Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
Silêncio, luta e inveja. E
sentido inverso. A crise de nervos que António Costa provocou na oposição à
Direita foi o golpe de teatro mais cómico (não fosse trágico) desta
legislatura. À memória, uma palavra batida: irrevogável. Só que, desta vez, a
dois para dançar o tango. Poder-se-ia dizer que Costa deu baile. Não fosse tudo
isto trágico, lá está.
Tragédia, desde logo, para a
confiança que qualquer cidadão deve entregar à classe política. Numa altura em
que falta apenas um par de semanas para as eleições europeias no contexto de
uma Europa desagregada e com a pirâmide invertida, assolada por populismos e
fascismos vários, esta chicana política à volta do tempo de serviço dos
professores é combustível para os que pensam que não há melhor remédio do que
um frasco de veneno. Construímos mais uma ponte para o irremediável, para a
falta de crença nos formatos representativos de poder, para a destruição dos
últimos alicerces da democracia e da política como ela deve ser entendida. A
nobreza foi-se e restam, trôpegas, as danças recreativas de salão.
O algoritmo de António Costa está
afinado. No momento em que precisava de afirmar a sua noção de estadista, não
só o consegue aos olhos dos incautos, como desterra para o silêncio a primeira
figura do Estado. O presidente da República silenciou-se e, também ele,
aproveitou para reforçar pela diferença a sua pose de responsabilidade. A
"win-win situation" para Costa e Marcelo, à boleia da incoerência
desmemoriada de Rui Rio e Assunção Cristas, líderes dos partidos-professores de
ruína nos tempos da troika da "PàF", agora inusitadamente de braço
dado aos sindicatos que sempre desprezaram.
António Costa simulou a sério a
crise que inventou, encostando PSD e CDS ao seu passado histórico e dando um
"boost" à campanha europeia de um PS refém de um candidato frágil e
de sondagens pouco animadoras, atirando números erráticos para a mesa com
centenas de milhares de euros de falibilidade, agitando a bandeira de contas
que nem seriam para esta legislatura e dependeriam sempre de negociação. E
fê-lo com a certeza de, ainda assim, ser inteiramente compreendido. O algoritmo
de Costa sabia bem que não jogava com a luta de classes mas com a inveja.
Nenhuma classe profissional toleraria (como desde logo se viu pelas
reivindicações de outros sectores da Administração Pública) que os professores
começassem a ganhar uma luta que é de todos. Um país com dor de cotovelo também
não.
Sabendo que nem BE nem PCP estão
interessados em coligações negativas, António Costa sabia que ganhava pela
cobiça e nervosismo dos outros. Era evidente que a oposição à Direita tentara
dar um salto maior do que a perna, desprezando o algoritmo do
primeiro-ministro. Composição e alquimia. As pessoas não são assim tão
fascinadas pela pureza das contas públicas apesar de já terem sofrido que
chegue à conta delas. O que não suportam mesmo é ver o vizinho a chegar primeiro
à meta que é de todos.
* Músico e advogado
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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