Diante da crise, e ao contrário
do Ocidente, país faz imensos investimentos em infra-estrutura e no consumo
interno. Consolidará capitalismo de Estado? Talvez – mas de nada serve examinar
sua experiência com as lentes do preconceito
Zhang
Jun | Outras Palavras | Tradução: Felipe Calabrez
Para o Ocidente, o ano de 2008
marcou o início de um difícil período de crise, recessão e recuperação
desigual. Para a China, 2008 também foi um importante ponto de inflexão, mas
seguido por uma década de progresso rápido que poucos poderiam ter previsto.
É claro: quando o banco de
investimento norte-americano Lehman Brothers entrou em colapso, desencadeando
uma crise financeira global, os líderes chineses ficaram profundamente
preocupados. Suas preocupações foram agravadas por desastres naturais —
incluindo fortes nevascas e tempestades de neve no sul, em janeiro de 2008, e o
devastador terremoto de Sichuan, cinco meses depois, que matou 70 mil chineses
– assim como revoltas no Tibet.
No começo, os temores da China
pareciam estar se tornando realidade. Apesar de sediar uma impressionante
Olimpíada em Pequim, em agosto daquele ano, seu mercado de ações despencou de
um recorde de 6.124 pontos para 1.664, em outubro de 2008, em uma queda
assombrosa.
Mas as autoridades chinesas
continuaram dedicadas a seu plano de longo prazo de rever o modelo de
crescimento do país, afastando-se de uma ênfase nas exportações e
adotando um projeto pautado pelo consumo interno. Na verdade a crise econômica
global serviu para fortalecer esse compromisso, ao ressaltar os riscos da
dependência chinesa da demanda externa.
Esse compromisso valeu a pena. Na
última década, muitos milhões de chineses somaram-se à classe média, que agora
reúne de 200 a
300 milhões de pessoas. Com um patrimônio líquido médio de 139 mil dólares per
capita, o poder de compra total desse grupo pode chegar a 28 trilhões de
dólares, comparado a 16,8 trilhões nos Estados Unidos e 9,7 trilhões no Japão.
A classe média da China já exerce esse poder. A China respondeu por 70% das
compras globais de luxo anualmente na última década. Embora a propriedade de carros per
capita seja cerca de metade da média global, desde 2008, os chineses têm
sido seguidamente os principais compradores de automóveis do mundo, superando
os norte-americanos. Em 2018, mais de 150 milhões de chineses viajaram ao
exterior.
Para as autoridades chinesas,
fomentar o surgimento de uma classe média tão formidável foi uma oportunidade
estratégica crucial. Como Liu He, o principal assessor econômico do presidente
chinês, Xi Jinping, escreveu em 2013,
a meta da China, antes da crise, era tornar-se um centro
de produção global; alcançar o objetivo atrairia capital internacional e
conhecimento. Depois de 2008, os imperativos estratégicos da China mudaram para
a redução do risco da dívida e o impulsionamento da demanda agregada. Ao mesmo
tempo, adotaram-se estímulos econômicos maciços para estimular o consumo e o
investimento doméstico, diminuindo assim a vulnerabilidade do país a choques
externos.
Como parte dessa iniciativa, a
China buscou realizar investimentos de larga escala em infraestrutura, como a
construção de quase 30 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade. O
aumento da mobilidade — somente no ano passado, a rede ferroviária transportou
quase dois bilhões de passageiros — facilitou muito os laços econômicos
regionais, impulsionou a urbanização e aumentou substancialmente o consumo.
Graças a esses esforços —
juntamente com fusões e aquisições de empresas estrangeiras, para adquirir
tecnologias-chave, e investimentos lucrativos em infra-estrutura nas economias
desenvolvidas — a economia chinesa quase triplicou em tamanho entre 2008 e
2018. O PIB chegou a 13,6 trilhões de dólares. Em 2008, era 50% menor do que o
do Japão; em 2016, 2,3 vezes maior.
Sim, desafios difíceis surgiram.
Os valores da terra e da moradia subiram, com os preços dos imóveis urbanos
subindo tão rápido que muitos temeram uma bolha. O crescimento do crédito gerou
mais riscos. No geral, no entanto, as políticas expansionistas deram suporte ao
rápido surgimento da China como uma potência econômica global.
Mas os líderes da China não
planejaram uma característica crucial desse padrão de crescimento, e que também
não foi pensada pela sua política industrial. As indústrias inovadoras focadas
no consumo, que mal existiam em 2008, estão impulsionando cada vez mais a economia
chinesa hoje.
A China é agora líder global em
comércio eletrônico e pagamentos móveis. Em 2018, os pagamentos móveis na China
totalizaram 24 trilhões de dólares — 160 vezes mais que nos EUA. Os bancos
estatais e as empresas petroquímicas, que eram as principais firmas chinesas em
2008, foram superadas pelo e-commerce e pelos gigantes da internet Alibaba e
Tencent. Empresas de Internet e tecnologia estão criando dezenas de milhões de
empregos por ano.
Enquanto isso, o desempenho do
setor manufatureiro — há muito tempo o principal motor do desenvolvimento da
China e ainda o maior empregador do país — enfraqueceu, prejudicado em parte
pelo rápido crescimento dos salários. O resultado foi uma mudança fundamental
na composição estrutural da economia chinesa.
No entanto, em vez de examinar
essa mudança — que não é captada em medidas tradicionais do PIB –, muitos
economistas concentraram-se em tentar criar buracos na narrativa de crescimento
da China. Um estudo recente da Brookings Institution, por exemplo, estima que a
economia do país é cerca de 12% menor do que os números oficiais indicam.
Essa atitude é contraproducente.
As mudanças que a economia chinesa sofreu na última década são amplas, sem
precedentes e essenciais. Seria mais proveitoso para o mundo que houvesse um
esforço para compreender tais mudanças, em vez da tentativa de provar que as
conquistas do país são menos impressionantes do que demonstra a realidade.
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