Camberra, 25 jun 2019 (Lusa) --
Um académico australiano disse à Lusa que a Austrália deveria pedir desculpa a
Timor-Leste e pagar reparações por violar em 1941 a neutralidade do
território, levando forças japonesas a uma invasão que causou até 60 mil mortos
timorenses.
"Não fico impressionado por
desculpas. Impressiona-me mais o pagamento de reparações e, no caso da
Austrália, acho que além da compensação pelos poços [no Mar de Timor] temos que
começar por 1941", afirmou Clinton Fernandes em entrevista à agência Lusa.
Clinton Fernandes recordou que os
japoneses "respeitaram a neutralidade de Macau" e "não tinham
intenção de atacar Timor", uma situação que mudou quando, a 17 de dezembro
de 1941, "uma força conjunta de soldados australianos, ingleses e holandeses"
chega a Timor-Leste.
"Violaram a neutralidade de
Timor Português e isso chamou os japoneses para Timor", afirmou.
"A consequência disso foi
que entre 40 a
60 mil timorenses morreram, em grande parte devido aos bombardeamentos feitos
por aviões internacionais a operar de bases australianas", disse.
Ex-militar australiano e
responsável pela Timor Desk a partir de 1998, Clinton Fernandes esteve
destacado no Australian Army Intelligence Corps (AUSTINT) e é atualmente
professor de Estudos Políticos e Internacionais na Universidade de
NSW-Camberra, tendo publicado vários artigos e livros sobre Timor-Leste.
Clinton Fernandes recordou que
"nunca foi feita uma investigação internacional sobre crimes de guerra
cometidos na altura" e que "seria bom as pessoas reconhecerem o que
aconteceu" nesse período da história.
Em vez disso, sustentou, tanto os
líderes australianos como os líderes timorenses têm preferido adotar
"linguagem mais doce", procurando deixar o passado no passado e
"tentando vender a imagem de que os timorenses e os australianos são
aliados históricos que lutaram lado a lado".
"Os pedidos de desculpa
servem como reconhecimento da verdade do que aconteceu. As lideranças dos dois
lados querem deixar imagens de bons parceiros e aliados sem reconhecerem o que
aconteceu", afirmou.
Para Clinton Fernandes o programa
de ajuda externa que a Austrália tem canalizado para Timor-Leste não chega para
compensar o que ocorreu no passado até porque, notou, "o programa de ajuda
externa é mais um subsídio à exportação".
"O maior recetor do programa
de ajuda externa australiana é a própria Austrália", afirmou.
O académico e investigador sobre
Timor-Leste criticou igualmente o facto de em vez das reparações terem sido
pagas pela Austrália, ter havido um programa alternativo de compensação pago
pelo Governo timorense.
"As reparações são pagas por
pessoas que cometeram ofensas a pessoas que as sofreram. Em Timor o governo
pagou alguma compensação e os ativistas ficaram tão interessados nos debates
sobre a lei de reparações, sobre quem deveria ser contabilizado como vítima,
que se esqueceram da justiça", disse.
"O Governo timorense sabia
que podia atirar dinheiro ao problema e os ativistas desistiram. Há muito
poucos que ainda falam de justiça, quase ninguém faz pressão para ter uma
campanha sistemática de identificar corpos em valas comuns, ou há pouca pressão
para identificar os restos de Nicolau Lobato, ou de outros", sustentou.
O investigador diz que estas suas
posições sobre o assunto o deixam "em minoria" entre os académicos,
que tentam evitar "criticas ao próprio Governo", procurando assim
"evitar ofender" e continuar a ter acesso aos líderes.
"Querem sentar-se às grandes
mesas, abrir conferências, estar ao lado dos ministros. (...) Querem que o
imperador lhe dê palmadinhas na cabeça", afirmou.
Por isso, acrescentou, prefere
direcionar o seu compasso moral para o seu próprio Governo australiano,
perceber o que foi feito e chamar atenção para as injustiças.
"Temos que distinguir entre
objetividade e neutralidade. Eu não sou neutral. Não gosto que as grandes
empresas usem o Estado para roubar petróleo e o único recurso de um pequeno
país, por exemplo", explicou.
"Mas sou objetivo. Consigo
tentar contar a verdade, reconhecer alguma corrupção em parte do Governo, ou
falar da forma como várias organizações em Timor-Leste estão mais preocupadas
com o seu próprio papel do que com a justiça económica. Mais preocupados em
fazer o que os financiadores querem. Continuo a focar-me, no entanto, mais no
meu próprio país", sublinhou.
ASP // JMC
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