quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A estratégia de Trump contra a Rússia e a China

Os Generais James Mattis (Secretário da Defesa) e Joseph Dunford (Chefe do Comissão de Chefes do Estado-maior)

Alfredo Jalife-Rahme*

A guerra na Síria mostrou que as Forças Armadas dos EUA perderam a sua superioridade em matéria convencional em favor da Rússia. O desenvolvimento por Moscovo de uma nova geração de vectores nucleares hipersónicos atestaria igualmente a ultrapassagem aos Estados Unidos em matéria nuclear. Procurando recuperar o seu atraso, o Pentágono pretende aproveitar-se —enquanto ainda é tempo— da sua superioridade quantitativa nuclear para impor as suas escolhas à Rússia e à China.

Si vis pacem, para bellumn [1]

A revista Foreign Affairs, do influente Council on Foreign Relations, acaba de expor cruamente o debate em curso sobre uma guerra nuclear que os EUA poderiam desencadear contra a Rússia e a China [2].

Antes de mais, surge um artigo de Elbridge Colby –um dos principais autores da Estratégia de Defesa Nacional do Pentágono [3], que proclama o fim da guerra efectiva contra o terrorismo e o retorno da concorrência entre as grandes potências– tendo como palavra de ordem estratégica : «se queres a paz, prepara-te para a guerra nuclear» [4].

Colby, o Secretário-adjunto encarregue da estratégia e do desenvolvimento da força, adverte : qualquer confronto com a Rússia e com a China poderia tornar-se nuclear se, no decurso de um combate mais duro, e tornando-se mais incerto, cada um dos combatentes seja tentado a sacar da sua espada nuclear para testar a determinação da parte adversa, para enfrentar o desafio, ou simplesmente para poder continuar o combate.

Segundo Colby, o melhor meio para evitar uma guerra nuclear é estar preparado para travar uma de carácter limitado (sic); e os EUA estão dispostos a realizar operações nucleares eficazes (sic), bem como limitadas.

André Damon, do sítio trotskista WSWS [5] retoma a análise sobre a ameaça de Trump em retirar os EUA do Tratado INF, sobre as Forças Nucleares Intermédias [6], que interdita aos EUA e à Rússia desenvolver misseis com alcance entre os 500 e 5. 500 km.

Damon considera que a ameaça de Trump põe em risco as vidas de milhões de pessoas na Europa e na Ásia Oriental, ao planear (planejar-br) um fogo cruzado contra Pequim e contra Moscovo. E, os EUA já não escondem o desejo de utilizar armas nucleares nos seus combates, onde não mais haveria nenhum limite, com o objectivo de vencer os «adversários».

Damon acrescenta que estes planos se realizam, em segredo, com a cumplicidade do New York Times e do Partido Democrata, o qual permaneceu quase em silêncio quanto às consequências e ao perigo de uma guerra mundial.

George Shultz, o poderoso Secretário de Estado sob a presidência republicana de Ronald Reagan, defende o INF: «nós devemos preservar este tratado nuclear», afirma [7].

Shultz salienta que as armas nucleares são uma ameaça para o mundo, e faz a justificada apologia da assinatura do Tratado, em 1987, por Ronald Reagan, o Presidente republicano de então, e pelo dirigente da ex-URSS Mikhaïl Gorbatchov [8].

Ele critica as ameaças de Trump de sair do INF, sob o pretexto de violações da parte da Rússia, e aproveita a ocasião para convidar outros países a juntarem-se aos signatários do Tratado, e a resistir à tentação dos EUA de desenvolver novos tipos de armas letais; ele propõe para isso, como etapa preliminar, uma reunião de especialistas dos EUA e da Rússia afim de debater eventuais violações.

À época, o Tratado havia suscitado um enorme cepticismo, mas George Schultz argumenta que era possível realizar «inspeções amplas in situ para verificar se todos os mísseis interditos haviam sido realmente eliminados». E já em 1992 cerca de 2. 700 mísseis tinham sido destruídos [9].

Shultz cita, a este propósito, uma frase chave do czar Vlady Putin proferida há um ano: «se me perguntam se o desarmamento nuclear é possível ou não, eu direi que sim, é possível. Deseja ou não a Rússia o desarmamento nuclear universal? A resposta é sim, ainda outra vez, se a Rússia o deseja, ela vai trabalhar para isso».

Shultz lembra que na Revisão da Posição Nuclear dos EUA [10], publicada em fevereiro passado, uma das citações era : «os EUA continuam comprometidos nos seus esforços para apoiar a eliminação global, em última instância, das armas nucleares, biológicas e químicas».

Os EUA reduziram as suas reservas nucleares num nível de 85%, desde o auge da Guerra Fria, e não instalaram novas capacidades nucleares durante mais de duas décadas» [11]. O antigo Secretário de Estado de Ronald Reagan conclui que este não é o momento de construir grandes arsenais de armas nucleares. É tempo de eliminar esta ameaça do mundo inteiro.

O pior seria acreditar que a Rússia e a China ficarão de braços cruzados.

Alfredo Jalife-Rahme* | Voltaire.net.org | Tradução Alva | Fonte La Jornada (México)

* Professor de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). Escreve artigos sobre política internacional no jornal La Jornada. Último livro publicado: China irrumpe en Latinoamérica: ¿dragón o panda? (Orfila, 2012).

Notas:
[1] «Se queres a paz, prepara a guerra»
[4] “If You Want Peace, Prepare for Nuclear War. A Strategy for the New Great-Power Rivalry”, Elbridge Colby, Foreign Affairs, November/December 2018.
[5] “US missile treaty withdrawal: “Prepare for nuclear war””, Andre Damon, WSWS, October 24, 2018.
[7] “We Must Preserve This Nuclear Treaty”, George P. Shultz, The New York Times, October 25, 2018.
[8] “A Casa Branca prepara o regresso dos euro mísseis”, Manlio Dinucci, Tradução Maria Luísa de Vasconcellos, Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire, 28 de Outubro de 2018.
[9] “Factsheet INF Treaty: At a Glance”, Bureau of Arms Control, Verification and Compliance, US Department of State, December 8, 2017.
[10] «"Revisión de la postura nuclear" del Pentágono: EU contra Rusia y China», Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada, 18 de Febrero de 2018.
[11Nuclear Posture Review 2018. US Defense department, January 2018.

O subemprego está em alta na Alemanha


Levantamento revela que um em cada cinco alemães recorre a empregos com salários de até 450 euros, muitas vezes para complementar a renda. Políticos da oposição acusam governo de financiar empresários gananciosos.

Novos dados do governo federal da Alemanha revelam que um em cada cinco cidadãos trabalha nos chamados "miniempregos", nome dado no país a trabalhos informais que pagam salários de até 450 euros por mês.

O levantamento da Agência Federal de Empregos da Alemanha, divulgado neste sábado (03/11) pelo jornal Rheinische Post, demonstra que o número de alemães que recorrem a subempregos aumentou em 50 mil em apenas um ano. O estudo foi realizado a pedido de parlamentares do partido A Esquerda.

Na Alemanha, um país que se orgulha de seu baixo índice de desemprego, a quantidade de pessoas que possuem trabalhos regulares mas recorrem aos "miniempregos" para complementar seus rendimentos aumenta em número significativo.

Na última quarta-feira, um relatório divulgado pelo Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis) afirmava que 20% dos alemães estão ameaçados pela pobreza, enquanto o custo de vida aumenta em ritmo bem mais rápido do que os salários.

A reportagem do Rheinische Post afirma que, apesar da introdução do salário mínimo na Alemanha em 2015, os empresários continuam a obter vantagens com a isenção tributária sobre os trabalhos de remuneração menor do que 450 euros mensais.

Em março deste ano, 7,5 milhões dos 32,7 milhões de empregos que pagam contribuições para o sistema de bem-estar social foram classificados como subempregos. Isso representa um aumento de 35% em comparação com os números registrados há 15 anos. Além disso, cerca de 8,5% (2,8 milhões) das pessoas que possuem emprego em tempo integral também recorrem aos "miniempregos", o que corresponde a um milhão a mais do que há 10 anos. 

Os subempregos prevalecem especialmente entre os aposentados, cujos rendimentos mal cobrem suas despesas. Nos últimos seis anos, o número de pessoas nessas condições aumentou em 27%.

"O número de miniempregos aumenta enquanto os trabalhos regulares estão sendo substituídos", afirmou a parlamentar Susanne Ferschl, do partido A Esquerda, cuja bancada de parlamentares no Bundestag (Parlamento alemão) requisitou a realização da pesquisa.

"As pessoas com nível de educação mais alto e que trabalham em subempregos não conseguem viver de seus rendimentos e dependem da ajuda do governo. O Estado, então, subsidia empresas que economizam em salários através dos miniempregos", afirmou Ferschl.

Atualmente, o salário mínimo na Alemanha é de 8,84 euros por hora trabalhada, devendo ser aumentado para 9,35 euros em 2020. O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, defende que, após o novo valor passar a valer, o mínimo deve ser aumentado para 12 euros por hora num prazo mais curto.

RC/dw/afp | Deutsche Welle

Brasil | Bolsonaro e o controle da verdade


Primeira análise de um discurso. Em curiosa tentativa de desconcertar o jornalismo, ex-capitão diz e desdiz, o tempo todo. Escolha sua própria verdade. Você finalmente será livre — para segui-lo

Ricardo Alexandre | Outras Palavras

“Jair Bolsonaro é evangélico”, afirmava um. “Não, ele é católico romano”, dizia o outro. “Não, eu vi o vídeo dele sendo batizado por um pastor da Assembléia”. “Mas eu vi uma entrevista na qual ele dizia que era católico”. “Mas quem fez o casamento dele foi o Malafaia”. “Mas ele continua sendo católico”.

Não eram minhas tias conversando no almoço de família. Era um comentarista político e um especialista em marketing político discutindo com o microfone ligado, sobre a religião do então candidato a presidente. Em um país em que 60% declara que “jamais” votariam em um ateu, a religião é fator fundamental também na identidade de um personagem público.

Pois até nesse ponto Jair Bolsonaro trabalha em regime de contrainformação. Sua religião é assunto tão envolto em fatos e versões que a Folha produziu um conteúdo para tentar esclarecer seu leitor (link nos comentários).

A tradição religiosa do presidente eleito é apenas um exemplo do que os americanos batizaram de “pós-verdade”. Dizer que ele é evangélico não seria uma mentira. Dizer que ele é católico também não é. Também não são verdades, são pós-verdades.

“Pós-verdade” foi a “palavra do ano” de 2016 segundo o dicionário Oxford, para designar algo “relativo a ou denotando circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influenciadores da opinião pública do que apelos à emoção ou crenças pessoais”.

Em outras palavras: se você acredita que Bolsonaro é evangélico, você vai ter quilos de vídeos, declarações e pastores para passar a vida compartilhando e comprovando o que você já acreditava; se pensa que ele é católico, também. É isso que importou na campanha de Donald Trump (quando a palavra “pós-verdade” foi inventada) e é isso que importa na comunicação de seu discípulo brasileiro, Jair Messias Bolsonaro.

No caso do brasileiro, ao ser abraçado por líderes neopentecostais como Silas Malafaia, Estevan Hernandes, Ana Paula Valadão e Edir Macedo, entrou na receita um componente bastante próprio dessa tradição do evangelicalismo brasileiro, perfeitamente compreendido pelos fiéis: a ênfase e a convicção são muito mais importantes do que o conteúdo. Em outras palavras, como e quão violentamente (ou defendemos algo) passou a ser a questão, muito mais do que está sendo dito. A jornalista Eliane Brum escreveu um artigo muito interessante a esse respeito, “Bolsonaro e a autoverdade” (link nos comentários).

Bolsonaro ditou completamente a agenda política de 2018. Concordo com Eduardo Jorge e Ciro Gomes, quando dizem que o capitão foi fruto direto do “nós contra eles” do petismo. Mas a novelinha de Lula candidato foi só uma patética tentativa de desviar o foco de quem sempre esteve no centro do palco: Jair Bolsonaro. Foi ele e seus filhos quem deram as cartas do noticiário o tempo todo, com declarações bombásticas, desmentidos e aparente bateção-de-cabeça. O ex-assessor de Donald Trump e líder do grupo de direita nacionalista The Movement, Steve Bannon, disse que essa “linguagem provocativa” é a tática ideal para alguém “conseguir ser ouvido em meio ao barulho”, chamar a atenção à margem de uma mídia que nunca o levou à sério. “Hoje, a política é, na realidade, uma narrativa midiática”. (Leia o link nos comentários).

Entretanto, eleito presidente, Jair Bolsonaro não parece satisfeito em apenas construir uma narrativa midiática. Ele, seus filhos e seus diretos continuam monopolizando a mídia, mas seu mais ambicioso controle não é mais sobre a imprensa; é sobre a verdade.

Reflita comigo: qual a conexão do versículo bíblico que ele usou em seu primeiro pronunciamento como presidente (“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”) com o conteúdo em si? Até onde vai minha capacidade de interpretação de texto (Leia a íntegra no link nos comentários), não há conexão nenhuma, a menos que você considere a possibilidade de estar diante de um homem se apresentando ele mesmo como a verdade ou, no mínimo, porta-voz da versão que deve ser entendida como a verdade.

Mas, como também está na Bíblia, na boca de Pôncio Pilatos, “O que é a verdade?” Será a verdade, captada em vídeo, do próprio Bolsonaro anunciando que Antonio Fraga iria “coordenar a bancada lá no Planalto” apesar de ser condenado por corrupção? Ou seria o mesmo presidente, no Twitter, escrevendo que “nossos ministérios não serão compostos por condenados por corrupção como foram nos últimos governos”? Seria o vice Mourão dizendo que Sergio Moro sabia do convite ao Ministério da Justiça desde a campanha? Ou o próprio Moro dizendo que não sabia? Seria Bolsonaro anunciando a fusão dos ministérios do Meio Ambiente e Agricultura ou ele voltando atrás? Ou ele anunciando novamente ou voltando atrás novamente? Seria a verdade dita por Paulo Guedes que o novo governo pretende criar uma “nova CPMF”? Ou o desmentido? Seria o filho explicando como fechar o STF? Ou o pai repreendendo “o garoto” no dia seguinte? Seria Mourão ao criticar o 13º ou Bolsonaro anunciando o 13º para o Bolsa Família? Seria Bolsonaro defendendo a liberdade de imprensa no “Jornal Nacional” ou ele caracterizando a Folha como “indigna” de receber as verbas publicitárias do governo no mesmo programa? Ou seria seu vice, algumas horas depois, dizendo que “a imprensa não é inimiga”?

Quem será que “vazou” o vídeo de Bolsonaro anunciando Fraga como ministro? Será que a Record, emissora do mesmo Edir Macedo que vem apoiando escancaradamente o presidente, levaria ao ar algo sem a aprovação de sua equipe? Se sim, porque tirou o vídeo de seus sites? E porque apenas depois da avalanche de críticas à nomeação de Fraga? Será que o próprio Bolsonaro solicitou o vazamento? Com qual objetivo? Testar a opinião pública para um ministro condenado por corrupção? Ou desnortear a cobertura da imprensa para a montagem de seu ministério?

Afinal, o que é a verdade?

A resposta de Bolsonaro à pergunta de Pôncio Pilatos está nas entrelinhas de seu tweet de alguns dias atrás: “Anunciarei os nomes oficialmente em minhas redes. Qualquer informação além é mera especulação, maldosa e sem credibilidade.” 24 horas depois, Bolsonaro dá a sua primeira entrevista coletiva barrando a entrada da Folha, O Globo, Estadão e agências internacionais. O próprio presidente tratou de obscurecer o que deveria ser esclarecido: “Não sei quem marcou isso (a coletiva)”, e nem quem havia mandado restringir os veículos.

Bolsonaro e sua equipe têm trabalhado incansavelmente em cristalizar na cabeça de seus eleitores que a imprensa tradicional brasileira é “especulação”, “fake news”, “indigna” e “sem credibilidade”. A verdade não surge mais da multiplicidade de pontos de vista e do debate entre diferentes vozes. “A verdade” é o que Bolsonaro disser. É essa a verdade que “vos libertará”. Libertará do lulopetismo, libertará da ameaça comunista, libertará da imprensa esquerdopata, da ditadura venezuelana.

Para um país com o índice de leitura do Brasil, soa como música: notícias apuradas por profissionais são “especulação”, “vamos esperar”, “isso é fake news”, “tem que acabar com essa imprensa mesmo”. Verdade é o que o Capitão disser em suas redes sociais. É o que Steve Bannon ensinou nos Estados Unidos: desacredite a imprensa o quanto você puder e mesmo que você admita em juízo que teve um caso extraconjugal com uma atriz pornô, seus devotos só acreditarão no que lerem em suas redes sociais. Imagine em um país como o Brasil, numa eleição construída em cima de memes e fake news, com uma imprensa em constante crise de recursos como a nossa. O que é a verdade?

Escolha a sua verdade. Ou melhor, deixe que o capitão escolha para você. Torça pelo fim da imprensa independente, em vez de torcer pelo seu aperfeiçoamento. Assim, como nos tempos do comandante Ustra, você não terá mais notícias de corrupção nem de corruptores nos jornais. Não terá nem jornais. E, segundo a interpretação que o nosso presidente deu para o versículo bíblico, finalmente será livre.

Livre para segui-lo.

Brasil | Bem-vindos à selva


Pepe Escobar [*]

Está escuro no pico do meio-dia (tropical) 

Jean Baudrillard definiu um dia o Brasil como "a clorofila do nosso planeta". Contudo, um país tão amplamente associado em todo o mundo ao poder suave duma joie de vivre criativa acaba de eleger um fascista para presidente.

O Brasil é uma terra dilacerada. O antigo paraquedista Jair Bolsonaro foi eleito com 55,63% dos votos. Mas 31 milhões de votos foram de abstenção, ou brancos ou nulos, um autêntico recorde. Foram 46 milhões os brasileiros que votaram no candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, professor e antigo prefeito de São Paulo, uma das gigantescas metrópoles do Sul global. O facto impressionante é que mais de 76 milhões de brasileiros não votaram em Bolsonaro.

O seu primeiro discurso, como presidente, exalava o sentimento de uma guerra santa degradada feita por uma seita fundamentalista entrelaçada com uma vulgaridade omnipresente e a exortação a uma ditadura de inspiração divina, como a via para uma nova Era de Ouro brasileira.

O sociólogo franco-brasileiro Michael Lowy descreveu o fenómeno Bolsonaro como uma "política patológica em grande escala".

A sua ascensão foi facilitada por uma conjunção sem precedentes de fatores tóxicos, como o enorme impacto social do crime no Brasil, que levou a uma crença generalizada na repressão violenta como única solução; a rejeição concertada do Partido dos Trabalhadores, catalisada pelo capital financeiro, pelos latifundiários, pela agro-indústria e pelos interesses oligárquicos; um tsunami evangélico; um sistema de "justiça" que historicamente favorece as classes superiores e encarnado por juízes e procuradores com "formação" financiada pelo Departamento de Estado, incluindo o conhecido Sérgio Moro, cujo firme objetivo, durante a alegada investigação Lava Jato, contra a corrupção, foi enviar Lula para a prisão; e a total aversão à democracia de amplos setores das classes dirigentes brasileiras.

Isto tudo se vai amalgamando num choque radicalmente antipopular, "caído do céu", neoliberal. Parafraseando Lenine, um caso de fascismo como a última fase do neoliberalismo. Afinal, quando um fascista vende um programa de "mercado livre", todos os seus pecados lhe são perdoados.

O reinado da bancada BBBB 

É impossível compreender a ascensão do bolsonarismo fora do contexto da Guerra Híbrida, extremamente refinada, que foi desencadeada no Brasil pelos suspeitos usuais. A espionagem da NSA – desde a gigantesca petrolífera Petrobrás até ao telemóvel da então presidente Dilma Rousseff – já era conhecida desde meados de 2013, depois de Edward Snowden ter revelado que o Brasil era o país mais espionado da América Latina.

A Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, rendida ao Pentágono, sempre foi favorável a uma militarização gradual – mas ininterrupta – da política brasileira alinhada aos interesses de segurança nacional dos EUA. O programa das principais academias militares norte-americanas foi adotado sem reservas pela Escola Superior de Guerra.

Os gestores do complexo industrial-militar-tecnológico do Brasil sobreviveram sem problemas à ditadura de 1964-1985. Aprenderam tudo sobre operações psicológicas com os franceses na Argélia e com os americanos no Vietname. Ao longo dos anos, evoluíram o seu conceito de inimigo interno; não apenas os proverbiais "comunistas", mas a Esquerda no seu conjunto, assim como as amplas massas de brasileiros espoliados.

Isso levou à situação vigente de generais a ameaçar juízes, se libertassem Lula. O vice-presidente de Bolsonaro, ogeneralito Hamilton Mourão, chegou a ameaçar com um golpe militar se não ganhassem. O próprio Bolsonaro disse que nunca "aceitaria" a derrota.

Esta militarização progressiva da política combina perfeitamente com o caricatural Congresso Brasileiro BBBB (Bala, Boi, Bíblia, Banco).

O Congresso está praticamente controlado por forças militares, policiais e paramilitares; pelo poderoso lobby da indústria agrícola e mineira, com o seu objetivo supremo de pilhar totalmente a floresta amazónica; pelas facções evangélicas e pelo capital da banca/finanças. Comparem isso com o facto de que mais de metade dos senadores e um terço do Congresso enfrentam processos criminais.

A campanha de Bolsonaro usou todos os truques conhecidos para fugir a qualquer possibilidade de um debate na TV, fiel à noção de que discutir política é para perdedores, especialmente quando não há nada a debater.

Afinal, o principal conselheiro económico de Bolsonaro, o boy de Chicago, Paulo Guedes – atualmente sob investigação acusado de fraude de seguros – já tinha prometido "curar" o Brasil, servindo-se dos feitiços de sempre: privatizar tudo; eliminar os gastos sociais; acabar com as leis laborais e o salário mínimo; deixar o lobby do Boi saquear a Amazónia; e aumentar as armas nas mãos dos cidadãos a um nível superior ao estipulado pela Associação Nacional dos Rifles.

Não admira que The Wall Street Journal tenha classificado Bolsonaro como um normal "populista conservador" e "drenador do pântano-Brasil"; esta designação esquece os factos e ignora que Bolsonaro é um político menor que só conseguiu aprovar dois projetos-lei em 27 apagados anos no Congresso.

Enviem-me um WhatsApp para a Terra Prometida 

Embora as grandes massas, muito mal informadas, tenham progressivamente tomado consciência dos golpes sujos da enorme campanha manipuladora de Bolsonaro no WhatsApp – uma saga tropical pós-Cambridge Analytica; e apesar de Bolsonaro afirmar, em direto, que os adversários só teriam duas opções depois das eleições de domingo, a prisão ou o exílio, isso não foi suficiente para deter o Brasil duma marcha inexorável para uma distopia, uma Teocracia Evangélica das Bananas militarizada.

Em qualquer democracia madura, um grupo de empresários – com contabilidade clandestina – que financiasse uma campanha de notícias falsas no WhatsApp, com múltiplos tentáculos, contra o Partido dos Trabalhadores e contra Haddad, o candidato de Lula, seria considerado um enorme escândalo.

O WhatsApp é extremamente popular no Brasil, muito mais do que o Facebook; por isso tinha que ser devidamente instrumentalizado nesta mistura brasileira de Guerra Híbrida ao estilo da Cambridge Analytica.

A tática foi totalmente ilegal porque foi financiada por doações à campanha, não declaradas, assim como doações de empresas (proibidas pelo Supremo Tribunal do Brasil desde 2015). A Polícia Federal do Brasil iniciou uma investigação que terá o mesmo destino da investigação que os árabes sauditas fizeram a si mesmos no fiasco daPulp Fiction em Istambul.

O tsunami de notícias falsas foi gerido pelos chamados bolsominions . São um exército voluntário de super leais, que castigam quem quer que se atreva a pôr em causa o "Mito" (é assim que se referem ao líder), enquanto manipulam conteúdos, sem interrupção, em memes, vídeos falsos virais e variadas expressões de ira do "enxame Bolso".

Imaginem o escândalo de Washington se os russos interferissem nas eleições norte-americanos, usando as mesmas táticas que os EUA e as suas elites compradoras usaram no Brasil.

Esmagar o BRICS 

Na política externa, naquilo que respeita a Washington, o Reichskommissar Bolsonaro pode ser muito útil em três frentes.

A primeira é a frente geoeconómica: obter a parte de leão das enormes reservas de petróleo das camadas pré-sal para os gigantes energéticos dos EUA.

Seria esse o requisito na sequência do golpe de misericórdia contra Dilma Rousseff, em 2013, quando ela aprovou uma lei destinando 75% das royalties do petróleo para o ensino e 25% para a assistência à saúde; uns significativos 122 mil milhões de dólares americanos ao longo de dez anos.

As duas outras frentes são geopolíticas: rebentar com o BRICS por dentro e levar o Brasil a fazer o trabalho sujo numa operação de mudança de regime na Venezuela, cumprindo assim a obsessão de Washington em esmagar o eixo Venezuela-Cuba.

Usando o pretexto da imigração em massa da Venezuela para a faixa brasileira da Amazónia, a Colômbia – elevada ao estatuto de parceiro fundamental da NATO e apadrinhada por Washington – pode contar com o apoio militar do Brasil para uma mudança de regime.

Depois, há a história importantíssima da China.

A China e o Brasil são estreitos parceiros no BRICS. A propósito, o BRICS agora fica reduzido a RC (a Rússia e a China), com grande desgosto de Moscovo e de Beijing, que contavam que Haddad seguisse as pisadas de Lula, que foi fundamental no reforço do peso geopolítico do BRICS.

Chegamos assim a um ponto de inflexão fundamental no golpe da Guerra Híbrida em curso, quando os militares brasileiros se convenceram de que o gabinete de Rousseff estava infiltrado de agentes dos serviços secretos chineses.

Apesar disso, a China mantém-se o principal parceiro comercial do Brasil – à frente dos EUA, com um comércio bilateral que atingiu 75 mil milhões de dólares no ano passado. Além de ser um consumidor ávido de bens brasileiros, Beijing já investiu 124 mil milhões de dólares em empresas brasileiras e em projetos de infraestruturas desde 2003.

Guedes, o boy de Chicago, reuniu-se recentemente com diplomatas chineses. Bolsonaro vai receber uma delegação chinesa de alto nível, logo no início do seu mandato. Durante a campanha, repetiu várias vezes que "a China não está a comprar no Brasil, a China está a comprar o Brasil". Bolsonaro pode tentar um surto de sanções contra a China à moda mini-Trump. Mas tem que ter em atenção que o poderoso lobby da indústria agrícola tem lucrado imenso com a guerra comercial entre os EUA e a China.

É garantido um enorme suspense na cimeira do BRICS em 2019, que se realizará no Brasil: imaginem um Bolsonaro durão frente a frente com o verdadeiro patrão, Xi Jinping.

Então, o que pretendem realmente os militares brasileiros? Resposta: a "Doutrina de Dependência" brasileira – que é uma verdadeira mestiçagem neocolonial.

A certo nível, a liderança militar brasileira é desenvolvimentista, orientada para a integração territorial, fronteiras bem patrulhadas e uma "ordem" interna, social e económica, perfeitamente disciplinada. Simultaneamente, acredita que tudo isso deve ser feito sob a supervisão da "nação indispensável".

Os líderes militares consideram que o seu país não tem conhecimentos suficientes para lutar contra o crime organizado, para defender a segurança cibernética e a segurança biológica, e, no que se refere à economia, para dominar totalmente um estado mínimo, aliado a uma reforma fiscal e à austeridade. Para o geral da elite militar, o capital privado estrangeiro é sempre uma benesse.

Uma consequência inevitável disso é ver os países latino-americanos e africanos como untermenschen [seres inferiores – N.T.]: uma reação contra a ênfase de Lula e de Dilma na União das Nações Sul-Americanas (UNASUR) e uma integração energética e logística mais estreita com África.

Não se pode descartar um golpe militar 

Apesar disso, há dissidência militar interna – que pode abrir uma via para a remoção de Bolsonaro, um mero fantoche, em benefício duma coisa real: um general.

Quando o Partido dos Trabalhadores estava no poder, a Marinha e a Força Aérea ficaram muito satisfeitas com projetos estratégicos como um submarino nuclear, um jato supersónico e satélites lançados por foguetes made in Brasil. Veremos qual será a sua reação no caso de Bolsonaro abandonar totalmente estes avanços tecnológicos.

O problema fundamental pode vir a ser se há uma ligação direta entre a nata das academias militares brasileiras; os "generais dependentistas" e as suas técnicas de operações psicológicas; as diversas fações evangélicas; e as táticas pós-Cambridge Analytica de que a campanha Bolsonaro se serviu. Será uma nebulosa que congrega todas estas células ou será uma rede frouxa?

A melhor resposta provém de Piero Leirner , especialista em antropologia da guerra, que realizou uma profunda investigação nas Forças Armadas brasileiras e me disse: "Não há uma relação prévia. Bolsonaro é um pós-facto. A única ligação possível é entre determinadas características da campanha e as operações psicológicas (psyops) ". Leirner sublinha: "A Cambridge Analytica e Bannon representam a infraestrutura, mas a qualidade de informações – enviar sinais contraditórios e depois aparecer uma resolução como terceira via, isso é uma estratégia militar dos manuais de operações psicológicas da CIA".

Mas há brechas. Leirner considera o arco de forças díspares que sustentam Bolsonaro como uma "bricolage" que, mais tarde ou mais cedo, se desintegrará. E a seguir? Um general sub-Pinochet?

Bolsonaro não é Trump. Porquê? 

Em The Road to Somewhere; The Populist Revolt and the Future of Politics , David Goodhart mostra que a força motora por detrás do populismo não é o amor fascista duma nação radical. É a anomia – um sentimento duma vaga ameaça existencial que a modernidade coloca. Isso aplica-se a todas as formas de populismo de direita no Ocidente.

Assim, temos a oposição entre "alguns locais" e "quaisquer locais". Temos "alguns locais" que querem que a democracia da nação seja confinada apenas às etnias nacionais, sem que a cultura nacional seja contaminada por influências "estrangeiras".

E temos "quaisquer locais" que habitam o vórtice pós-moderno, sem raízes, do multiculturalismo e das viagens internacionais de negócios. Estes são uma minoria demográfica – mas uma maioria nas elites políticas, económicas, educativas e profissionais.

Isso leva Goodhart a fazer uma distinção fundamental entre populismo e fascismo – ideológica e psicologicamente.

A distinção legal comum encontra-se na lei constitucional alemã. O populismo de direita é "radical" – portanto, é legal. O fascismo é "extremo", portanto é ilegal.

É errado rotular Trump de "fascista". Bolsonaro foi rotulado pelo Ocidente de "o Trump tropical". O facto é que Trump é um populista de direita – até com algumas políticas que poderão ser caracterizadas como de Velha Esquerda.

Os registos revelam Bolsonaro como um tipo racista, misógino, homofóbico, defensor das armas, favorecendo um Brasil branco, patriarcal, hierárquico, hétero-normativo e "homogéneo"; um absurdo numa sociedade profundamente desigual, ainda devastada pelos efeitos da escravatura e em que a maioria da população é de raça mista. Além disso, historicamente, o fascismo é uma Solução Final burguesa radical com vista à aniquilação total da classe trabalhadora. Isso torna Bolsonaro um fascista total.

Trump ainda é mais moderado do que Bolsonaro. Não incita os seus apoiantes a exterminar literalmente os seus opositores. Afinal, Trump tem que respeitar o enquadramento duma república com instituições democráticas muito antigas, mesmo que defeituosas.

Isso nunca aconteceu com a jovem democracia brasileira – em que um presidente pode comportar-se como se os direitos humanos fossem uma conspiração comunista em conluio com a ONU. As classes trabalhadoras brasileiras, as elites intelectuais, os movimentos sociais e todas as minorias têm toda a razão para recear a Nova Ordem. Nas palavras de Bolsonaro, "serão banidos da nossa pátria". A criminalização/desumanização de qualquer oposição significa, literalmente, que dezenas de milhões de brasileiros não valem nada.

Falem com Nietzsche 

A refinada Guerra Híbrida em curso no Brasil, que começou em 2014, teve um ponto de inflexão em 2016 e culminou em 2018 com a destituição de uma presidente; a prisão de outro presidente; o esmagamento da Direita e do Centro-direita; e à moda de uma pós-política enlouquecida por esteroides, abriu o caminho para o fascismo.

Mas Bolsonaro é um vazio medíocre. Não tem a estrutura política, os conhecimentos, para não falar da inteligência em ter chegado tão longe, a partir do nada, sem um sistema de apoio de informações super complexo, de alta tecnologia, transfronteiras. Não admira que seja um queridinho de Steve Bannon.

Em contraste, a Esquerda – tal como na Europa – mais uma vez ficou presa no modo analógico. De modo algum, qualquer frente progressista, especialmente neste caso, tal como foi constituído na décima primeira hora, podia combater com êxito o tsunami tóxico da guerra cultural, da política de identidade e das notícias falsas micro-dirigidas.

A Esquerda perdeu a batalha importante. Pelo menos, agora já sabem que isto é a doer, uma guerra total. Para destruir Lula – o prisioneiro político mais importante do mundo – as elites brasileiras tiveram que destruir o Brasil. Nietzsche continua a vencer; o que não nos mata torna-nos mais fortes. A vanguarda da resistência global contra o neofascismo como o estádio mais avançado do neoliberalismo mudou-se para sul do Equador. No pasarán.

[*] Jornalista, brasileiro, correspondente do Asia Times com sede em Hong-Kong. O seu último livro é 2030 . 

O original encontra-se em Consortium News . Tradução de Margarida Ferreira. 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

São Tomé | O Pêndulo Imperfeito e o Caos


Adelino Cardoso Cassandra* | Téla Nón | opinião

Podemos considerar, de ponto de vista simbólico, as eleições legislativas que se realizaram no dia 7 de outubro, em S.Tomé e Príncipe, tendo em conta os acontecimentos políticos, anteriores e posteriores à realização das mesmas, como um autêntico plebiscito informal para a escolha de dois caminhos, totalmente opostos, que o pais deveria trilhar nos próximos tempos.

Por um lado, teríamos, caso o ADI regressasse ao poder, o caminho de consolidação do processo de asfixia da democracia e, por outro lado, caso a oposição ganhasse as referidas eleições percorreríamos um caminho alternativo oposto, ou seja, o de aprofundamento da democracia.

O conteúdo político, em termos de mensagem eleitoral e praxis, durante toda a campanha eleitoral, e posteriormente, tanto por parte do ADI como dos partidos da oposição, denunciavam este dualismo polarizador inultrapassável.

Não recordo de nenhum outro contexto eleitoral no país, mesmo em 1990 quando a constituição foi ratificada em referendo, em que os campos, poder e oposição, estiveram tão distantes, tendo como suporte reivindicativo a defesa da liberdade e da democracia como bandeira eleitoral.

É óbvio que isto também teve reflexos, como seria de esperar, na recomposição do nosso sistema político-partidário e em termos de mobilização eleitoral, como resposta ao propósito governamental do ADI de asfixia da nossa democracia, com o objetivo de travar esta deriva autoritária.

Formou-se uma coligação, pré-eleitoral, entre o PCD, a UDD e o MDFM que ganhou contornos mais abrangentes, pós-eleitoral, incluindo o MLSTP na sua composição.

Por outro lado, a mobilização eleitoral foi grande, contribuindo para baixar a abstenção para níveis históricos no país, mesmo num contexto de escassez, material e financeira, manifestada pelos partidos da oposição.

Isto quer dizer que, entre a continuação de uma deriva autoritária e asfixiante e o resgate e defesa do Estado Democrático de Direito, a maioria da população de S.Tomé e Príncipe escolheu a segunda alternativa e correu para as mesas de voto em salvação da democracia.

E isto foi tão evidente que, mesmo após as eleições, a população manteve-se vigilante, controlando todos os passos e procedimentos do atual Tribunal Constitucional do ADI, tendo em conta casos de recurso contencioso enviados para o referido tribunal, em contradição com acórdão anterior do mesmo tribunal, decorrente das deliberações da assembleia de apuramento eleitoral geral.

Podemos concluir, pelo menos duas coisas, tendo em conta os resultados destas eleições.

Em primeiro lugar que a defesa da liberdade e, consequentemente, da democracia, depende sempre das populações. As pessoas poderiam, sempre, preferir o caminho do ADI, de asfixia dos pilares da nossa democracia tendo em conta, até, os meios, materiais e financeiros, anormalmente exagerados, utilizados por este partido político nestas eleições em contraposição com a escassez de meios demonstrada pelos partidos da oposição. O povo escolheu a democracia em detrimento do autoritarismo, ou seja, escolheu não legitimar, eleitoralmente, um caminho cujo objetivo era a tentativa titânica de criação de condições de asfixia da democracia.

A segunda conclusão que podemos tirar destas eleições é que o edifício da democracia é uma construção extremamente difícil e duradoura, tendo em conta, até, a nossa situação económica e sociocultural, e sujeita aos condicionalismos institucionais prevalecentes bem como das características dos políticos que escolhemos para nos representar. Por isso mesmo é que se torna, cada vez mais importante, a fiscalização permanente sobre as decisões dos nossos políticos e sobre o estado das nossas instituições.

Por tudo isto, não faz muito sentido, e até acho que se trata de um exercício analítico esotérico, a tentativa, por parte do próprio presidente da república e de alguns protagonistas políticos do ADI, de criação de condições para a emergência de uma suposta coligação entre esta força política – o ADI – e qualquer outro partido da oposição porque, o que estava em jogo, nestas eleições, não era somente a apresentação e discussão de  projetos de sociedades alternativos ou a reivindicação de um reposicionamento geoestratégico do país ou, ainda, a apresentação de medidas sectoriais avulsas para a resolução dos nossos principais problemas. Era algo muito mais estruturante. O que estava em causa era muito mais do que tudo isto: era a própria democracia, ratificada constitucionalmente em referendo de 1990, que, nos tornou, naquele contexto temporal e histórico concreto, um caso singular entre os cinco países africanos lusófonos.

E, neste âmbito, não se pode negociar nem tolerar estados de alma, porque não se pode ser democrata às segundas, quartas e sextas e, posteriormente, déspota às terças, quintas e sábados. A democracia pressupõe crença, convivência diária e costumes, perspetivados sob a inspiração de valores éticos, políticos e jurídicos e os nossos representantes têm de ser os primeiros a criar condições para o seu aprofundamento e consolidação paulatina.

O ADI acredita piamente, entre outras coisas, que: a existência de um consenso político-partidário mínimo para a instauração de um Tribunal Constitucional Autónomo é uma chatice; as tropas de choque podem ser chamadas para expulsar os deputados da oposição do interior da Assembleia Nacional; os juízes do Supremo Tribunal de Justiça podem ser exonerados e aposentados compulsivamente quando decretam uma sentença contra os interesses do referido partido; os deputados podem ser revistos por tropas estrangeiras que entram e permanecem no país sem autorização da Assembleia Nacional; a censura na rádio e televisão pública pode permanecer indefinidamente como propósito de defesa de interesses políticos governamentais e o presidente da república, ao contrário daquilo que é a sua principal função constitucional, deve patrocinar, sucessivamente, soluções políticas especiais, em defesa de um partido político, neste caso o ADI, em violação flagrante do principio da igualdade de tratamento entre todos os partidos políticos.

Se os partidos da oposição, todos sem exceção, andaram quatro anos a lutar contra estes atropelos à democracia, sem resultados, condescendência ou compreensão do ADI, e transformaram este ato na sua principal bandeira eleitoral, como é que estarão, agora, em condições de fazer uma coligação com o próprio ADI para formação de um novo governo da república, tendo como suporte diferenciador e antagónico uma questão tão estruturante?

Como é que o próprio presidente da república pode patrocinar uma coisa desta sabendo-se que, ele mesmo, como árbitro e supervisor do nosso sistema político, nunca fez nada para impedir ou minimizar o ímpeto asfixiante e avassalador do ADI sobre os pilares do nosso edifício democrático, apesar de sucessivas chamadas de atenção por parte dos referidos partidos da oposição e da própria sociedade civil?

Não basta, por isso, ao ADI, pedir, agora, desculpas ao povo, por erros de governação. De que erros se tratam? De erros relacionados com opções e decisões políticas legitimas que tomou? De erros relacionados com atropelos à democracia?

Se os erros em causa estão relacionados com opções e decisões políticas legitimas que o ADI tomou, então, este perdão encerra ingenuidade, dissimulação ou um truque extemporâneo que possa dar algum conforto político, agora, ao partido em causa, porque a política é arte de se fazer o possível, de acordo com as convicções ou interesses ideológicos em presença e as condições existentes. O ADI, como maior partido, pelo menos eleitoralmente, do nosso sistema político-partidário, não pode andar a arrepender-se das decisões políticas que toma, legitimamente, porque isto mina a credibilidade e a confiança do referido partido e do próprio sistema político junto do eleitorado. Se os partidos políticos passam a vida a tomar decisões políticas legitimas e, depois, arrependem-se, considerando-as um erro, o eleitorado deixa de acreditar neles.

Se, pelo contrário, os erros em causa, estão relacionados com atropelos à democracia, então, a situação parece-me mais grave, ainda, porque o ADI tinha, objetivamente, consciência deles, até pelo facto ter sido alertado pela oposição e a própria sociedade civil quando os praticou, e não se preocupou com as consequências de tal propósito que incluem, eventualmente, a prática de ilegalidades com o único propósito de se manter no poder.

Perguntar-se-á, então: e o presidente da república que patrocinou, objetiva ou subjetivamente, estas ilegalidades e manteve-se, sempre, ao lado do referido partido, apesar de sucessivas chamadas de atenção por parte dos partidos da oposição e da própria sociedade civil também vai pedir desculpas ao povo? Ele não será, neste momento, um ativo tóxico, sem autoridade e independência no cargo que ocupa, aos olhos da maioria da população Santomense, enfraquecendo, de forma quase irreversível, a instituição que representa?

Por tudo isto, acho muito improvável e até indesejável, a existência de condições, neste momento, para que o ADI venha a fazer parte de uma eventual coligação governamental, envolvendo qualquer partido da oposição, até, pelo facto de, se tal acontecer, uma parte significativa das pessoas que votaram nestas eleições, nos referidos partidos, poderem sentir-se traídas com tal propósito porque estes votos parecem representar um caráter estratégico ou útil, de mudança, tendencialmente dirigido para impedir ou rejeitar qualquer deriva autoritária no país.

Por outro lado, a viabilização de um suposto governo do ADI, contando com o respaldo e aprovação do presidente da república e apoio político, na Assembleia Nacional, de eventuais deputados da oposição, principescamente comprados como se faz num mercado moderno de escravos, poderia colocar em causa, no limite, o maior pilar da nossa democracia representativa. E é isto que eu, ultimamente, ouço, da parte de alguns simpatizantes e militantes do ADI, de forma encapotada e envergonhada, quando sugerem que a atual oposição, em bloco, apesar de múltiplas manifestações públicas, escritas e verbalizadas, de entendimento em torno de um acordo de governação que os une, deveria provar este propósito político na Assembleia Nacional.

Se tal facto (um governo da ADI com deputados comprados da oposição), contudo, vier a acontecer, o epicentro da contestação e revolta popular deslocar-se-á, rapidamente, das imediações do ADI para a presidência da república e o país entrará num processo de instabilidade política e social imprevisível. Não será mesmo isto que o ADI quererá?

Tenho dificuldades, contudo, em compreender esta estratégia, tendo em conta as condições, política e socioeconómica, prevalecentes no país, e não é crível que a tentativa de resolução desta hipotética instabilidade, com recurso a um novo ato eleitoral, num contexto temporal de curto prazo, traga vantagens significativas para o ADI.

Vivemos, neste momento, provavelmente, desde a instauração da democracia no país, o período mais difícil da nossa vida comunitária e uma parte das causas da manifestação destas dificuldades está diretamente relacionada com as armadilhas que o ADI montou, durante os quatro anos da legislatura anterior, com o propósito de abalar os alicerces da nossa democracia, como se de um pêndulo programado, milimetricamente, se tratasse, com o objetivo de continuarem a usufruir de um poder, quase absoluto, durante décadas.

O problema, todavia, é que qualquer instrumento ou sistema, na linguagem de uma Ciência como a Física, reage de acordo com as condições iniciais existentes. Um pêndulo, não seria exceção. Determinada a inclinação e a velocidade inicial do referido pêndulo, bem como as variáveis como o atrito e gravidade, o ADI interiorizou a ideia de que saberia e controlaria em todos os instantes, a localização do pêndulo e que todos os movimentos do referido instrumento seriam previsíveis.

Só que o pêndulo que o ADI utilizou era imperfeito e desprezaram, como tal, o papel de outras variáveis no referido instrumento o que determinou o caos que estamos, momentaneamente, a viver e que ninguém sabe como controlar.

*Adelino Cardoso Cassandra

Angola | Não chega ser sério


O antigo primeiro-ministro angolano (hoje quadro superior da Sonangol por escolha pessoal do Presidente João Lourenço) Marcolino Moco acredita que os conflitos em África poderiam ser resolvidos com uma maior representatividade das diversas etnias e regiões nos governos, o que não acontece devido à herança dos Estados europeus.

Marcolino Moco, que apresentou em Lisboa um resumo em inglês do seu livro de 2015 “Angola: Estado-nação ou Estado etnia política?” (“Angola in Africa: Nation-state or political-ethnicity”), explicou que o seu livro apresenta uma “teoria para explicar a razão dos conflitos nos países africanos, com o exemplo de Angola”.

A sessão consistiu ainda num “relançamento” da edição portuguesa, que não teve sessão de apresentação por razões políticas.

“Naquela altura, como era ‘persona non grata’ do regime de José Eduardo dos Santos”, Presidente angolano entre 1979 e 2017, nunca nominalmente eleito, “não podia fazer o lançamento nem em Angola, nem aqui, em Portugal, porque toda a gente tinha medo de estar ligada à minha pessoa”, disse.

Compreensivelmente Marcolino Moco mete no mesmo saco toda a gente, esquecendo-se que nem toda a gente tinha medo de estar ligada a ele. Aliás, muitos do que nessa altura não tinham medo de estarem com Moco, hoje têm medo de estar com ele.

Segundo o autor, a razão pelos conflitos deve-se à semelhança com as formas de gestão europeias, herdadas durante os períodos de colonização.

“A principal razão [destes conflitos resulta] de o Estado africano, de uma forma, ter copiado a estrutura das antigas metrópoles, e por isso não corresponder à verdadeira realidade africana, em que os Estados são compostos por populações que ainda não estavam totalmente integradas numa nação”, explicou o antigo primeiro-ministro de Angola, militante do MPLA e político de confiança do novo Presidente, acrescentando que “há uma pluralidade de etnias e de regiões com interesses próprios, mas os Estados são essencialmente centralizados”.

O autor relembra que a divisão dos países em África foi feita de uma forma “artificial” durante a Conferência de Berlim (1884-1885), “juntando vários povos, várias etnias, debaixo das mesmas fronteiras muito rapidamente”.

Para Marcolino Moco, que também foi o primeiro secretário-executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a solução passa por uma representação obrigatória destes grupos nos órgãos de gestão dos Estado, e pela existência de “órgãos muito representativos de todas as etnias e regiões, onde pessoas de todas as etnias e todas as regiões se vejam representadas, independentemente de quem ganhou as eleições”.

O autor acredita ainda que a influência dos Estados europeus nos sistemas de administração africanos leva a que haja “demasiada” centralização e se ignore o problema da diversidade étnico-regional.

“As pessoas não querem que se fale nisso enquanto é uma realidade que nos corrói, cria guerra, golpes de Estado”, referiu, assinalando ainda a “pouca vergonha” que é a alteração das Constituições por chefes de Estado, que o fazem para evitar que “protagonistas de outras etnias os possam incomodar e impedir de ter uma boa vida”.

Sobre a colonização, o antigo primeiro-ministro acredita que os Estados africanos devem seguir em frente.

“A colonização trouxe elementos positivos, como a própria modernização de África (…). Não vamos passar a vida a lamentar-nos em relação àqueles aspectos negativos que conhecemos. Vamos pegar nos aspectos positivos ligados à presença europeia, juntá-los aos valores positivos que também já existiam nas sociedades tradicionais, e vamos tocar para a frente”, sugeriu Marcolino Moco.

Os efeitos da presença chinesa em África também é algo que levanta preocupação ao antigo dirigente angolano.

“Já estamos a senti-los. Primeiro, porque culturalmente temos uma identidade em que o pilar europeu é fundamental, é essencial. Faz parte. Este recurso massivo à presença oriental complica-nos algumas coisas (…) e nós estamos a adormecer sobre algumas coisas, porque da China vêm já pedreiros, carpinteiros, então nós orientamos os nossos netos para todos serem universitários, todos serem intelectuais. Depois saem das universidades e não têm lugar”, referiu Marcolino Moco.

Para o antigo secretário-executivo da CPLP, o pan-africanismo deve ser reforçada.

“África tem de se reencontrar, tem de voltar à ideia do Nkrumah [ganês forte activista do pan-africanismo]. Não talvez um Estado único, mas mais coordenado nas questões económicas, políticas e culturais. E depois convencermos a Europa que não deve continuar a trabalhar só no sentido de nos retirar o recurso. É preciso que os recursos sejam trabalhados na própria África, e isso é vantajoso até para a Europa, para prevenir a situação da migração massiva”, concluiu.

O prémio de João Lourenço

No dia 12 de Janeiro, o Presidente da República, João Lourenço, justificou a nomeação (escolha, prémio de consolação) dos ex-primeiros-ministros Lopo do Nascimento e Marcolino Moco para administradores da Sonangol por serem uma “referência” no país.

A posição foi assumida pelo chefe de Estado no Palácio Presidencial, em Luanda, durante a cerimónia de posse dos ex-políticos como administradores não executivos da Sonangol, liderada desde Novembro de 2017 por Carlos Saturnino, depois de João Lourenço ter exonerado Isabel dos Santos.

Na ocasião, o chefe de Estado classificou ambos como “figuras de destaque da vida política angolana”, justificando com isso a nomeação que fez e que, convenhamos, mais parece um prémio de consolação, quase uma condecoração a título póstumo político.

“Figuras que desempenharam as mais altas funções no aparelho do Estado, são por isso uma referência na sociedade angolana e, a exemplo do que se faz também em outros países, não pretendemos desperdiçar a experiência que têm, a reputação que têm, para continuarem a servir o país noutras áreas, fora da política”, afirmou João Lourenço.

E, assim, se ficou a saber que é um prémio “fora da política”. Uma prateleira, necessariamente dourada, para que nada mais façam do que dar o nome e o prestígio a um governo, mesmo sabendo-se que poderiam ser eventualmente muito mais úteis como reserva moral e ética de um país em que faltam referências de estadistas que pensem pela própria cabeça.

Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia, Marcolino Moco, que regressa desta forma à vida pública não política após o afastamento e após anos de contestação ao regime de José Eduardo dos Santos, assumiu que será um “conselheiro” da administração da petrolífera estatal.

“Conselheiro” é um eufemismo (exactamente isso, uma figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis por meio de expressões mais suaves) para satisfazer o ego de todos aqueles que preferem ser assassinados pelo elogio do que salvos pela crítica.

“A primeira coisa que eu vou querer saber do presidente da Sonangol é porque é que temos esta crise de distribuição do combustível, particularmente no interior do país”, afirmou Marcolino Moco, referindo-se aos sucessivos casos conhecidos publicamente de postos de combustíveis sem gasolina ou gasóleo e querendo, dessa forma, mostrar que não é o que eles esperam que ele seja: um verbo-de-encher.

Em Novembro de 2017, Marcolino Moco assumiu-se surpreendido com a “coragem” do novo Presidente da República, afirmando que as decisões conhecidas visam “criar um mínimo de governabilidade” num poder “atrelado aos pilares de uma casa de família”.

A posição do advogado e histórico militante do MPLA, forte crítico da governação de 38 anos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, surgiu num artigo divulgado então, pelo próprio.

“É verdade que João Lourenço me surpreende pela coragem e rapidez; mas surpreso andei eu todos estes anos a ver um país a ser montado à volta de uma família única, quando só se ouviam louvores de tribunas e painéis de entidades notáveis”, criticou ainda o advogado que durante 1992 e 1996 foi primeiro-ministro de Angola, na Presidência de José Eduardo dos Santos.

Já Lopo do Nascimento, que foi primeiro-ministro entre 11 de Novembro de 1975 (proclamação da independência) e Dezembro de 1978, além de secretário-geral do MPLA, partido no poder, criticou em 2017, antes das eleições gerais de Agosto, a continuidade de José Eduardo dos Santos na presidência do partido.

“Acho que não será uma boa coisa se ele se mantém como presidente do MPLA, porque gera um poder bicéfalo”, disse Lopo do Nascimento, numa entrevista em Março.

Em todo este processo, Marcolino Moco claudicou, desiludiu, ajoelhou-se e, por isso, teve de rezar junto do altar agora ocupado (apesar da fraude eleitoral que Moco sabe ter existido) por João Lourenço.

Fomos todos enganados. Fomos. No dia 7 de Janeiro de 2017, Paulo de Morais (Professor Universitário, ex-candidato às eleições presidenciais em Portugal e Presidente da Frente Cívica) escrevia aqui no Folha 8:

“É com homens como Marcolino Moco que Angola tem de arrancar para um outro futuro. Só homens amantes mais do seu povo do que do poder ou dinheiro, poderão desviar Angola do percurso suicida em que se encontra esta comunidade colectiva. Angola necessita de uma Perestroika à africana, liderada por um novo Gorbatchov que mude o rumo político deste que é um dos mais belos e ricos países do mundo. Esta mudança de rumo tem de ter lugar sem violência ou guerra, sob a tutela de uma comissão internacional do tipo da “Verdade e Reconciliação “que Mandela instituiu na África do Sul.

Cabe a pessoas com vontade, vigor e perseverança e autoridade política encontrar os caminhos do futuro de Angola. Marcolino Moco, face às posições críticas que vem tomando face ao poder vigente, e a par dos mais desassossegados do MPLA, não pode virar as costas a este desafio.”

Infelizmente, por muito que volte a dizer que “caiu que nem um patinho”, Marcolino Moco virou as costas ao desafio, virou as costas ao Povo.

“Não posso atestar que o partido está a mudar. O que estou a fazer é para que amanhã não seja acusado de que me abriram a janela e eu não aceitei, é só isso. Nesta altura dou o benefício da dúvida ao candidato do partido”, afirmou Marcolino Moco no dia 21 de Agosto de 2017.

Questionado na altura sobre se admitia voltar a trabalhar directamente com o MPLA, e com João Lourenço, num eventual cenário de renovação da governação de Angola, Marcolino Moco não afastou a possibilidade: “Responder liminarmente a essa pergunta não posso. Haverá certamente aproximações, mais conversas. Ele felizmente garantiu-me essa abertura, a iniciativa foi dele, não foi minha. E, das conversas que tivemos, se ninguém as interromper, nós poderemos chegar a uma saída, a uma conclusão”.

Uma aproximação que, insistia Marcolino Moco, surgiu como benefício da dúvida quando o partido está em renovação, com a saída de José Eduardo dos Santos.

“Nunca quiseram saber das minhas críticas, pelo contrário. Recebi ameaças, o isolamento perante muitas pessoas. Agora, a testar o estrago que foi feito, há uma aproximação repentina à minha pessoa. Uma aproximação que eu não posso recusar, numa altura em que o candidato do partido já não é o mesmo”, disse.

Após encontros com João Lourenço que descreveu como “breves mas significativos”, Marcolino Moco conclui com o aviso: “Tenho 64 anos e não passo cheques em branco a ninguém. Voto na nação angolana, que ainda não está completa”.

Alguém (ainda) acredita em Marcolino Moco? Em tempos, muito recentes, escrevemos que Marcolino Moco “é uma das mais prestigiadas figuras de Angola, sobretudo da Angola que todos desejamos e que um dia destes floresça”. Não floresceu. Aceitar um cargo não executivo na Sonangol é sinónimo de que tudo não passou de uma quimera, bonita enquanto durou o sonho.

Folha 8 com Lusa

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