Sindicalismo dá mostras de
vitalidade no centro do sistema. Jovens que ficaram de fora do “sonho de
consumo” impulsionam onda de protestos e greves, desde 2018. Eles já não querem
apenas salários melhores — querem voz na política
Rôney Rodrigues | Outras Palavras
Trump propagandeia que é o
responsável por um boom económico “sem precedentes” nos EUA. O
problema é que muitas trabalhadoras e trabalhadores não estão recebendo nenhum
pedaço desse grande “bolo de prosperidade” – se é que ele existe. Decidiram,
então, lutar por seus direitos, um fato insólito dado o frágil sistema de
direitos trabalhistas estadunidense. Por isso, o ano passado foi histórico para
os EUA, representando uma efervescência sindical depois de um refluxo de quase
cinco décadas.
Afinal, desde a metade dos anos
1970, começou-se uma fase de implantação de políticas neoliberais: além de
privatizações e desregulamentações, uma nova organização do trabalho:
fragmentação e terceirizações, acompanhadas da transferência de fábricas para
regiões com menos sindicatos e legislação trabalhista. Cresceram, também, os macjobs: empregos
temporários e precários, sem direitos e sem benefícios e mal remunerados que
exploram a força de trabalho principalmente de jovens, mulheres e imigrantes.
Mas vamos recapitular esse
intenso 2018 trabalhista dos EUA. Professores de dez estados
paralisaram suas atividades reivindicando melhorias na educação pública. Em Los Angeles , foram 300
mil, numa mobilização ruidosa, que tomou as ruas por várias semanas e
repercutiu em todo o país. O movimento Fight for $15, que exige que o
salário mínimo federal seja aumentado para 15 dólares por hora, ganhou força
nas ruas. Milhares de funcionários do Google entraram em greve contra o
comportamento inadequado de alguns executivos, acusados de assédio sexual.
Funcionários da rede hoteleira Marriott realizaram, conjuntamente,
greve em vários estados por melhores salários e condições de trabalho. O Black
Lives Matter, movimento organizado contra a violência sofrida pela população
negra, também está fortalecido e participou de vários atos pelos direitos
civis. A Amazon desistiu de construir uma sede em Nova York , fato
motivado, em grande parte, por uma série de denúncias contra suas práticas
antissindicais.
As grandes empresas parecem estrangular os
trabalhadores – e apesar, ou justamente por isso, cresce o apoio ao movimento
sindical. E quem está liderando essa aparente mudança no cenário político dos
EUA é justamente uma das faixas mais exploradas em trabalhos estilo macjobs:
jovens com menos de 35 anos, a conhecida Geração Millennials.
A nova cara dos sindicatos
Essa “juventude sindicalista” é
composta, geralmente, por trabalhadores recém-ingressados no mercado com
dívidas estudantis, empregos instáveis e com alugueis caríssimos para pagar no
final do mês. Eles não veem outra opção a não ser buscar ferramentas
institucionais, como os sindicatos, para reivindicar melhores condições de
trabalho e de vida. De acordo com o Bureau of Labor Statistics dos
EUA, de 2016 para 2017, aumentou em 400 mil o número de novos sindicalizados
com menos de 35 anos, enquanto na faixa etária superior a essa se manteve
estável. No entanto, a taxa geral de adesão aos sindicatos estadunidenses está
caindo com o passar dos anos.
De
acordo com Steven Pitts, professor de trabalho da Universidade da
Califórnia, em entrevista para o Quartz at Work, três fatores podem
explicar essa mudança na composição dos sindicatos.
1-Algumas indústrias dos EUA com
forte taxa de sindicalização, como de empresas manufatureiras e de mineração,
estão se contraindo. “Se uma fábrica de aço for desligada”, afirma Pitts, “não
são apenas os empregos perdidos. Você também perde muitos sindicalistas ” —
alguns com décadas de ação e experiência.
2- Os jovens não se lembram das
décadas de 1970 e 1980, quando os sindicatos foram demonizados na
imprensa pelas grandes empresas e pelos políticos, acusados de “matar
empregos”, “fachada para gângsters” ou “antro de imigrantes”. Logo, não se
contaminaram por esse discurso conservador. O professor também vê um paralelo
entre a ascensão dos sindicatos e o ressurgimento do socialismo.
3-Trabalhadores de setores não
tradicionais, principalmente de serviços ligados a tecnologia, começam a formar
seus próprios sindicatos. Promovem comunicação direta com os jovens, por meio
de encontros presenciais e mídias digitais. Junto com a perda do poder de
compra, nos últimos anos, este diálogo amplia a adesão sindical.
O professor Pitts acredita, no
entanto, que o aumento da filiação sindical também é motivado pelo aumento da
oferta de empregos: em 2018, os EUA tiveram uma das mais baixas taxas de
desemprego em 50 anos, ao mesmo tempo em que não houve um significativo aumento
do salário real – e os custos de vida, como em saúde, educação e habitação,
aumentaram muito. Ou seja: mais pessoas empregadas com baixos salários resulta
em uma maior taxa de sindicalização.
Quais as estratégias de luta dos
sindicatos?
Quando Trump paralisou as
atividades do setor público estadunidense como chantagem para que o Congresso
aprovasse um financiamento para a construção de um muro na fronteira com o
México, Sara Nelson, presidente da Associação de Comissários de Bordo, uma das
mais conhecidas lideranças trabalhistas do país, defendeu arduamente que se
realizasse uma greve geral contra a política orçamentária do presidente, o que
agitou a militância sindical e os funcionários públicos federais. A Associação
de Educação de Professores de Milwaukee (MTEA) – que sempre se manteve distante
dos sindicatos e, muitas vezes, até entrando em choques com a população negra
estadunidense que atendia – recentemente reinventou-se. Quando o ex-governador
de Wisconsin, Soctt Walker, lançou um violento ataque às negociações coletivas
dos professores, aproximou-se da comunidade para promover uma visão igualitária
e uma educação inclusiva, inspirando outros professores em todo o país.
O que há em comum entre esses
dois episódios, e os vários protestos de 2018, é a aposta que a luta sindical
deveria ser feita também na esfera política, com negociações em setores mais
amplos da economia (ao contrário de antes, onde eram limitadas e fragmentadas
por estado, cidade ou empresa).
Nelson Lichtenstein, professor de
história da Universidade da Califórnia, entrevistado para um
especial da revista Dissent, analisa: os trabalhadores entenderam que,
se o capital está articulado sem fronteiras, eles também deveriam fazer o
mesmo. O desafio de agora, segundo ele, é construir um poder opositivo e
ativo em uma sociedade dominada pelo capital. Afinal, a cada dia, é
consenso entre os lideres sindicais que uma reforma da legislação trabalhista
estadunidenses é fundamental não somente para corrigir o regime de trabalho e
emprego precários, mas também como forma de combater a desigualdade econômica e
política no país.
Há um crescente consenso entre os
líderes sindicais de esquerda, acadêmicos e especialistas em políticas
públicas: a reforma da lei trabalhista fundamental é necessária não apenas para
corrigir um regime de trabalho e emprego quebrado, mas também para lidar com a
desigualdade econômica e política.
Ruth Milkman, socióloga do
trabalho, também em entrevista ao Dissent, destaca que durante muitos anos
era recorrente culpar os imigrantes pela precarização do trabalho nos EUA – uma
estratégia diversionista já sacada pelo movimento sindical, com exceções na
construção civil. Segundo ela, mesmo relativamente enfraquecidos, os sindicatos
continuam como o maior contrapeso organizacional ao poder do capital – e essa
renovação promovida pelos jovens millennials pode ser um componente
crucial para a própria renovação da esquerda estadunidense.
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