Daniel Horta Nova, um antigo
jornalista em vários jornais diários do Porto, caiu na rua e tem lutado não só
para dar conta da sua experiência quando foi sem--abrigo, como para auxiliar as
cerca de cinco mil pessoas que estão agora nessa situação.
Em 2017, Daniel Horta Nova
percorreu de bicicleta o país de norte a sul e fez um levantamento exaustivo da
realidade, tendo já no final desse périplo entregue na Assembleia da República
um abaixo-assinado com propostas para erradicar tal problema.
O antigo jornalista concluiu que
“o fenómeno dos sem-abrigo constitui um negócio para bastantes Instituições
Particulares de Solidariedade Social, mas não só”. “Há instituições a fazerem
diariamente telemarketing e a convencer os idosos a doarem o que quiserem,
desde cinco euros a dois mil euros, por exemplo, invocando ser para apoiar os
sem--abrigo, mas ninguém sabe qual o verdadeiro destino da maioria desse mesmo
dinheiro”, afirma Daniel Horta Nova, reclamando “a extrema necessidade de tais
instituições serem fiscalizadas, porque as contas, no final, muitas vezes não
batem certo”.
“A maioria das instituições
limita-se a distribuir comida e alguns produtos de higiene de que são meros
intermediários, mas não fazem mais nada, preferem manter as coisas como estão,
não só porque dão trabalho a resolver, como porque lhes interessa manter este
estado de coisas. Até para não aumentar as taxas de desemprego convém que
fiquem ocultos”, reforça o ativista, que tem fundado várias instituições para
estudar a situação das Vidas (Sem) Abrigo e em especial para tirar da rua quem
ali caiu e vai sobrevivendo no esquecimento.
Congratulando-se pelo facto de a
Assembleia da República ter acolhido diversas propostas daquele seu relatório,
Daniel Horta Nova frisa que é preciso dar relevância à “questão principal para
o problema de quem vive na rua, a sua saúde mental, para evitar que voltem a
cair na rua”.
“Essa foi a principal medida
adotada entre as que propus, mas também foram acolhidas a questão da
proximidade, isto é, para permitir maior assistência direta na rua, fazer ali,
na rua, a verdadeira triagem dos casos, das doenças e até mesmo da higiene,
porque é na rua, não nos gabinetes, que se constatam as realidades”, esclarece
também Daniel Horta Nova.
“As coisas estão muito
piores”
Autor do livro de poesia Farrapos
de Alma, que retrata bem primeiro o que sentiu e depois o que viu, Daniel Horta
Nova, de 58 anos, agora radicado em Portalegre, onde está a desenvolver um
projeto social de integração para os sem-abrigo, não tem dúvidas que “as coisas
estão muito piores, não só no Norte, no Porto em concreto, como em Lisboa, onde
ainda há dias [foi] surpreendido, na rua, com um ‘bairro social’ de papel e de
cartão”.
“Claro que agora em períodos
eleitorais sucessivos as coisas vão melhor um bocadinho e só por alguns dias,
fica sempre muito bem ir visitar os sem-abrigo e os pobrezinhos, bater à porta
da pobreza e dos desafortunados, mas depois volta tudo ao mesmo, eu posso
dizer, sem exagero, que é uma palhaçada, isto é mais um oportunismo”, diz
Daniel Horta Nova, reiterando que “a pobreza é um bom negócio para muito boa
gente, por isso as coisas não vão mudar”: “É preciso acima de tudo honestidade
e enfrentarem os verdadeiros problemas”.
Sugestão a Marcelo Rebelo de
Sousa
Daniel Horta Nova gostaria, por
exemplo, que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nas suas
visitas aos sem-abrigo, tão mediatizadas em direto nos principais canais
televisivos, optasse por “aparecer de surpresa, porque aí, sim, é que iria ver
a realidade”.
“Marcelo Rebelo de Sousa,
enquanto Presidente da República, aparece às vezes de noite aos sem-abrigo, eu
sei que nessas ocasiões a comida até é melhorada, dá uns abraços e uns
sorrisos, tira umas selfies, isso fica muito bem para as televisões, aliás, é
tudo muito bonito, mas depois as coisas ficam na mesma”, salienta Daniel Horta
Nova.
Por isso apela a que se “ouça
quem anda no terreno, não aqueles que só distribuem comida, sempre a olhar para
o relógio, a ver que nunca mais acaba o seu horário ou o seu turno, o problema
é não ouvirem pessoas competentes e dedicadas, como é o caso no Porto de um
homem excecional, o doutor António Pinto, técnico da Junta de Freguesia de
Campanhã”.
Com conhecimento de causa, até
porque integrou uma anterior comissão para dar apoio aos sem-abrigo, o
ex-jornalista salienta que “o Estado que decidiu investir, em 2009, 75 milhões
de euros para atacar o problema, foi o mesmo Estado que depois cancelou o
respetivo programa, em 2013, por falta de verbas, isto diz tudo da verdadeira
estratégia”.
“As coisas são muito bonitas no
papel, mas depois na prática ninguém sabe o que se passa e quase ninguém quer
saber o que se passa, só querem números, relatórios e estatísticas”, diz Daniel
Horta Nova, acrescentando que “na verdade, ninguém dá nada a ninguém, quer se
queira, quer não, a maioria das pessoas age só mais por interesses ou para
ficar bem na fotografia, deixam as pessoas morrer na rua, como aconteceu
recentemente com o Quim, no Porto, um amigo meu, em relação ao qual houve então
muitos apelos para o ajudarem”.
Jornal i (11.05.2019)| Na foto: Daniel Horta
Nova, um antigo jornalista / Zoom
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