Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Associada ao debate do Orçamento
do Estado para 2019, tem estado na ordem do dia a discussão sobre o acesso à
reforma para pessoas com longas carreiras contributivas.
Trata-se de uma nova fase da
resolução de situações que há muito tempo mereciam tratamento cuidado, pois
muitos dos trabalhadores em causa começaram a trabalhar cedo, trabalharam em
condições duras e com horários longos. De certa forma está-se a compensá-los
pelo muito tempo que já trabalharam e a reduzir-lhes agora, de forma indireta,
o tempo de trabalho que teriam até ao final da sua vida. Os encargos
decorrentes desta medida ficam suportados pelo sistema da Segurança Social e,
em última instância, pelo Estado.
O sistema público, universal e
solidário que temos é uma das grandes conquistas da democracia, tem permitido
eliminar pobreza absoluta, reduzir pobreza relativa e dar dignidade à vida de
milhões de portugueses. Ao contrário do que pregam os seus inimigos, ele pode e
deve ter futuro. A sua manutenção e melhoria, objetivo estratégico para o
desenvolvimento da sociedade e do país, é um desafio que deve focar-se naquilo
que o sistema tem de garantir à geração que hoje usufrui de pensões e no que
deve propiciar às gerações futuras.
A Segurança Social necessita de
solidez conceptual e estrutural e da adoção regular de medidas que salvaguardem
a sua sustentabilidade, o que convoca desde logo uma permanente abordagem das
políticas de emprego e salariais, um debate sobre as formas do seu
financiamento, um apuramento cíclico dos benefícios que pode prestar, uma
discussão séria sobre o tempo que se deve trabalhar nas sociedades de hoje e do
futuro, e ainda, sobre o que significará, de vantagens e desafios, podermos
usufruir de vidas mais longas com mais saúde e mais atividades.
Será importante não se gerar
qualquer dinâmica de senso comum conducente à ideia de que é possível e
vantajosa uma antecipação generalizada da idade de acesso à reforma. Não basta
mandar as pessoas para a reforma: é preciso garantir-lhes pensões dignas e
atualizações regulares dos seus valores, o que não tem acontecido.
Muitas pessoas afirmam, com uma
base num raciocínio intuitivo, que quanto mais cedo os mais velhos se
reformarem, mais emprego haverá para os mais novos. Só que abundam manipulações
que transformam boas ideias em perigosas armadilhas. Quando observamos os
milhares e milhares de trabalhadores que foram mandados para a reforma
antecipada, por exemplo, na Banca, na PT, nos Correios, na EDP (empresas que em
muitos casos aplicaram aos seus utentes taxas para suportar o custo da medida
adotada) constatamos que aqueles trabalhadores mais velhos foram substituídos
por jovens que hoje, em empresas subcontratadas, em alugadores de mão de obra,
nos call centers prestam serviços àquelas grandes empresas, mas são precários,
ganham menores salários e trabalham mais horas do que trabalhavam os antigos
trabalhadores. Esta operação foi muito lucrativa para as empresas mas não
trouxe ganhos para os jovens e piorou as condições de todos os trabalhadores.
A sustentabilidade da Segurança
Social depende de múltiplos fatores e tem de ser salvaguardada. Através da
criação de mais emprego, do aumento dos salários e dos rendimentos das pessoas,
da diversificação de fontes de financiamento, onde devem entrar os impostos, os
ganhos de valor acrescentado e outras receitas vindas de parte dos lucros
obtidos com as tecnologias. Sem abdicar, de forma alguma, das contribuições dos
trabalhadores e das entidades patronais no momento do pagamento do salário.
O debate sobre o acesso à reforma
desafia-nos a dar expressão a novas formas do conceito de vida ativa que
atendam à evolução da sociedade e das opções que os trabalhadores possam adotar
face a condições de trabalho e de vida com que lidam, a (re)construir uma articulação
de interesses intergeracional, a discutir o peso que têm hoje na economia
muitas atividades do espaço do não trabalho. E a progredir na redução dos
horários de trabalho para todos (sem redução de salário).
O acesso à reforma é
multifacetado e convoca-nos para combates pela melhoria das condições de
trabalho em toda a vida ativa.
* Investigador e professor
universitário
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