Martinho Júnior, Luanda
1- Em resultado da batalha global
entre a hegemonia unipolar e a emergência multipolar, as disputas em relação ao
petróleo e outras riquezas da Venezuela, o país que possui as maiores reservas
mundiais de crude, entraram na sua fase crítica, depois da perda de capacidade
geoestratégica dos Estados Unidos no Médio Oriente Alargado.
Os Estados Unidos contam desde
logo com o domínio sobre a Arábia Saudita, o maior produtor mundial e “pedra-chave” na
OPEP, em função do qual o campo de manobra do petrodólar se tornou tão vasto e
a partir do qual tem sido possível estabelecer a usura internacional sobre os
preços do barril, particularmente ao longo da última década,“atirando ao
charco” muitos dos produtores que estão severamente dependentes de suas
produções nacionais e foram deliberadamente vocacionados para a não
diversificação de suas economias e circuitos financeiros de relacionamento
internacional.
São os Estados Unidos que ainda
em nossos dias têm a mão nas torneiras que dão acesso ao petróleo como aliciante
para o desenvolvimento económico (conforme África experimentou com o “Africa
Oil Policy Innitiave Group” numa altura em que o Médio Oriente Alargado
era já sacudido pela destabilização sincronizada com as invasões do Pentágono),
ou como factor de cruel penalização, tornando o petróleo num “excremento
do diabo”!
O “petróleo para o
desenvolvimento” foi a manobra prévia que levou ao surgimento do AFRICOM,
instalado previamente à época da quebra do valor do barril para menos de
metade!
Na Venezuela, a manobra de
compressão económica e financeira foi preparatória, sobretudo desde a morte do
Comandante Hugo Chavez e ao longo do primeiro mandato de Nicolas Maduro, a par
da desestabilização cíclica com recurso a métodos próprios das “revoluções
coloridas” e “primaveras árabes” ensaiadas noutras paragens, com
a convicção de que com Nicolas Maduro no poder, começariam a chegar ao fim os
dias da alternativa socialista e bolivariana, nos termos de sua luta pela
independência, pela soberania, pela integração, pelo socialismo, pela
solidariedade e pela democracia participativa e “protagónica”.
Continuam aptos para o saque das
riquezas da Venezuela, impantes de seu poder sem ética, sem moral e corrosivo
até à medula dos postulados até da própria democracia representativa que dizem
metaforicamente advogar.
Continuam a procurar semear caos,
terrorismo e desagregação, ao invés de encontrar soluções de paz e harmonia
para toda a humanidade.
Continuam a semear novas Sírias,
agora no outro lado do mar, por que ao invés de encontrar soluções de
integração em processos articulados, equilibrados e justos, só têm vocação para
os desequilíbrios, a subversão, a promoção de da injustiça, das tensões, dos
conflitos e das guerras.
Continuam insensíveis à dignidade
e determinação do povo bolivariano e suas legítimas aspirações de
independência, soberania e protagonismo, barricando-se em representatividades
que não passam de reflexos tentaculares, instrumentalizados e manipulados, do
poder capitalista que em poucas mãos formatou o império da própria aristocracia
financeira mundial.
2- Ainda que praticamente sem
sair da extracção de matérias-primas, a Venezuela com Nicolas Maduro respondeu
digna e galhardamente, tirando partido de outras riquezas naturais no “Arco
de Orinoco”, tornando-o num reduto e numa referência económica e financeira
obrigatória face à asfixia programada a partir dos Estados Unidos durante a
administração de Barack Hussein Obama.
Uma parte da força financeira do
Banco Central da Venezuela e das reservas minguantes que possui, tem origem
nessa iniciativa, que procura novas articulações internas e internacionais com
a instauração da cripto-moeda Petro e com o bolívar soberano.
É evidente que as novas
articulações procuram espaços de apoio e relacionamento fora dos vínculos de
manobra do petrodólar, integrando acções com os emergentes multipolares, em
especial a China e a Rússia, mas também com o Irão, a Turquia, a África do Sul
e outros fornecedores alternativos para as importações, também eles apostados em
negócios noutras moedas sem ser no petrodólar…
A Índia tarda aparentemente em
surgir, mas é um potencial recurso que inicia os primeiros passos entre
os “rebeldes”emergentes multipolares que tendem a abandonar a padronização
dos negócios indexados ao petrodólar.
No quadro dos BRICS o Brasil
estaria nas hipóteses de articulação, até por causa da sua fronteira comum,
todavia perante o volte face em curso, ela tornou-se impossível.
Ainda que não conseguisse
diversificar aceleradamente a economia face à asfixia progressiva a que foi
sujeito o primeiro mandato de Nicolas Maduro, de há um ano a esta parte as
capacidades internas de resistência da Venezuela mobilizaram as iniciativas
sobretudo em função do “Arco do Orinoco”, procurando vencer a inflação galopante
resultante dos factores de ingerência artificiosos e manipuladores que
derivaram para a desvalorização da moeda, para uma hiperinflacção, para a
especulação e para a corrupção.
Então começou a montagem do cerco
físico-geográfico à Venezuela, incrementado já em função do plano da
administração de Donald Trump para a América Latina, revitalizando a Doutrina
Monroe nos termos possíveis no século XXI: Colômbia, Brasil, Guiana (Esequibo),
Curaçao, o espectro da NATO alastrando a ocidente, norte e oriente…
A decisão de privilegiar o
capitalismo produtivo sintetizado no “the americans first” reorganizou
os alinhamentos integrantes da revitalização da Doutrina Monroe, cujo alvo
principal passou a ser a Venezuela, até por que os “lobbies”principais,
conservadores e ultraconservadores, se tornavam mobilizáveis a partir sobretudo
de estados poderosos como o Texas e a Flórida, já com tradição na sustentação
republicana em relação à América Latina.
Houston e Miami têm tudo a ver
com os fluxos de compressão a norte, América Latina adentro, também por que é
nesses estados, no seguimento da “pedra angular” que é a Colômbia,
onde se encontram recursos humanos, económicos e financeiros prontos para a
manobra de asfixia e cerco à Venezuela Socialista e Bolivariana sob mandato do
Partido Socialista Unificado da Venezuela e de Nicolas Maduro.
Para esse efeito, em Dezembro
passado e segundo a Associated Press, Juan Guaidó conseguiu sair clandestinamente
de Caracas e da Venezuela, para fazer contactos secretos em Washington,
Colômbia e Brasil, a fim de concertar toda a estratégia a desencadear tendo em
conta o momento tático de 10 de Janeiro de 2019, quando Nicolas Maduro foi
empossado no seu segundo mandato.
A campanha em jeito de crescente
guerra psicológica, acompanhou o seu movimento, sincronizando-se por completo
com os planos de Donald Trump contra a Venezuela…
Agora para que ele possa
progredir a sua saga mercenária e fazer progredir o golpe que leva o seu rosto,
o golpe injectado do exterior, deitam mão a tudo a que podem deitar mão da
Venezuela, tal e qual fizeram com o que era da Líbia que desapareceu
impunemente e sem rasto nos cofres dos bancos dos poderosos, sobretudo nos
bancos da Europa, reeditando saques próprios da pirataria em pleno século XXI.
3- A representada oposição
sociopolítica e jurídico-institucional que se barrica por dentro do poder
legislativo, a Assembleia Nacional da Venezuela, ganhou as eleições
legislativas e agora vêem assim chegar a sua hora face ao momento táctico em
que se tornou o início do segundo mandato de Nicolas Maduro, no quadro da sua
legítima eleição e do seu legítimo empossamento e do seu governo
constitucional.
Respeitar a Constituição da
Venezuela não cabe na cabeça dos que, grosseiramente, apenas pretendem levar a
cabo o golpe de estado conforme o modelo que têm seguido desde o início da
década de 90 do século passado.
Tudo estava preparado de antemão
pela administração de Donald Trump para a partir desse inusitado
cavalo-de-troia lançar o “golpe de mão” inscrito no plano de Juan
Guaidó, capaz de aglutinar os recursos que provenientes da Venezuela, eram
capitais e activos no exterior, até por que possuíam um pretexto viável para
tal: a CITGO.
A história de CITGO, sua
interligação à estatal venezuelana Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) e as
manobras nos Estados Unidos sincronizadas com a asfixia e o cerco à Venezuela
Socialista e Bolivariana, possibilita a sua utilização como um arrogante “efeito
boomerang” no momento oportuno, no momento táctico em que se tornou o
início do segundo mandato de Nicolas Maduro na Presidência da República, com
todos os desgastes já causados, como um enorme peso que, pela sua densidade,
procura esgotar as energias dos progressistas venezuelanos tentando acabar com
os tão legítimos sonhos libertários de Bolivar e de Chavez.
Os revolucionários venezuelanos,
por muito legítimo que seja o segundo mandato de Nicolas Mauro na Presidência,
estão acossados por múltiplas acções subversivas de natureza sociopolítica,
económica, financeira e mediática, numa guerra psicológica ao nível das que são
tecnologicamente possíveis no século XXI.
O papel da Organização dos
Estados Americanos, o papel do “informal” Grupo de Lima inscreve-se
nessa manobra de asfixia, cerco e golpe, pelo que os alinhamentos não estão
isentos dos apetites sobre o petróleo da Venezuela e seu colar de interesses,
influências e ingerências, ainda que ele seja hoje usado como “excremento
do diabo” conjuntural e ao mesmo tempo cirúrgico, neste caso por via do
eixo propiciado pelos enredos da CITGO em jeito de “efeito boomerang”na
manobra indexada ao petrodólar sobre todas as demais moedas concorrentes.
A Grã-Bretanha, fiel aos
desempenhos típicos das culturas anglo-saxónicas, recusa-se a entregar o ouro
de Venezuela que se encontra em
seu Banco de Inglaterra, pelo que é de esperar que venha a
entregá-lo a Juan Guaidó, ou seja, encontra assim uma forma de roubar como um
velho pirata das Caraíbas!
Com o Brexit a Grã-Bretanha pode
vir mesmo a construir uma base na Guiana, naturalmente num dispositivo a leste
contra a Venezuela progressista, em reforço de outras potencialidades da NATO
na região (Colômbia a oeste e Curaçao a norte e junto da costa).
A proclamação de Juan Guaidó como
Presidente Interino a partir da barricada da oposição em que se tornou a
Assembleia Nacional da Venezuela, nutre um cavalo-de-troia vitaminado,
procurando penetrar numa Venezuela asfixiada pela desvalorização da moeda
nacional, a hiperinflacção, a especulação financeira e a corrupção, tudo isso
conjugado pelas ingerências e manipulações do triângulo das Bermudas em que se
tornaram Washington-Houston-Miami com seu espectro de oligarquias vassalas a sul,
América Latina adentro!
Por fim juntam à sua ignomínia a
cínica vassalagem duma Europa perdida em seus próprios labirintos e incapaz de
definir até o seu próprio futuro, o futuro duma União Europeia que é
representativa do capital e não dos povos.
Os anos de progresso em benefício
do povo venezuelano, alcançado com o sucesso das missões que continuam em
curso, nada contam para os condores de ocasião, que arrogantemente os desprezam
e fazem deles tábua-rasa, por que sua visão de futuro para a Venezuela é a
visão do saque a todo o custo.
Encontros secretos com o concurso
de Juan Guaidó, motivaram seu papel e desempenho quer no Grupo de Lima, quer na
Organização dos Estados Americanos.
As tensões globais desse modo
transpostas para dentro da Venezuela procuram juntar às iniciativas do
cavalo-de-troia, potencialidades de faca em manteiga derretida, pois um
petrodólar à rédea solta, quando há tanta pressão provocadora e desgastante,
estimula os aliciamentos inconfessáveis, desde logo dirigidos para dentro dos
instrumentos do poder de estado que suportam o início do legítimo segundo
mandato de Nicolas Maduro.
Há já alguns indícios que
espelham as consequências das tentativas iniciais dos aliciamentos, escondidos
na força de mobilização humana ao derredor da projecção meteórica de Juan
Guaidó.
O coração da aliança
cívico-militar tão pacientemente activo sob a direcção de Hugo Chavez e de
Nicolas Maduro, apesar da asfixia e do cerco conseguirá resistir ao caudal que
seguir-se-á ao cavalo-de-troia Juan Guaidó vitaminado na perspectiva do eixo que
é o “efeito-boomerang” do CITGO enquanto o mais perverso dos “excrementos
do diabo”?
Quando há cerca de um ano passei
meteoricamente por Caracas tive a oportunidade de testemunhar a energia
daqueles que em condições conjunturais tão difíceis levavam por diante os
ideais de Bolivar e do Comandante Hugo Chavez, resistindo resoluta e
lucidamente cinco anos depois do seu falecimento.
Nesses dias de luta, juntei-me a
eles com a emocionada exaltação de quem um dia viveu outro momento tático tão
importante como foi a independência de Angola e o cumprimento do Programa
Mínimo do MPLA.
Face à aliança claramente
impulsionada a partir de Washington, os revolucionários conseguirão manter a
tão imprescindível unidade e coesão?
Quando um dia tal aconteceu numa
Angola independente e numa situação algo similar, o génio de António Agostinho
Neto fazia-se sentir mobilizando resolutamente os patriotas angolanos contra o
poder perverso do “apartheid”: “somos milhões e contra milhões
ninguém combate”, proclamava ele!
Se houver fragmentação quais
serão as perdas, as consequências e o seu significado no sentido duma guerra
psicológica assimétrica de imprevisíveis consequências América Latina adentro?
Os processos de integração e
articulação dos emergentes que socorrem a Venezuela Socialista Bolivariana vão
estar seguramente postos à prova como nunca antes, provavelmente nem sequer no
Médio Oriente Alargado e nesse aspecto, os parâmetros da IIIª Guerra Mundial,
com todo o seu caudal de novas tecnologias, armas económicas, armas
financeiras, armas militares e armas indexadas às inteligências humanas e
artificiais, vai-se duma forma ou de outra fazer-se sentir por que as placas
tectónicas entre hegemonia unipolar e multilateralismo incidem em cheio sobre a
Venezuela, justamente neste momento tático do início do segundo mandato
presidencial de Nicolas Maduro!
Qualquer que seja a evolução,
continuo a preencher o lugar justo que tenho vindo a assumir advogando a
revolução venezuelana como antes advoguei a causa angolana integrando as
próprias fileiras do movimento de libertação em África: “todos somos
Venezuela”, por que tal como antes o “apartheid”, o condor neocolonial é
por demais evidente na América Latina!
Cerrar fileiras na e em torno da
Venezuela Socialista Bolivariana é dever de todos os progressistas do globo
ávidos da lógica com sentido de vida e da paz que a barbárie mais uma vez
procura inviabilizar!
Com a asfixia, o cerco e o golpe
na Venezuela, mas numa conjuntura de retracção como nunca antes os Estados
Unidos experimentaram, entendem assim algumas das razões profundas do
muro-obsessão de Donald Trump na fronteira do México neste quadro de guerra
psicológica assimétrica, desde já carregada de tensões, simbolismos e cortejo
de velhos abutres que se abatem sobre o corpo vilipendiado da América?
Defendendo a Venezuela,
defende-se a humanidade!
Martinho Júnior - Luanda, 26 de
Janeiro de 2019
Imagens:
Um e dois: Nicolas Maduro é o
legítimo Presidente da Venezuela;
Três: a quadrilha representativa
dos piratas de turno nos Estados Unidos que impõe por todos os meios ilegítimos
e inconstitucionais, o saque à Venezuela;
Quatro: A CITGO esá na charneira
do projectado saque;
Cinco: o ouro da Venezuela
depositado no Banco de Inglaterra, está pronto para os piratas do século XXI o
entregarem às mãos dum Guaidó da ocasião que faz o ladrão.
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