< Artur Queiroz*, Luanda >
A História de Angola está a ser reescrita por grupos de pressão política que visam o descrédito do país e das suas instituições. O caso mais flagrante desta realidade tem a ver com os trágicos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, o golpe de estado desencadeado por um grupo de contra revolucionários e racistas, cuja cabeça visível era Nito Alves. Tinham o apoio de várias embaixadas dos chamados países de Leste, com grande destaque para a embaixada da então União Soviética.
Vários órgãos de comunicação social,
em Angola e Portugal, andam desde
Ainda hoje o banditismo mediático põe a circular que o “regime” matou 80.000 pessoas no 27 de Maio. Os mais modestos falam em 30.000. A Comissão de Averiguação e Certificação de Óbitos da CIVICOP abriu uma repartição no Pavilhão Multiusos do Kilamba, em 2021, para receber pedidos de certidões dos familiares desaparecidos ou mortos. Quatro anos passados foram emitidos 3.248 certificados de óbito. E exumados 316 corpos. Estes números da CIVICOP referem-se a todos os conflitos políticos após a Independência Nacional e não apenas do 27 de Maio.
Apesar das aldrabices grosseiras e evidentes, os historiadores angolanos deixam passar em claro estes atropelos à verdade da História que é a verdade dos factos. A deturpação grosseira da própria História do MPLA também não mereceu sequer uma correcção por parte da direcção do partido.
Eu compreendo que estando os jornais da oposição angolana e os jornais portugueses “Expresso” ou “Público” (estes, pelo menos, têm colaborado activamente na falsificação do 27 de Maio) feridos de credibilidade, ninguém entre nós os leve a sério. Mas a mentira repetida muitas vezes, vira facilmente verdade indesmentível. Por isso, eu venho a terreiro denunciar as aldrabices, pelo menos as que mais ferem a minha sensibilidade e a memória de todas as vítimas dessa tragédia, que a todos tocou profundamente.
Ascensão do Professor
Nito Alves foi lançado por Agostinho Neto na direcção do MPLA. Tratava-se de um militante de segunda linha (era professor de posto) na I Região Político Militar do movimento Os propagandistas da sua figura dizem que foi para a guerrilha precisamente no ano em que acabou a guerrilha na I Região, em consequência da Operação Nova Luz. Bombardeamentos constantes com napalm e armas químicas (desfolhantes) destruíram as lavras. Acabou a comida.
Por terra avançaram milhares de militares portugueses. Artilharia, infantaria e tropas especiais (Comandos e paraquedistas). Os nossos guerrilheiros mergulharam nas matas impenetráveis dos Dembos. A população civil foi enviada, à força, para as sanzalas da Paz. Acabou a guerrilha e Nito Alves virou comandante.
Na sequência do 25 de Abril de 1974, ele foi enviado a Luanda para contactar as células clandestinas. Apresentou-se como “comandante” e nessa condição foi levado ao congresso de Lusaka.
As suas intervenções ultra populistas levaram-no directamente para a direcção de um movimento dilacerado pela Revolta do Leste (1972) e Revolta Activa (após o 25 de Abril de 1974). O jovem professor fez caminho como “comandante” e como dirigente. Até ultrapassou César Augusto “Kiluanji”, o então comandante da I Região Política e Militar do MPLA.
Jacob Cateano “Monstro Imortal” viu nesse jovem ambicioso um ponta de lança precioso para lhe abrir o caminho do seu sonho dourado: Ocupar o lugar de Agostinho Neto. “Monstro Imortal” foi o verdadeiro cérebro do golpe. Quem o conheceu bem, sabe que ele se dedicava a estudar até ao pormenor todas as acções golpistas que aconteciam em África.
“Monstro” fez tudo para conquistar poder na Frente Norte, mas chocou sempre com camaradas que lhe cortaram as vazas. Na I Região, Ingo e Kiluanji estão aí para explicar a sua trajectória. Da II Região, infelizmente, já quase todos os comandantes faleceram, Dois deles, Nzaji e Eurico, acabaram por ser assassinados pelos golpistas do 27 de Maio.
Degola dos Esquerdistas
Quando o MPLA abriu a sua delegação em Luanda, em Outubro de 1974, os Comités Amílcar Cabral (CAC), os Comités Henda e o Órgão Coordenador das Comissões Populares de Bairro enfrentavam os esquadrões da morte, organizavam a defesa dos musseques e divulgavam a doutrina do MPLA junto das massas. Mas deram a Nito Alves a direcção do Departamento de Organização de Massas (DOM) e todas essas estruturas ficaram sob o seu domínio. Os militantes dessas organizações de base foram de imediato reprimidos.
Nessa altura, Sita Vales era companheira de Nito e a sua mentora ideológica. Militante do Partido Comunista Português, Sita chamou a Luanda outros camaradas do seu partido e todos juntos iniciaram a caça aos “esquerdistas” dos comités Henda e CAC. Nito Alves usava um discurso populista, demagógico e racista que levava ao rubro os moradores dos musseques.
O DOM provocou a ruptura com as direcções dessas estruturas de base quando emitiu um comunicado no qual foram declaradas traidoras. No “Diário de Luanda” escrevi um editorial onde fazia a defesa desses jovens militantes. Nito Alves não perdoou e moveu os cordelinhos para que a direcção fosse demitida. E conseguiu que Filipe Martins, então ministro da Informação, demitisse Luciano Rocha e eu próprio. Para o nosso lugar foi nomeado Vergílio Frutuoso, militante do PCP e homem de confiança de Sita Vales. Frutuoso foi expulso de Angola na sequência do 27 de Maio.
Apoios ao Golpe
Agostinho Neto enviou Nito Alves a Moscovo, chefiando a delegação oficial do MPLA ao congresso do Partido Comunista da União Soviético (PCUS). Quando Nito regressou, vinha determinado a ocupar o lugar de Neto. E trazia apoios para o golpe. Sita Vales, entretanto travou-se de amores por José Van Dunem, usurpador do cargo de comissário político das FAPLA, após a morte do Comandante Gika. Através do novo casal foram mobilizados para elementos de proa das forças armadas, como o comissário político Bakallof que depois substituiu oficialmente o Comandante Gika. Zé Van-Dúnem foi de castigo pra o Luena. Algumas estruturas da UNTA (União Nacional dos Trabalhadores Angolanos), sobretudo alguns dirigentes, aderiram às “teses” de Nito Alves.
A sua doutrina era leviana e perigosa: “Só há igualdade e liberdade em Angola quando os brancos e os mulatos andarem a varrer as ruas”. Não explicou quem é que depois ia fazer operações nos blocos operatórios, dar consultas médicas, ia ensinar nas escolas e na universidade, quem ia fazer jornalismo, quem ia comandar os angolanos na guerra contra os invasores estrangeiros e seus aliados internos. O colonialismo ergueu barreiras quase intransponíveis de forma a impedir o acesso dos angolanos negros à Educação.
As massas exultaram. A UNTA propagou a boa nova. O ambiente ficou de cortar à faca. Saidy Mingas ousou denunciar o avanço dos nitistas e a preparação do golpe. Vários comandantes do Estado-Maior Geral das FAPLA apelaram a Agostinho Neto para que travasse os golpistas. Mas nessa fase já era muito difícil parar um movimento que tinha efectivo apoio das massas.
A Rádio Nacional de Angola foi infiltrada através do programa “Kudibanguela”. A nova direcção do “Diário de Luanda” publicava páginas inteiras de propaganda soviética. E o movimento golpista engrossava.
Queimados Vivos
Na madrugada de 26 para 27 de
Maio a rebelião avançou. Pela calada da noite, os golpistas foram a casa de
vários dirigentes, prenderam-nos e assassinaram-nos. Nessa noite, vários foram
queimados vivos. As fogueiras da Jamba começaram na madrugada de 27 de Maio de
1977, aqui
Vários dirigentes e comandantes foram despejados mortos ou a agonizar na lixeira da estrada do Cacuaco, junto ao Sambizanga, onde funcionou o mercado Roque Santeiro. Em poucas horas, Angola acabara de perder alguns dos seus melhores quadros. Saydi Mingas, Nzagi, Dangereux, Bula, Eurico, Garcia Neto, Hélder Neto e tantos outros. Estes mortos não são mentira. Não são ficção. São uma trágica realidade. O Estado-Maior Geral das FAPLA estava decapitado de alguns dos seus melhores comandantes. E o país enfrentando a guerra contra o regime racista de Pretória.
Picada do Marimbondo
Quando alguém mexe no ninho do marimbondo, a reacção é brutal. Os patriotas defenderam o país que tanto custou a erguer. Os cubanos tardaram em sair, apesar da insistência de Agostinho Neto, que perguntava ao general Risquet, que comandava as forças expedicionárias de Cuba, por que razão os blindados não saíam. E ele respondia: - Estão quase a chegar, estão quase a chegar. Mas o tempo passava e Risquet andava nervoso pelo jardim da casa de Agostinho Neto, no Futungo.
Neto, mais ríspido que nunca disse-lhe: - Faça sair imediatamente os blindados! Não acha que estão a demorar tempo demais? O general Risquet respondeu agastado: - Eles vão chegar. Se chegaram de Havana aqui, também vão chegar ao centro de Luanda. E, finalmente, deu ordens para que saíssem. Aqui começou a derrota dos nitistas.
A Rádio Nacional foi tomada pelos
golpistas logo nos primeiros momentos do golpe. Milhares de jovens acompanhavam
nas ruas os revoltosos, sem saberem da matança que eles tinham feito durante a
madrugada. Só Iko Carreira, ministro da Defesa, e o Comandante Xietu, chefe do
Estado-Maior Geral das FAPLA, e alguns oficiais próximos sabiam. Quando os
tanques finalmente chegaram, começou a contenção do golpe. As tropas do Governo
prenderam toda a gente que andava na rua.
Monstro Imortal foi apontado como o mentor do golpe pelos prisioneiros golpistas. Monstro, interrogado no Tribunal Marcial constituído no edifício do Ministério da Defesa, entregou de imediato Nito e Bakalloff. Só então se soube da verdadeira dimensão da tragédia.
Dezenas de jovens, presos nas ruas, foram enviados para o Leste de Angola e alojados num antigo Centro de Instrução Revolucionária (CIR). Nem houve a preocupação de saber se eles estavam implicados no golpe ou eram simples mirones. Sem abafos para resistir ao frio do Leste em Maio e mal alimentados, muitos sucumbiram.
Com mais esta tragédia foram vingados os comandantes do Leste, assassinados pelos golpistas. Até em Luena, capital da província, vários quadros do MPLA, oriundos de Luanda, foram assassinados, por vingança. De um e do outro lado acabaram por morrer alguns dos melhores quadros de um país que não tinha quadros. Ainda hoje estamos a viver as ondas de choque dessa tragédia.
Os golpistas assassinaram muita gente. Queimaram, vivos, alguns dirigentes. Desencadearam a fúria dos seus camaradas. Toda a tragédia que aconteceu de seguida foi da sua inteira responsabilidade. Tudo o que aconteceu na sequência do 27 de Maio é da exclusiva responsabilidade dos golpistas, estejam eles mortos ou vivos. E nesta fase não adianta falsificar a História e culpar as vítimas ou falar de milhares de mortos, porque isso é mentira. Não houve milhares de mortos. Basta verem o número de certidões de óbito emitidas.
Cães de Palha
A falsificação do 27 de Maio de 1977 começou em 1992, quando a Casa dos Brancos montou um cenário fantasmagórico para a UNITA ganhar as eleições, com a maior das facilidades. O Governo do MPLA foi acusado de massacres no 27 de Maio. A propaganda ia no sentido de derrotar o partido no poder, antes mesmo das eleições. A Comunicação Social em Portugal e nos países “amigos” repetia vezes sem conta que o MPLA ia perder as eleições, porque era essa a tendência registada em países onde o partido único foi poder, até à realização de eleições.
Mas o povo angolano não vai
Os mesmos actores de sempre querem vergar o MPLA para imporem um regime de cães de palha. É neste quadro que temos de analisar a intentona protagonizada pelo general Fernando Miala. Ele era uma espécie de Nito Alves, 20 anos depois. Mas a sua “tropa” também está por trás das diatribes de Carlos Pacheco e outros colonialistas ressabiados que montaram em Lisboa as suas tendas de calúnias e mentiras.
Nas “páginas sofridas” do historiador candongueiro Carlos Pacheco, publicadas em Portugal (onde mais podia ser?) é espezinhada a honra de Agostinho Neto e dos guerrilheiros do MPLA que se bateram contra o colonialismo em todas as frentes.
Agostinho Neto, o líder que guiou os angolanos até à Independência Nacional e ajudou a libertar toda a África Austral, é apresentado como um criminoso.
A matriz revolucionária do MPLA e a sua génese, o 4 de Fevereiro, são afogadas no lixo produzido pela PIDE e as organizações de propaganda do regime colonial-fascista de Lisboa, aliado aos nazis de Pretória e Salisbúria (Harare).
Se os responsáveis políticos de Angola (incluo os da oposição) continuarem indiferentes a todas estas manobras, desta vez os cães de palha vão mesmo para o poder. Por isso, a direcção do MPLA tem o dever moral de abrir os arquivos do 27 de Maio 1977 e publicar os depoimentos manuscritos e assinados, de todos os que pertenceram à direcção política e militar do golpe. Se não o fizer agora, as mentiras de Carlos Pacheco e seus mentores, passam a ser verdades indesmentíveis.
Ninguém vai repor a verdade histórica. Porque João Lourenço é o prolongamento da clique que desencadeou o golpe do 27 de Maio 1977 e foi derrotada. Ele foi premiado quando a direcção do MPLA lhe deu o primeiro lugar na lista de candidatos a deputados em 2017. Desde que foi eleito tem capitaneado a vingança dos golpistas e o ajuste de contas. Persegue as famílias de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Promove e premeia os golpistas vivo ou mortos, em nome da reconciliação e unidade nacional. É o fim.
Os golpistas sobreviventes chegaram ao Palácio da Cidade Alta. Mandam e comandam. Têm à disposição os cofres públicos para propalarem mentiras sobre o golpe militar do 27 de Maio. Ainda hoje o jornal português “Público” divulgou o escrito de uma tal Vânia Costa Ramos assim apresentada aos leitores: “Advogada admitida a exercer perante o Tribunal Penal Internacional; presidente da Associação Europeia de Advogados Penalistas; especialista em direito europeu e internacional e direitos humanos”.
Esta não recebe apenas em funje e
peixe seco. Mas é tão falsária como todos os outros. Nas aldrabices de hoje
inclui uma que já fez escola. Afirma que a DISA admite a morte de 15.000 pessoas
em consequência do golpe. Uma aldrabice infame. Nunca tal foi admitido por uma
instituição pública
Hoje fui informado do falecimento do Doutor Augusto Lopes Teixeira (Tutu). Amigos comuns confirmaram-me o óbito. Um combatente na guerrilha da Frente Leste. Fez parte do Governo de Transição em 1975. Ministro do Governo da República Popular de Angola. Reitor da Universidade Agostinho Neto. Membro do Conselho de Honra do MPLA. Não há petróleo e diamantes que paguem um angolano da dimensão do nosso Tutu. Guerrilheiro, político, académico e intelectual. Herói Nacional. A minhas condolências à Família, aos Amigos (particularmente ao General Mbeto Traça seu companheiro de luta na Frente Leste)) e à Direcção do MPLA.
* Jornalista
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