Camberra, 25 jun 2019 (Lusa) --
Um especialista australiano considera "um escândalo" que o Governo da
Austrália tenha desviado recursos dos seus serviços secretos do combate ao
terrorismo para espiar Timor-Leste em 2004, ao serviço dos grandes interesses económicos.
Clinton Fernandes, ex-militar
australiano e hoje académico com uma ampla bibliografia de textos sobre
Timor-Leste, considera que ao optar por espiar Díli quando estava em
negociações sobre o Mar de Timor, Camberra mentiu ao eleitorado a quem dizia
que estava a combater o terrorismo.
"É escandaloso que o então
ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer, tenha arranjado emprego
na Woodside", a petrolífera australiana com interesse no maior projeto do
Mar de Timor (o Greater Sunrise), "mas o maior escândalo é desviar
recursos do combate e prevenção do terrorismo para essa espionagem"",
afirmou o académico e investigador.
Ex-militar australiano e
responsável pela Timor Desk a partir de 1998, Clinton Fernandes esteve
destacado no Australian Army Intelligence Corps (AUSTINT) e é atualmente
professor de Estudos Políticos e Internacionais na Universidade de
NSW-Camberra, tendo publicado vários artigos e livros sobre Timor-Leste.
Recordando que a espionagem
ocorreu na década da "Guerra ao Terror", Clinton Fernandes refere-se
a um Livro Branco do Governo contra o terrorismo, no âmbito dos atentados em
Bali (2002) e na embaixada australiana em Jacarta (2004).
No documento indicava-se
"mais de 100 vezes" que o "terrorismo fundamentalista islâmico
era a maior ameaça" e que "a Indonésia era o maior alvo", com
vários membros do Governo a repetirem declarações de que "estavam a fazer
tudo para manter a Austrália segura".
"Mas acabaram por desviar o
que eram parcos recursos dos serviços secretos para espiar Timor-Leste",
disse Fernandes, que esta semana participa na conferência anual em Díli da
Timor-Leste Studies Association (TLSA), que decorre na Universidade Nacional
Timor Lorosa'e (UNTL).
Ainda que os serviços secretos
australianos tenham hoje "o maior orçamento de sempre", na altura
"isso não acontecia" e os recursos eram muito mais limitados, sendo
que a operação de Timor-Leste exigiu muitos recursos humanos e técnicos.
"Estás a dizer ao
público que estás a lutar contra o terrorismo e grupos radicais na Indonésia e
os oficiais de inteligência sabem que não é isso que estão a fazer. Esse, para
mim, é o escândalo", considera.
Clinton Fernandes falava à Lusa
numa altura em que um tribunal australiano está a julgar um ex-agente dos
serviços secretos australianos, conhecido como "Testemunha K" (a sua
identidade nunca foi revelada publicamente), e o seu advogado, Bernard
Collaery, acusados de conspiração pelas autoridades em Camberra, crime que tem
uma pena máxima de dois anos de prisão.
A "Testemunha K" divulgou
um esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em
escritórios do Governo timorense, em Díli, quando estava a ser negociado um
novo tratado para o Mar de Timor.
"Nenhum país gosta de
'whistleblowers' (denunciantes). Nenhum sistema de poder recompensa quem tenta
enfraquecer esse sistema. A Austrália não é única nisso e vai sempre acusar
qualquer 'whistleblower'", afirma.
"O maior problema, do ponto
de vista das autoridades é que se a 'Testemunha k' consegue escapar, o que
acontecerá com a testemunha J, L e M. Se for permitido a alguém sobreviver a
este tipo de revelação, isso pode dar força a outras", sustenta.
Por isso, considera o ex-oficial
da secreta australiana, o mais provável é que o tribunal dê razão à acusação e
que ambos tenham que cumprir penas de prisão.
"Penso que os dois vão
enfrentar a prisão. E o Bernard mais ainda. O K pode dizer que estava a seguir
o conselho do advogado, que é o Bernard", refere.
Para Clinton Fernandes, o caso
demonstra que a Austrália "está dominada pelos grandes bancos e pelas
empresas de energia" e que as prioridades das estruturas de inteligência
são desenhadas com base nesses interesses".
"O termo 'interesse
nacional' deve ser entendido simplesmente como cumprir os objetivos dos setores
dominantes. É um anacronismo enganoso que devemos abandonar a bem da higiene
semântica", comenta.
ASP // JMC
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