Você, o estripador, na TV
A Opinião" de Fernanda
Câncio, na Manhã TSF – em 09.01.2019
Há um corpo no chão, junto a um
carro. Surgem dois polícias que o lançam, a jorrar sangue, para uma carrinha de
caixa aberta, onde está já outro cadáver. Enquanto o fazem, ouvem-se aplausos e
gritos: "Oh, coisa boa, valeu." "É Bolsonaro. É Bolsonaro."
O vídeo, que acaba com a imagem
de poças de sangue no passeio - calçada portuguesa, por sinal - foi partilhado
no Twitter, em novembro, por Alexandre Frota, então recém-eleito deputado
federal pelo partido de Bolsonaro.
"Já já coletivos e ONGs +
Direitos Humanos e ONU começam a dar chilique. Mas a limpeza precisa ser
feita", comenta Frota, em legenda das imagens.
O tweet tem mais de 20 mil likes.
Muitos comentários secundam o ex-actor porno, festejando a morte.
Mas há também quem se horrorize:
"Não estou acreditando no que li!!! Não consigo ter argumentos para
nada... só tristeza, tomara mesmo que exista um Deus e ele tenha misericórdia
de nós..."
E quem pergunte: "Não acha
que esse tipo de vídeo, assim como legenda, é ofensivo demais para ser postado
por um candidato eleito que prega que irá defender a família? E as crianças que
acessam isso?"
Frota não responde.
Noutros tweets, insulta, ameaça,
diz palavrões. É um festival de baixeza.
Em 2015, num programa de TV,
gabou-se, em risota, de ter violado uma mulher, deixando-a inconsciente. Mais
tarde, alegou ter inventado a história.
Em 2018, foi condenado a pagar 10
mil euros a Chico Buarque por lhe ter chamado ladrão e a uma pena de dois anos
em regime aberto por imputar a um deputado de esquerda homossexual declarações
- falsas - a favor da pedofilia.
É este extraordinário ser humano
que Manuel Luís Goucha terá hoje no seu programa de entretenimento, na manhã da
TVI.
"As voltas que a vida
dá!", dizia ontem Goucha, no Facebook, apresentando o convidado como
alguém que "foi actor e concorrente de reality shows e agora é
deputado".
De facto, a vida dá muitas
voltas. Faço este resumo sobre Frota porque o experiente apresentador não só
recebeu no seu sofá o nazi criminoso Mário Machado, como permitiu, decerto por
falta de informação, que um cadastrado condenado a mais de 19 anos por crimes
violentos mentisse sobre esses mesmos crimes.
Goucha, que no mesmo programa
lançou uma sondagem sobre se faz falta um Salazar, ficou indignadíssimo por o
acusarem de promover a extrema-direita e branquear um criminoso, anunciando até
o afastamento, por "falta de confiança", de quem convidara Mário
Machado. Agora, depois de um programa dedicado à questão "devem os
pedófilos ser castrados?" - por acaso uma bandeira da extrema-direita -,
vai ter outra jóia de rapaz de extrema-direita no seu sofá.
Não dá para perceber se a TVI
resolveu fazer do seu programa para idosos um laboratório de extrema-direita,
ou seja, de destruidores da democracia, ou se meteu na cabeça que isso lhe
melhora as audiências; se as ideias que o director de informação diz serem
"repugnantes e abjectas" surgem para a direcção de programas como a
sua receita de sucesso. O ponto é que, sendo o resultado o mesmo, o objectivo
não se distingue.
TSF
Sem comentários:
Enviar um comentário