isto é um registo de incompetência geopolítica diplomática e militar que evidencia as falhas das instituições políticas, militares e académicas dos EUA. (13)

Os eufemismos da terminologia económica migraram para a esfera militar e serviços de informações. A financeirização e o fundamentalismo do mercado livre destruíram o planeamento industrial e impediram o desenvolvimento das capacidades requeridas para uma verdadeira grandeza. (31) A repetição exaustiva dos dogmas económicos e sociais do liberalismo substituíram o conhecimento do mundo.

A utopia da ortodoxia liberal de que o dinheiro e o lucro são a medida de todas as coisas, não funciona. Não importa qual seja a capitalização do Facebook, não pode proporcionar produtos e serviços que beneficiem todos os sectores da atividade humana. (213)

O nível catastrófico de desindustrialização, a frágil recuperação da crise financeira, a crise das drogas ilegais nas cidades, a ascendência e influencia dos neoconservadores que quase levaram a um confronto direto com a Rússia, conduziram os EUA a um país crescentemente menos confiante, dividido e economicamente estagnado. (10,12)

Como salientou o prof. James Petras: "a média das fábricas dos EUA é duas vezes mais antiga que as da China. Apenas para alcançar a produção da China os EUA teriam de investir mais de 115 mil milhões de dólares por ano na indústria nas próximas três décadas. (214)

É irónico aliás que os EUA tenham de adquirir à Rússia foguetões RD-180 para o seu programa Atlas e ir de boleia para a atualizada estação espacial russa Soyouz. (114)

Para além das centenas de milhões de dólares gastos inutilmente, na Síria assistiu-se a milícias apoiadas pelo Pentágono atacarem milícias apoiadas pela CIA. (128)

O custo total das guerras dos EUA desde 2001, ascende a 4,6 milhões de milhões de dólares (http://www.informationclearinghouse.info/ )

Os políticos e a liderança militar simplesmente falham em medir as consequências das suas decisões sobre o uso da força, baseadas em inflacionadas ameaças enquanto apostam em capacidades próprias grandemente exageradas. A realidade é que ninguém ameaça a existência dos EUA e ninguém planeia atacá-los a menos que seja primeiro atacado. (149)

(continua) 

Ver também: 
  O gato e o cozinheiro 

[1] Losing American Supremacy. The Myopia of American Strategic Planning , Ed. Clarity Press, 2018, 308 p., ISBN 0998694754.   Entre parêntesis os números das páginas a que se referem transcrições e comentários ao texto de AM.
[2] Sobre este tema ver "Do fim da URSS à atual russofobia – Notas de Dimitri Rogozin, um embaixador russo junto da NATO",resistir.info/v_carvalho/rogozin_resenha_1.html   e   resistir.info/v_carvalho/rogozin_resenha_2.html

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/

Portugal | A irresponsabilidade das “dores” dos tremores… sísmicos


Andam a brincar aos tremores de terra? Parece que sim. A Proteção Civil acha bem convidar-nos a abrigarmo-nos por um minuto e baixarmo-nos? Quer dizer: os senhores pretendem ver-nos de gatas debaixo de mesas, camas e afins, para nos protegermos. É o recomendável. E o resto? 

A Proteção Civil não procura a divulgação de como devemos em Portugal estar o melhor possível protegidos de abalos sísmicos, mas devia. Dizer-nos que Portugal é quase  ausente de leis e fiscalizações rigorosas para o efeito. 

É que a melhor proteção que podemos ter, que devíamos ter, depende de construções anti sísmicas a sério e isso aí é quase letra morta na legislação que regula a construção de edifícios e afins. Portanto ficamos com a ideia que os “protetores” estão a leste de que redundarão em inoperacionalidade se acaso ocorrer um forte sismo em Portugal. E até temos a garantia da natureza de que isso vai acontecer. Só não sabemos quando.

Atente-se no artigo integral e aqui transportado via TSF: 

"Ficarão debaixo dos escombros." Engenheiros alertam para falta de resistência sísmica

O alerta visa casas, escolas e hospitais. Em caso de sismo, muitas das estruturas não resistirão.

A Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica está muito preocupada com a pouca resistência de grande parte dos hospitais, escolas e edifícios de habitação, incluindo grande partes das casas alvo de reabilitação na última vaga de recuperação de edifícios no centro das principais cidades.

O presidente, João Azevedo, explica à TSF as duas principais preocupações que se arrastam há anos: "Nas construções novas basta que um técnico diga que cumpriu a legislação e ninguém vai verificar. Depois, nas reabilitações, também não há fiscalização e existe um decreto-lei que diz que é suficiente que não se piore a segurança que já existe, mesmo que essa segurança sísmica seja muito má..."

"Crime" e "oportunidade perdida"

João Azevedo acrescenta que a lei portuguesa até não é má, o problema é garantir que é cumprida. Além disso, há normas europeias que se ensinam na universidade há cerca de duas décadas, mas que o Estado nunca passou para a legislação em Portugal.

"Tirando as grandes obras públicas como a Ponte Vasco da Gama (que deve ser um dos sítios mais seguros do país), em tudo o resto nós não sabemos como é que o projeto foi executado", detalha o representante da sociedade que reúne os engenheiros especialistas em sismos.

João Azevedo fala numa "oportunidade perdida" e num verdadeiro "crime". "Temos quase a certeza que muitas obras de reabilitação estão a ser mal feitas pois vemos todos os dias aqueles contentores com tijolos e paredes a serem deitadas abaixo e temos a sensação que nem projeto haverá, algo que as pessoas que lá estarão nem vão notar pois a seguir a um sismo ficarão debaixo dos escombros", alerta João Azevedo.

Recorde-se que uma das regras que a Autoridade Nacional de Proteção Civil apresenta para nos protegermos em caso de sismo é conhecer, previamente, a resistência sísmica da casa onde vivemos .

Os riscos extra dos hospitais

Quanto a edifícios públicos como escolas e hospitais o especialista admite que já nota preocupações em aumentar a segurança sísmica quando são feitas obras de fundo, mas o problema é que muitos destes edifícios não têm obras de fundo há décadas: "Tenho muito medo pois não é só garantir que não caem, mas também que estão operacionais quando são necessários".

João Azevedo acrescenta que "não se percebe o risco de ter um hospital como o Santa Maria ou o São José ou como outros que do meu ponto de vista não estão seguros como deveriam estar em caso de sismo".

Nas recuperações e novas obras neste tipo de edifícios públicos a preocupação com os tremores de terra já existe, diz o especialista, mas é pouca, dando o exemplo dos sistemas de engenharia que permitem que os edifícios abanem mas não fiquem com danos graves.

"Como é que se continuam a construir hospitais sem esses sistemas que já são obrigatórios em países como o Perú, a Turquia, sendo o dia-a-dia em países como os EUA, a Itália e a Nova Zelândia", questiona João Azevedo, que diz que em Portugal só conhece um hospital com este tipo de construção antissísmica. - Nuno Guedes | TSF

Assim sendo dá para acreditar que os governos, os partidos políticos, o legislador (deputados), as autarquias, a pseudo proteção civil e outros correlacionados andam a brincar com os portugueses ao faz de conta. O assunto não está a ser tratado a sério. Até dói. 

Pronto. Não está tudo dito mas por aqui ficamos por aqui. Isto é um país de grande reinação. Até um dia, em que a nossa jazida seja debaixo dos escombros. (CT | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Tremem, tremem mas não caem

Pedro Lima | Expresso

Bom dia,

E agora para algo completamente diferente… hoje é dia de uma iniciativa para chamar a atenção para os comportamentos que os cidadãos devem adotar em caso de sismo. Trata-se de um exercício de simulação em que toda a população é convidada a aderir, que decorre às 11h05 e cuja informação está disponível no site “A terra treme”, em www.aterratreme.pt, onde é possível fazer o registo para a participação. Tem a duração de um minuto durante o qual os participantes são convidados a executar os “três gestos que salvam”: baixar, proteger e aguardar. Os sete passos para se precaver e proteger em caso de sismos estão disponíveis aqui, caso não tenha disponibilidade para participar ou já não vá a tempo para se registar.

A ação é organizada pela Autoridade Nacional de Proteção Civil, que, em colaboração com o Ministério da Educação, também realiza um exercício de sensibilização para os riscos sísmicos numa escola do Montijo.

Iniciativas como estas nunca são demais num país em que parte significativa do seu território, incluindo a capital, foi dizimado há pouco mais de 263 anos. Aliás, a 1 de novembro deste ano houve um sismo precisamente onde em 1 de novembro de 1755 a terra tremeu. Desta vez, ao largo de Peniche, a magnitude foi 5,2 na escala de Richter – em 1755 foi à volta de 8,5.

Esta é uma informação útil, que pode ser necessária quando menos se espera. Mas é também o mote para o Expresso Curto de hoje, porque no país há neste momento muita gente que está tremida, ou muita instituição que treme mas não cai.

Tremeu recentemente a “instituição militar”, com o caso do roubo do armamento dos paióis de Tancos e a posterior encenação do reaparecimento a tornar-se alvo de chacota e, acima de tudo, de perplexidade dada a gravidade dos acontecimentos. O assunto continua a ocupar-nos muito tempo – continua a andar por aí, com o “quem sabia o quê” a dar que falar, com o Presidente da República a irritar-se, com o primeiro-ministro a prontificar-se para ir à Comissão Parlamentar de Inquérito de Tancos e com o presidente do PSD a dar tiros nos pés e a ser criticado por isso. Mas já lá vamos.

Este domingo foi dia do maior desfile militar em democracia, com o objetivo de assinalar os 100 anos do Dia do Armistício de 1918, que pôr termo à Primeira Guerra Mundial, e celebrar a paz. A cerimónia, que decorreu em Lisboa, concentrou na avenida da Liberdade um aparato militar como há muito não se via: 3437 militares das Forças Armadas, 390 da GNR, 390 polícias da PSP e 160 antigos combatentes. Houve ainda 111 viaturas das forças de segurança, 86 cavalos, 78 viaturas das Forças Armadas, 11 aeronaves e dois navios no Tejo.

Naturalmente, o desfile contou com a presença do Presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas. Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou para tentar pôr “ordem na barraca”: "Não toleraremos que se repita o uso das Forças Armadas ao serviço de interesses pessoais ou de grupo, de jogos de poder, enquanto soldados se batiam como hoje se batem todos os dias no centro de África, no norte, leste e sul da Europa, no Golfo da Guiné, pela pátria e pela humanidade", disse o Presidente. É uma clara alusão ao caso de Tancos, que fez tremer as instituições militares e perante o qual é importante moralizar as tropas, lembrando os 111 mil militares que combateram na Primeira Guerra Mundial e os mais de oito mil que morreram no conflito.

O que é certo é que o “tema Tancos” está a conseguir irritar o Presidente da República, que não gosta de assistir às “sugestões” de que teve conhecimento da operação de encobrimento do roubo das armas. No sábado, em declarações ao Público, Marcelo disse: “Se pensam que me calam, não me calam”.

É um tema que está a consumir demasiadas energias mas que promete continuar por aí. O próprio primeiro-ministro mostra-se “obviamente, totalmente disponível” para responder à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tancos, como escreveu o Expresso na sua edição semanal.

Ora, perante esta disponibilidade de António Costa, o líder do PSD considerou que o primeiro-ministro não devia ir à comissão de inquérito. E isto não estará a cair bem no PSD. Pelo menos ontem um seu ex-líder, Luís Marques Mendes, desferiu fortes críticas a Rui Rio no seu habitual comentário dos domingos à noite na SIC, dizendo que este está a ser “mais costista que Costa” e insinuando que quer ir para um governo com o PS e assumir o cargo de vice-primeiro ministro. “Problema de competência política” ou “demasiada subserviência ao primeiro-ministro”? Marques Mendes deixou as duas hipóteses em aberto.

Rio deve mesmo preocupar-se com o estado anímico das tropas do PSD. É que o mal-estar parece não diminuir, antes parecem ir engrossando as fileiras do descontentamento. E casos como o do secretário-geral do partido, José Silvano – que assina presenças no Parlamento sem lá estar, conforme revelou o Expresso também no sábado -, não ajudam, pelo contrário. E não é bom para o país ter o maior partido da oposição distraído com stresses internos. Rio tem tremido e pelos vistos vai continuar a tremer, vamos ver se cai ou não cai. Marques Mendes referiu-se ontem também a este caso: considera que “José Silvano perde toda a autoridade com estes maus exemplos”. E defende que ele devia pedir desculpas.

VENHA A NÓS A WEB SUMMIT

Também esteve tremida a manutenção da Web Summit em Portugal após a edição que arranca hoje oficialmente – embora só amanhã tenham verdadeiramente início as hostilidades – mas Lisboa vai continuar com este mega-evento durante mais 10 anos e a ideia é que seja sempre a subir o número de participantes. Este ano são esperadas 70 mil pessoas.

São tantos os programas que é preciso alguém a orientar-nos. O Expresso tem algumas dicas para que não se perca no Parque das Nações. Há uma baixa de peso e não é de peso por ser um qualquer ‘carola’ das tecnologias ou por ser um grande líder de uma das empresas da moda, mas pelo seu peso mediático enquanto futebolista. Ronaldinho não vai estar na Web Summit porque tem o seu passaporte apreendido.

Paddy Cosgrave, o fundador desta conferência de tecnologias e empreendedorismo que conquistou Portugal, declarou entretanto o seu amor a Lisboa. Desdobra-se em entrevistas em que aponta os principais destaques da conferência e até foi andar de tuk-tuk pela cidade.

OUTRAS NOTÍCIAS

No futebol, a liderança da Liga continua ao rubro, com FC Porto e Sporting Clube de Braga à frente, ambos com 21 pontos. O Braga venceu o Vitória de Setúbal por 2-1 mas ainda tremeu no final do jogo com medo do empate, que levou inclusivamente à expulsão do seu treinador Abel Ferreira. Também o Porto tremeu um pouco no sábado, pois só aos 70 minutos conseguiu marcar ao Marítimo, bem organizado defensivamente. Mas depois meteu a engrenagem, para fixar o resultado em 0-2 e o primeiro lugar voltou a estar no papo. Haverá por isso jogo grande no próximo sábado quando Porto e Braga se defrontarem pelas 20h30 no estádio do Dragão.

Depois do desaire do Benfica na sexta-feira, Rui Vitória está ‘tremido’, face à enorme contestação que sofreu ao perder por 1-3 frente ao Moreirense. Os próximos jogos (na quarta contra o Ajax e no domingo contra o Tondela) serão decisivos para confirmar se a rutura dos adeptos com o treinador é reversível ou se, pelo contrário, já não há nada a fazer. Tudo depende, naturalmente, dos resultados, mas também das exibições, certamente.

Nos Açores o Sporting pós-Peseiro também tremeu, mas contou com uma grande penalidade, uma expulsão de um jogador do Santa Clara e algumas boas substituições operadas pelo técnico interino Tiago Fernandes e lá conseguiu a vitória que deu a tranquilidade desejada, por 1-2, após ter estado a perder. Após a derrota frente ao Estoril-Praia para a Taça da Liga e a consequente demissão de José Peseiro, era preciso não dar mais argumentos aos contestatários. E há ‘indicações’ de que será hojeque Frederico Varandas anunciará o holandês Marcel Keizer, que está a treinar o Al Jazira nos Emirados Árabes Unidos, como novo treinador do clube. O presidente do Sporting tem-se fechado em copas, dizendo apenas: “Garanto que nunca me vai faltar coragem para tomar decisões”. Para já o Sporting ultrapassou o Benfica e vai em terceiro, com 19 pontos, mas ainda tem de esperar para ver o que faz hoje o Rio Ave (que tem 17) pois ainda há dois jogos para disputar esta segunda-feira: o Rio Ave joga às 19h com o Nacional e o Chaves joga com o Desportivo das Aves às 21h15.

O projeto de uma nova liga europeia de futebol exclui os clubes portugueses, noticiou o Expresso no sábado. Trata-se de novas informações contidas na investigação no âmbito do Football Leaks.

Ainda no desporto, Miguel Oliveira sagrou-se vice-campeão no Mundial de Moto 2. As expectativas eram elevadas mas ficar em segundo lugar já é muito bom.

Se dúvidas houvesse da “normalização” dos bancos portugueses, depois de anos em que tremeram por todos os lados, poderiam ser desfeitas pelo anúncio esta manhã da compra do Eurobank pelo banco que o BCP tem na Polónia. O BCP não só já admite entregar dividendos como também já faz compras de grande dimensão (428 milhões de euros).

Vem aí mais contestação laboral, desta vez de juízes e enfermeiros. Os juízes decretaram uma greve de 21 dias, com início a 20 de novembro e que se prolongará até outubro do próximo ano. O Governo já apelou ao sentido de responsabilidade dos juízes. E os enfermeiros marcaram uma paralisação em cinco centros hospitalares que deverá durar mais de um mês.

O mau tempo em Itália assumiu proporções assustadoras: ontem à tarde o balanço apontava para 29 mortos, 10 dos quais na Sicília.

Ainda há territórios longínquos que querem continuar a ser governados pelas “potências europeias” quando têm a oportunidade de escolher o contrário. Um arquipélago da Oceânia que fica no meio do Pacífico, a Nova Caledónia, escolheu continuar a ser governada por França. Num referendo em que participou 80% da população, 56,4% disseram “sim”.Uma vitória para a França, que deu “imenso orgulho” ao presidente francês, Emmanuel Macron.

PRIMEIRAS PÁGINAS

SPA condenada a pagar um milhão a ex-diretor despedido – Público

Concursos desertos obrigam câmaras a pagar mais caro – JN

Web Summit: a “melhor e maior” edição de sempre tem direito a segurança reforçada – I

Juíz de Sócrates liberta traficantes de armas – Correio da Manhã

Banca nacional é das mais atrasadas na digitalização – Jornal de Negócios

Ventos de vitória – A Bola

Leão volta a sorrir – Record

Agarrados ao topo – O Jogo

O QUE EU ANDO A LER

“Visionários”, do jornalista João Pedro Pereira, conta a história de cientistas, inventores e empresários que já ficaram ou vão ficar na História. Alguns deles já morreram há muitos anos, outros, os que estão vivos, ainda são muito novos. E ficam na História porque sonharam revolucionar as nossas vidas, porque tiveram ideias “disruptoras” e com isso enriqueceram muito e rapidamente.

A viagem vai desde John Mauchly e J. Presper Eckert, que criaram o UNIVAC, um computador que em 1952 fez história ao surgir na estação televisiva CBS numa noite eleitoral e que seria usado para fazer previsões dos resultados das eleições, passando por outras figuras incontornáveis do mundo tecnológico como Bill Gates ou Steve Jobs até chegar a “novas estrelas” como Jeff Bezos, Larry Page, Mark Zuckerberg e Elon Musk – “alguns destes empresários são mais poderosos do que os governantes e chefes de Estado de muitos países”, refere o autor.

Na introdução João Pedro Pereira explica ao que vem, declarando que espera ter evitado a tendência para endeusar estes “inovadores”, porque “o mundo novo da tecnologia está longe de ser inteiramente maravilhoso”. E dá exemplos: “as hordas de trabalhadores cujos percursos nos enormes armazéns de encomendas da Amazon são controlados ao segundo”; ou a insegurança laboral e desumanização em que assenta a chamada “economia da partilha”. E há também a forma como a tecnologia é utilizada: “algoritmos de empresas como o Facebook, o Twitter e o Google têm poder de influência sobre todo o tipo de comportamentos: desde decisões de compra a decisões de voto. Contrariamente ao que por vezes se faz crer, estes algoritmos não são neutros – são programados por humanos, com todos os inevitáveis enviesamentos que isso acarreta”.

O QUE EU ANDO A OUVIR

Dois discos de produção nacional: o último de Old Jerusalem, banda do músico Francisco Silva, Chapels, mas também o mais recente de Márcia, “Vai e vem”, um disco mais uma vez a concluir em grande estilo com uma daquelas músicas – “Ao chegar” - que apetece que não acabe.

Continue a acompanhar-nos em www.expresso.pt e, às 18h, no Expresso Diário. E tenha um excelente dia.

Portugal | Faces das reformas antecipadas


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Associada ao debate do Orçamento do Estado para 2019, tem estado na ordem do dia a discussão sobre o acesso à reforma para pessoas com longas carreiras contributivas.

Trata-se de uma nova fase da resolução de situações que há muito tempo mereciam tratamento cuidado, pois muitos dos trabalhadores em causa começaram a trabalhar cedo, trabalharam em condições duras e com horários longos. De certa forma está-se a compensá-los pelo muito tempo que já trabalharam e a reduzir-lhes agora, de forma indireta, o tempo de trabalho que teriam até ao final da sua vida. Os encargos decorrentes desta medida ficam suportados pelo sistema da Segurança Social e, em última instância, pelo Estado.

O sistema público, universal e solidário que temos é uma das grandes conquistas da democracia, tem permitido eliminar pobreza absoluta, reduzir pobreza relativa e dar dignidade à vida de milhões de portugueses. Ao contrário do que pregam os seus inimigos, ele pode e deve ter futuro. A sua manutenção e melhoria, objetivo estratégico para o desenvolvimento da sociedade e do país, é um desafio que deve focar-se naquilo que o sistema tem de garantir à geração que hoje usufrui de pensões e no que deve propiciar às gerações futuras.

A Segurança Social necessita de solidez conceptual e estrutural e da adoção regular de medidas que salvaguardem a sua sustentabilidade, o que convoca desde logo uma permanente abordagem das políticas de emprego e salariais, um debate sobre as formas do seu financiamento, um apuramento cíclico dos benefícios que pode prestar, uma discussão séria sobre o tempo que se deve trabalhar nas sociedades de hoje e do futuro, e ainda, sobre o que significará, de vantagens e desafios, podermos usufruir de vidas mais longas com mais saúde e mais atividades.

Será importante não se gerar qualquer dinâmica de senso comum conducente à ideia de que é possível e vantajosa uma antecipação generalizada da idade de acesso à reforma. Não basta mandar as pessoas para a reforma: é preciso garantir-lhes pensões dignas e atualizações regulares dos seus valores, o que não tem acontecido.

Muitas pessoas afirmam, com uma base num raciocínio intuitivo, que quanto mais cedo os mais velhos se reformarem, mais emprego haverá para os mais novos. Só que abundam manipulações que transformam boas ideias em perigosas armadilhas. Quando observamos os milhares e milhares de trabalhadores que foram mandados para a reforma antecipada, por exemplo, na Banca, na PT, nos Correios, na EDP (empresas que em muitos casos aplicaram aos seus utentes taxas para suportar o custo da medida adotada) constatamos que aqueles trabalhadores mais velhos foram substituídos por jovens que hoje, em empresas subcontratadas, em alugadores de mão de obra, nos call centers prestam serviços àquelas grandes empresas, mas são precários, ganham menores salários e trabalham mais horas do que trabalhavam os antigos trabalhadores. Esta operação foi muito lucrativa para as empresas mas não trouxe ganhos para os jovens e piorou as condições de todos os trabalhadores.

A sustentabilidade da Segurança Social depende de múltiplos fatores e tem de ser salvaguardada. Através da criação de mais emprego, do aumento dos salários e dos rendimentos das pessoas, da diversificação de fontes de financiamento, onde devem entrar os impostos, os ganhos de valor acrescentado e outras receitas vindas de parte dos lucros obtidos com as tecnologias. Sem abdicar, de forma alguma, das contribuições dos trabalhadores e das entidades patronais no momento do pagamento do salário.

O debate sobre o acesso à reforma desafia-nos a dar expressão a novas formas do conceito de vida ativa que atendam à evolução da sociedade e das opções que os trabalhadores possam adotar face a condições de trabalho e de vida com que lidam, a (re)construir uma articulação de interesses intergeracional, a discutir o peso que têm hoje na economia muitas atividades do espaço do não trabalho. E a progredir na redução dos horários de trabalho para todos (sem redução de salário).

O acesso à reforma é multifacetado e convoca-nos para combates pela melhoria das condições de trabalho em toda a vida ativa.

* Investigador e professor universitário

Portugal | Estertores tauromáticos


Jorge Rocha* | opinião

Os paladinos das touradas demoram a entender que são quixotes a brandirem armas contra moinhos de vento. A ridícula contestação à ministra demonstra o quanto se dissociaram da realidade cultural da nossa sociedade. É que revela-se notória a ampla maioria de portugueses, que repudiam o quanto se passa nas arenas do país, olhando para as farpas espetadas nos corpos ensanguentados dos touros como uma barbárie a que importa pôr cobro.

É risível a tentativa de reivindicarem a caução intelectual à conta de Hemingway ou Picasso, quando os valores civilizacionais tanto mudaram desde que ambos desaparecem do mundo dos vivos. Felizmente que os programas de David Attenborough ou da National Geographic muito nos esclareceram sobre a inteligência e os sentimentos dos mais dispares animais. Muito embora prossigam os massacres dos rinocerontes, dos elefantes ou dos tigres de bengala, cresce o clamor internacional sobre a importância de preservar a riqueza da vida selvagem e o quanto perderemos se ela paulatinamente se extinguir.

A tauromaquia insere-se numa cultura de bestialidade em que o touro existe para ser sangrado à vista de todos e uns quantos peralvilhos ostentem a sua falsa valentia. Eu que nasci numa família, que frequentava touradas e visitava ganadeiros - conhecendo-lhes, pois, as idiossincrasias - ainda tenho esperança de viver tempo suficiente para que esse degradante espetáculo seja liminarmente proibido.

 jorge rocha  em Ventos Semeados

Portugal | Os juízes e a greve


Inês Cardoso | Jornal de Notícias | opinião

O debate em torno do direito dos juízes à greve já foi feito.

Do lado dos que o consideram legalmente sustentado, defende-se que os magistrados seguem uma carreira permanente. Do lado contrário, recorda-se que a existência de uma carreira não confere, por si só, direito à greve - basta recordar as forças de segurança para o confirmar. E, mais relevante do que isso, que os juízes não são trabalhadores subordinados nem empregados do Estado. São, como o presidente da República ou os ministros, titulares de órgãos de soberania.

Não está em causa o direito da classe a exigir melhores condições salariais. Têm-no todo, como o têm todos os profissionais que recorrem às mais diversas formas de luta. Mas importa refletir se a greve é o mecanismo mais adequado para pressionarem o Governo. Sobretudo porque o seu exercício coloca em causa a missão essencial do Estado de administrar a justiça.

O plenário de juízes decidiu ainda suspender a participação no chamado pacto para a justiça. Uma iniciativa pedida por Marcelo Rebelo de Sousa e que tem tardado a mobilizar os agentes políticos. E essa é, afinal, a questão de fundo. A urgência de um olhar novo para a justiça, com medidas capazes de a tornarem mais célere, mais próxima dos cidadãos, mais eficaz e mais transparente.

Não se trata apenas de um problema quantitativo, de que o número de processos pendentes é a face mais visível. Mas de um distanciamento dos tribunais que, sentados no seu pedestal, continuam a escudar-se na escassa prestação de esclarecimentos públicos, na linguagem hermética, no peso burocrático que limita o acesso de milhares de pessoas que deles precisam.

É extremamente exigente a função do juiz. Quem a exerce em consciência terá sérias dificuldades em despir a toga, mesmo quando fecha a porta do gabinete. É exatamente por isso que é crucial protegê-la e reforçar a sua legitimidade perante a comunidade.

*Diretora-adjunta do JN

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