domingo, 27 de janeiro de 2019

O Cavalo-de-Tróia Guaidó ou quando o petróleo é mesmo o “excremento do diabo”



1- Em resultado da batalha global entre a hegemonia unipolar e a emergência multipolar, as disputas em relação ao petróleo e outras riquezas da Venezuela, o país que possui as maiores reservas mundiais de crude, entraram na sua fase crítica, depois da perda de capacidade geoestratégica dos Estados Unidos no Médio Oriente Alargado.

Os Estados Unidos contam desde logo com o domínio sobre a Arábia Saudita, o maior produtor mundial e “pedra-chave” na OPEP, em função do qual o campo de manobra do petrodólar se tornou tão vasto e a partir do qual tem sido possível estabelecer a usura internacional sobre os preços do barril, particularmente ao longo da última década,“atirando ao charco” muitos dos produtores que estão severamente dependentes de suas produções nacionais e foram deliberadamente vocacionados para a não diversificação de suas economias e circuitos financeiros de relacionamento internacional.

São os Estados Unidos que ainda em nossos dias têm a mão nas torneiras que dão acesso ao petróleo como aliciante para o desenvolvimento económico (conforme África experimentou com o “Africa Oil Policy Innitiave Group” numa altura em que o Médio Oriente Alargado era já sacudido pela destabilização sincronizada com as invasões do Pentágono), ou como factor de cruel penalização, tornando o petróleo num “excremento do diabo”!

O “petróleo para o desenvolvimento” foi a manobra prévia que levou ao surgimento do AFRICOM, instalado previamente à época da quebra do valor do barril para menos de metade!

Na Venezuela, a manobra de compressão económica e financeira foi preparatória, sobretudo desde a morte do Comandante Hugo Chavez e ao longo do primeiro mandato de Nicolas Maduro, a par da desestabilização cíclica com recurso a métodos próprios das “revoluções coloridas” e “primaveras árabes” ensaiadas noutras paragens, com a convicção de que com Nicolas Maduro no poder, começariam a chegar ao fim os dias da alternativa socialista e bolivariana, nos termos de sua luta pela independência, pela soberania, pela integração, pelo socialismo, pela solidariedade e pela democracia participativa e “protagónica”.


Continuam aptos para o saque das riquezas da Venezuela, impantes de seu poder sem ética, sem moral e corrosivo até à medula dos postulados até da própria democracia representativa que dizem metaforicamente advogar.

Continuam a procurar semear caos, terrorismo e desagregação, ao invés de encontrar soluções de paz e harmonia para toda a humanidade.

Continuam a semear novas Sírias, agora no outro lado do mar, por que ao invés de encontrar soluções de integração em processos articulados, equilibrados e justos, só têm vocação para os desequilíbrios, a subversão, a promoção de da injustiça, das tensões, dos conflitos e das guerras.

Continuam insensíveis à dignidade e determinação do povo bolivariano e suas legítimas aspirações de independência, soberania e protagonismo, barricando-se em representatividades que não passam de reflexos tentaculares, instrumentalizados e manipulados, do poder capitalista que em poucas mãos formatou o império da própria aristocracia financeira mundial.


2- Ainda que praticamente sem sair da extracção de matérias-primas, a Venezuela com Nicolas Maduro respondeu digna e galhardamente, tirando partido de outras riquezas naturais no “Arco de Orinoco”, tornando-o num reduto e numa referência económica e financeira obrigatória face à asfixia programada a partir dos Estados Unidos durante a administração de Barack Hussein Obama.

Uma parte da força financeira do Banco Central da Venezuela e das reservas minguantes que possui, tem origem nessa iniciativa, que procura novas articulações internas e internacionais com a instauração da cripto-moeda Petro e com o bolívar soberano.

É evidente que as novas articulações procuram espaços de apoio e relacionamento fora dos vínculos de manobra do petrodólar, integrando acções com os emergentes multipolares, em especial a China e a Rússia, mas também com o Irão, a Turquia, a África do Sul e outros fornecedores alternativos para as importações, também eles apostados em negócios noutras moedas sem ser no petrodólar…

A Índia tarda aparentemente em surgir, mas é um potencial recurso que inicia os primeiros passos entre os “rebeldes”emergentes multipolares que tendem a abandonar a padronização dos negócios indexados ao petrodólar.

No quadro dos BRICS o Brasil estaria nas hipóteses de articulação, até por causa da sua fronteira comum, todavia perante o volte face em curso, ela tornou-se impossível.

Ainda que não conseguisse diversificar aceleradamente a economia face à asfixia progressiva a que foi sujeito o primeiro mandato de Nicolas Maduro, de há um ano a esta parte as capacidades internas de resistência da Venezuela mobilizaram as iniciativas sobretudo em função do “Arco do Orinoco”, procurando vencer a inflação galopante resultante dos factores de ingerência artificiosos e manipuladores que derivaram para a desvalorização da moeda, para uma hiperinflacção, para a especulação e para a corrupção.

Então começou a montagem do cerco físico-geográfico à Venezuela, incrementado já em função do plano da administração de Donald Trump para a América Latina, revitalizando a Doutrina Monroe nos termos possíveis no século XXI: Colômbia, Brasil, Guiana (Esequibo), Curaçao, o espectro da NATO alastrando a ocidente, norte e oriente…

A decisão de privilegiar o capitalismo produtivo sintetizado no “the americans first” reorganizou os alinhamentos integrantes da revitalização da Doutrina Monroe, cujo alvo principal passou a ser a Venezuela, até por que os “lobbies”principais, conservadores e ultraconservadores, se tornavam mobilizáveis a partir sobretudo de estados poderosos como o Texas e a Flórida, já com tradição na sustentação republicana em relação à América Latina.

Houston e Miami têm tudo a ver com os fluxos de compressão a norte, América Latina adentro, também por que é nesses estados, no seguimento da “pedra angular” que é a Colômbia, onde se encontram recursos humanos, económicos e financeiros prontos para a manobra de asfixia e cerco à Venezuela Socialista e Bolivariana sob mandato do Partido Socialista Unificado da Venezuela e de Nicolas Maduro.

Para esse efeito, em Dezembro passado e segundo a Associated Press, Juan Guaidó conseguiu sair clandestinamente de Caracas e da Venezuela, para fazer contactos secretos em Washington, Colômbia e Brasil, a fim de concertar toda a estratégia a desencadear tendo em conta o momento tático de 10 de Janeiro de 2019, quando Nicolas Maduro foi empossado no seu segundo mandato.

A campanha em jeito de crescente guerra psicológica, acompanhou o seu movimento, sincronizando-se por completo com os planos de Donald Trump contra a Venezuela…

Agora para que ele possa progredir a sua saga mercenária e fazer progredir o golpe que leva o seu rosto, o golpe injectado do exterior, deitam mão a tudo a que podem deitar mão da Venezuela, tal e qual fizeram com o que era da Líbia que desapareceu impunemente e sem rasto nos cofres dos bancos dos poderosos, sobretudo nos bancos da Europa, reeditando saques próprios da pirataria em pleno século XXI.


3- A representada oposição sociopolítica e jurídico-institucional que se barrica por dentro do poder legislativo, a Assembleia Nacional da Venezuela, ganhou as eleições legislativas e agora vêem assim chegar a sua hora face ao momento táctico em que se tornou o início do segundo mandato de Nicolas Maduro, no quadro da sua legítima eleição e do seu legítimo empossamento e do seu governo constitucional.

Respeitar a Constituição da Venezuela não cabe na cabeça dos que, grosseiramente, apenas pretendem levar a cabo o golpe de estado conforme o modelo que têm seguido desde o início da década de 90 do século passado.

Tudo estava preparado de antemão pela administração de Donald Trump para a partir desse inusitado cavalo-de-troia lançar o “golpe de mão” inscrito no plano de Juan Guaidó, capaz de aglutinar os recursos que provenientes da Venezuela, eram capitais e activos no exterior, até por que possuíam um pretexto viável para tal: a CITGO.

A história de CITGO, sua interligação à estatal venezuelana Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) e as manobras nos Estados Unidos sincronizadas com a asfixia e o cerco à Venezuela Socialista e Bolivariana, possibilita a sua utilização como um arrogante “efeito boomerang” no momento oportuno, no momento táctico em que se tornou o início do segundo mandato de Nicolas Maduro na Presidência da República, com todos os desgastes já causados, como um enorme peso que, pela sua densidade, procura esgotar as energias dos progressistas venezuelanos tentando acabar com os tão legítimos sonhos libertários de Bolivar e de Chavez.

Os revolucionários venezuelanos, por muito legítimo que seja o segundo mandato de Nicolas Mauro na Presidência, estão acossados por múltiplas acções subversivas de natureza sociopolítica, económica, financeira e mediática, numa guerra psicológica ao nível das que são tecnologicamente possíveis no século XXI.

O papel da Organização dos Estados Americanos, o papel do “informal” Grupo de Lima inscreve-se nessa manobra de asfixia, cerco e golpe, pelo que os alinhamentos não estão isentos dos apetites sobre o petróleo da Venezuela e seu colar de interesses, influências e ingerências, ainda que ele seja hoje usado como “excremento do diabo” conjuntural e ao mesmo tempo cirúrgico, neste caso por via do eixo propiciado pelos enredos da CITGO em jeito de “efeito boomerang”na manobra indexada ao petrodólar sobre todas as demais moedas concorrentes.

A Grã-Bretanha, fiel aos desempenhos típicos das culturas anglo-saxónicas, recusa-se a entregar o ouro de Venezuela que se encontra em seu Banco de Inglaterra, pelo que é de esperar que venha a entregá-lo a Juan Guaidó, ou seja, encontra assim uma forma de roubar como um velho pirata das Caraíbas!

Com o Brexit a Grã-Bretanha pode vir mesmo a construir uma base na Guiana, naturalmente num dispositivo a leste contra a Venezuela progressista, em reforço de outras potencialidades da NATO na região (Colômbia a oeste e Curaçao a norte e junto da costa).

A proclamação de Juan Guaidó como Presidente Interino a partir da barricada da oposição em que se tornou a Assembleia Nacional da Venezuela, nutre um cavalo-de-troia vitaminado, procurando penetrar numa Venezuela asfixiada pela desvalorização da moeda nacional, a hiperinflacção, a especulação financeira e a corrupção, tudo isso conjugado pelas ingerências e manipulações do triângulo das Bermudas em que se tornaram Washington-Houston-Miami com seu espectro de oligarquias vassalas a sul, América Latina adentro!

Por fim juntam à sua ignomínia a cínica vassalagem duma Europa perdida em seus próprios labirintos e incapaz de definir até o seu próprio futuro, o futuro duma União Europeia que é representativa do capital e não dos povos.

Os anos de progresso em benefício do povo venezuelano, alcançado com o sucesso das missões que continuam em curso, nada contam para os condores de ocasião, que arrogantemente os desprezam e fazem deles tábua-rasa, por que sua visão de futuro para a Venezuela é a visão do saque a todo o custo.

Encontros secretos com o concurso de Juan Guaidó, motivaram seu papel e desempenho quer no Grupo de Lima, quer na Organização dos Estados Americanos.

As tensões globais desse modo transpostas para dentro da Venezuela procuram juntar às iniciativas do cavalo-de-troia, potencialidades de faca em manteiga derretida, pois um petrodólar à rédea solta, quando há tanta pressão provocadora e desgastante, estimula os aliciamentos inconfessáveis, desde logo dirigidos para dentro dos instrumentos do poder de estado que suportam o início do legítimo segundo mandato de Nicolas Maduro.

Há já alguns indícios que espelham as consequências das tentativas iniciais dos aliciamentos, escondidos na força de mobilização humana ao derredor da projecção meteórica de Juan Guaidó.


O coração da aliança cívico-militar tão pacientemente activo sob a direcção de Hugo Chavez e de Nicolas Maduro, apesar da asfixia e do cerco conseguirá resistir ao caudal que seguir-se-á ao cavalo-de-troia Juan Guaidó vitaminado na perspectiva do eixo que é o “efeito-boomerang” do CITGO enquanto o mais perverso dos “excrementos do diabo”?

Quando há cerca de um ano passei meteoricamente por Caracas tive a oportunidade de testemunhar a energia daqueles que em condições conjunturais tão difíceis levavam por diante os ideais de Bolivar e do Comandante Hugo Chavez, resistindo resoluta e lucidamente cinco anos depois do seu falecimento.

Nesses dias de luta, juntei-me a eles com a emocionada exaltação de quem um dia viveu outro momento tático tão importante como foi a independência de Angola e o cumprimento do Programa Mínimo do MPLA.

Face à aliança claramente impulsionada a partir de Washington, os revolucionários conseguirão manter a tão imprescindível unidade e coesão?

Quando um dia tal aconteceu numa Angola independente e numa situação algo similar, o génio de António Agostinho Neto fazia-se sentir mobilizando resolutamente os patriotas angolanos contra o poder perverso do “apartheid”: “somos milhões e contra milhões ninguém combate”, proclamava ele!

Se houver fragmentação quais serão as perdas, as consequências e o seu significado no sentido duma guerra psicológica assimétrica de imprevisíveis consequências América Latina adentro?

Os processos de integração e articulação dos emergentes que socorrem a Venezuela Socialista Bolivariana vão estar seguramente postos à prova como nunca antes, provavelmente nem sequer no Médio Oriente Alargado e nesse aspecto, os parâmetros da IIIª Guerra Mundial, com todo o seu caudal de novas tecnologias, armas económicas, armas financeiras, armas militares e armas indexadas às inteligências humanas e artificiais, vai-se duma forma ou de outra fazer-se sentir por que as placas tectónicas entre hegemonia unipolar e multilateralismo incidem em cheio sobre a Venezuela, justamente neste momento tático do início do segundo mandato presidencial de Nicolas Maduro!

Qualquer que seja a evolução, continuo a preencher o lugar justo que tenho vindo a assumir advogando a revolução venezuelana como antes advoguei a causa angolana integrando as próprias fileiras do movimento de libertação em África: “todos somos Venezuela”, por que tal como antes o “apartheid”, o condor neocolonial é por demais evidente na América Latina!

Cerrar fileiras na e em torno da Venezuela Socialista Bolivariana é dever de todos os progressistas do globo ávidos da lógica com sentido de vida e da paz que a barbárie mais uma vez procura inviabilizar!

Com a asfixia, o cerco e o golpe na Venezuela, mas numa conjuntura de retracção como nunca antes os Estados Unidos experimentaram, entendem assim algumas das razões profundas do muro-obsessão de Donald Trump na fronteira do México neste quadro de guerra psicológica assimétrica, desde já carregada de tensões, simbolismos e cortejo de velhos abutres que se abatem sobre o corpo vilipendiado da América?

Defendendo a Venezuela, defende-se a humanidade!

Martinho Júnior - Luanda, 26 de Janeiro de 2019

Imagens:
Um e dois: Nicolas Maduro é o legítimo Presidente da Venezuela;
Três: a quadrilha representativa dos piratas de turno nos Estados Unidos que impõe por todos os meios ilegítimos e inconstitucionais, o saque à Venezuela;
Quatro: A CITGO esá na charneira do projectado saque;
Cinco: o ouro da Venezuela depositado no Banco de Inglaterra, está pronto para os piratas do século XXI o entregarem às mãos dum Guaidó da ocasião que faz o ladrão.

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