Adelino Cardoso Cassandra* | Téla
Nón | opinião
Podemos considerar, de ponto de
vista simbólico, as eleições legislativas que se realizaram no dia 7 de
outubro, em S.Tomé e Príncipe, tendo em conta os acontecimentos políticos,
anteriores e posteriores à realização das mesmas, como um autêntico plebiscito
informal para a escolha de dois caminhos, totalmente opostos, que o pais
deveria trilhar nos próximos tempos.
Por um lado, teríamos, caso o ADI
regressasse ao poder, o caminho de consolidação do processo de asfixia da
democracia e, por outro lado, caso a oposição ganhasse as referidas eleições
percorreríamos um caminho alternativo oposto, ou seja, o de aprofundamento da
democracia.
O conteúdo político, em termos de
mensagem eleitoral e praxis, durante toda a campanha eleitoral, e
posteriormente, tanto por parte do ADI como dos partidos da oposição,
denunciavam este dualismo polarizador inultrapassável.
Não recordo de nenhum outro
contexto eleitoral no país, mesmo em 1990 quando a constituição foi ratificada
em referendo, em que os campos, poder e oposição, estiveram tão distantes,
tendo como suporte reivindicativo a defesa da liberdade e da democracia como
bandeira eleitoral.
É óbvio que isto também teve
reflexos, como seria de esperar, na recomposição do nosso sistema
político-partidário e em termos de mobilização eleitoral, como resposta ao
propósito governamental do ADI de asfixia da nossa democracia, com o objetivo
de travar esta deriva autoritária.
Formou-se uma coligação,
pré-eleitoral, entre o PCD, a UDD e o MDFM que ganhou contornos mais
abrangentes, pós-eleitoral, incluindo o MLSTP na sua composição.
Por outro lado, a mobilização
eleitoral foi grande, contribuindo para baixar a abstenção para níveis
históricos no país, mesmo num contexto de escassez, material e financeira,
manifestada pelos partidos da oposição.
Isto quer dizer que, entre a
continuação de uma deriva autoritária e asfixiante e o resgate e defesa do
Estado Democrático de Direito, a maioria da população de S.Tomé e Príncipe
escolheu a segunda alternativa e correu para as mesas de voto em salvação da
democracia.
E isto foi tão evidente que,
mesmo após as eleições, a população manteve-se vigilante, controlando todos os
passos e procedimentos do atual Tribunal Constitucional do ADI, tendo em conta
casos de recurso contencioso enviados para o referido tribunal, em contradição
com acórdão anterior do mesmo tribunal, decorrente das deliberações da assembleia
de apuramento eleitoral geral.
Podemos concluir, pelo menos duas
coisas, tendo em conta os resultados destas eleições.
Em primeiro lugar que a defesa da
liberdade e, consequentemente, da democracia, depende sempre das populações. As
pessoas poderiam, sempre, preferir o caminho do ADI, de asfixia dos pilares da
nossa democracia tendo em conta, até, os meios, materiais e financeiros,
anormalmente exagerados, utilizados por este partido político nestas eleições
em contraposição com a escassez de meios demonstrada pelos partidos da
oposição. O povo escolheu a democracia em detrimento do autoritarismo, ou seja,
escolheu não legitimar, eleitoralmente, um caminho cujo objetivo era a
tentativa titânica de criação de condições de asfixia da democracia.
A segunda conclusão que podemos
tirar destas eleições é que o edifício da democracia é uma construção
extremamente difícil e duradoura, tendo em conta, até, a nossa situação
económica e sociocultural, e sujeita aos condicionalismos institucionais
prevalecentes bem como das características dos políticos que escolhemos para
nos representar. Por isso mesmo é que se torna, cada vez mais importante, a
fiscalização permanente sobre as decisões dos nossos políticos e sobre o estado
das nossas instituições.
Por tudo isto, não faz muito
sentido, e até acho que se trata de um exercício analítico esotérico, a
tentativa, por parte do próprio presidente da república e de alguns
protagonistas políticos do ADI, de criação de condições para a emergência de
uma suposta coligação entre esta força política – o ADI – e qualquer outro
partido da oposição porque, o que estava em jogo, nestas eleições, não era
somente a apresentação e discussão de projetos de sociedades alternativos
ou a reivindicação de um reposicionamento geoestratégico do país ou, ainda, a
apresentação de medidas sectoriais avulsas para a resolução dos nossos
principais problemas. Era algo muito mais estruturante. O que estava em causa
era muito mais do que tudo isto: era a própria democracia, ratificada
constitucionalmente em referendo de 1990, que, nos tornou, naquele contexto
temporal e histórico concreto, um caso singular entre os cinco países africanos
lusófonos.
E, neste âmbito, não se pode
negociar nem tolerar estados de alma, porque não se pode ser democrata às segundas,
quartas e sextas e, posteriormente, déspota às terças, quintas e sábados. A
democracia pressupõe crença, convivência diária e costumes, perspetivados sob a
inspiração de valores éticos, políticos e jurídicos e os nossos representantes
têm de ser os primeiros a criar condições para o seu aprofundamento e
consolidação paulatina.
O ADI acredita piamente, entre
outras coisas, que: a existência de um consenso político-partidário mínimo para
a instauração de um Tribunal Constitucional Autónomo é uma chatice; as tropas
de choque podem ser chamadas para expulsar os deputados da oposição do interior
da Assembleia Nacional; os juízes do Supremo Tribunal de Justiça podem ser
exonerados e aposentados compulsivamente quando decretam uma sentença contra os
interesses do referido partido; os deputados podem ser revistos por tropas
estrangeiras que entram e permanecem no país sem autorização da Assembleia
Nacional; a censura na rádio e televisão pública pode permanecer
indefinidamente como propósito de defesa de interesses políticos governamentais
e o presidente da república, ao contrário daquilo que é a sua principal função
constitucional, deve patrocinar, sucessivamente, soluções políticas especiais,
em defesa de um partido político, neste caso o ADI, em violação flagrante do
principio da igualdade de tratamento entre todos os partidos políticos.
Se os partidos da oposição, todos
sem exceção, andaram quatro anos a lutar contra estes atropelos à democracia,
sem resultados, condescendência ou compreensão do ADI, e transformaram este ato
na sua principal bandeira eleitoral, como é que estarão, agora, em condições de
fazer uma coligação com o próprio ADI para formação de um novo governo da
república, tendo como suporte diferenciador e antagónico uma questão tão
estruturante?
Como é que o próprio presidente
da república pode patrocinar uma coisa desta sabendo-se que, ele mesmo, como
árbitro e supervisor do nosso sistema político, nunca fez nada para impedir ou
minimizar o ímpeto asfixiante e avassalador do ADI sobre os pilares do nosso
edifício democrático, apesar de sucessivas chamadas de atenção por parte dos
referidos partidos da oposição e da própria sociedade civil?
Não basta, por isso, ao ADI,
pedir, agora, desculpas ao povo, por erros de governação. De que erros se tratam?
De erros relacionados com opções e decisões políticas legitimas que tomou? De
erros relacionados com atropelos à democracia?
Se os erros em causa estão
relacionados com opções e decisões políticas legitimas que o ADI tomou, então,
este perdão encerra ingenuidade, dissimulação ou um truque extemporâneo que
possa dar algum conforto político, agora, ao partido em causa, porque a
política é arte de se fazer o possível, de acordo com as convicções ou
interesses ideológicos em presença e as condições existentes. O ADI, como maior
partido, pelo menos eleitoralmente, do nosso sistema político-partidário, não
pode andar a arrepender-se das decisões políticas que toma, legitimamente,
porque isto mina a credibilidade e a confiança do referido partido e do próprio
sistema político junto do eleitorado. Se os partidos políticos passam a vida a
tomar decisões políticas legitimas e, depois, arrependem-se, considerando-as um
erro, o eleitorado deixa de acreditar neles.
Se, pelo contrário, os erros em
causa, estão relacionados com atropelos à democracia, então, a situação
parece-me mais grave, ainda, porque o ADI tinha, objetivamente, consciência
deles, até pelo facto ter sido alertado pela oposição e a própria sociedade
civil quando os praticou, e não se preocupou com as consequências de tal
propósito que incluem, eventualmente, a prática de ilegalidades com o único
propósito de se manter no poder.
Perguntar-se-á, então: e o
presidente da república que patrocinou, objetiva ou subjetivamente, estas
ilegalidades e manteve-se, sempre, ao lado do referido partido, apesar de
sucessivas chamadas de atenção por parte dos partidos da oposição e da própria
sociedade civil também vai pedir desculpas ao povo? Ele não será, neste
momento, um ativo tóxico, sem autoridade e independência no cargo que ocupa,
aos olhos da maioria da população Santomense, enfraquecendo, de forma quase
irreversível, a instituição que representa?
Por tudo isto, acho muito
improvável e até indesejável, a existência de condições, neste momento, para
que o ADI venha a fazer parte de uma eventual coligação governamental,
envolvendo qualquer partido da oposição, até, pelo facto de, se tal acontecer,
uma parte significativa das pessoas que votaram nestas eleições, nos referidos
partidos, poderem sentir-se traídas com tal propósito porque estes votos
parecem representar um caráter estratégico ou útil, de mudança, tendencialmente
dirigido para impedir ou rejeitar qualquer deriva autoritária no país.
Por outro lado, a viabilização de
um suposto governo do ADI, contando com o respaldo e aprovação do presidente da
república e apoio político, na Assembleia Nacional, de eventuais deputados da
oposição, principescamente comprados como se faz num mercado moderno de
escravos, poderia colocar em causa, no limite, o maior pilar da nossa
democracia representativa. E é isto que eu, ultimamente, ouço, da parte de
alguns simpatizantes e militantes do ADI, de forma encapotada e envergonhada,
quando sugerem que a atual oposição, em bloco, apesar de múltiplas
manifestações públicas, escritas e verbalizadas, de entendimento em torno de um
acordo de governação que os une, deveria provar este propósito político na
Assembleia Nacional.
Se tal facto (um governo da ADI
com deputados comprados da oposição), contudo, vier a acontecer, o epicentro da
contestação e revolta popular deslocar-se-á, rapidamente, das imediações do ADI
para a presidência da república e o país entrará num processo de instabilidade
política e social imprevisível. Não será mesmo isto que o ADI quererá?
Tenho dificuldades, contudo, em
compreender esta estratégia, tendo em conta as condições, política e
socioeconómica, prevalecentes no país, e não é crível que a tentativa de
resolução desta hipotética instabilidade, com recurso a um novo ato eleitoral,
num contexto temporal de curto prazo, traga vantagens significativas para o
ADI.
Vivemos, neste momento,
provavelmente, desde a instauração da democracia no país, o período mais
difícil da nossa vida comunitária e uma parte das causas da manifestação destas
dificuldades está diretamente relacionada com as armadilhas que o ADI montou,
durante os quatro anos da legislatura anterior, com o propósito de abalar os
alicerces da nossa democracia, como se de um pêndulo programado,
milimetricamente, se tratasse, com o objetivo de continuarem a usufruir de um
poder, quase absoluto, durante décadas.
O problema, todavia, é que
qualquer instrumento ou sistema, na linguagem de uma Ciência como a Física,
reage de acordo com as condições iniciais existentes. Um pêndulo, não seria
exceção. Determinada a inclinação e a velocidade inicial do referido pêndulo,
bem como as variáveis como o atrito e gravidade, o ADI interiorizou a ideia de
que saberia e controlaria em todos os instantes, a localização do pêndulo e que
todos os movimentos do referido instrumento seriam previsíveis.
Só que o pêndulo que o ADI
utilizou era imperfeito e desprezaram, como tal, o papel de outras variáveis no
referido instrumento o que determinou o caos que estamos, momentaneamente, a
viver e que ninguém sabe como controlar.
*Adelino Cardoso Cassandra
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