O que resta de dois anos de
discussão e de medidas tomadas na sequência dos trágicos incêndios de 2017?
Quais dos responsáveis se chegaram à frente dizendo «sim, foram as nossas
políticas, a nossa acção que deixou o mundo rural à sua sorte»?
AbrilAbril | editorial
O que resta de dois anos de
discussão e de medidas tomadas na sequência dos trágicos incêndios de 2017?
Quais dos responsáveis se chegaram à frente dizendo «sim, foram as nossas
políticas, a nossa acção que deixou o mundo rural à sua sorte, que degradou os
meios necessários à prevenção e ao combate aos incêndios, que permitiu que os
interesses privados se sobrepusessem ao interesse público»?
As causas, ainda que
concorrentes, são por demais evidentes: as opções da política de direita ao
serviço dos interesses dos grupos económicos que povoam a região e o sector
agroflorestal, as imposições orçamentais da União Europeia, a obsessão pelo
défice, o enfraquecimento das funções sociais do Estado e a desvalorização dos
trabalhadores da Administração Pública. Eis o que está na origem da
vulnerabilidade tanto da nossa floresta como do nosso sector
alimentar e energético.
Mas o que dizer às vítimas que continuam
por indemnizar, àqueles cujo trabalho no sector agroflorestal é o de contribuir
para o potencial produtivo do país que continua por recuperar? Como explicar
que volte a crescer sem qualquer limite o eucalipto a partir da sua regeneração
natural, identificada que estava a necessidade de reflorestar com espécies
folhosas autóctones?
17 de Junho de 2017
mais de 250 feridos e 66 vítimas
mortais;
mais de 50 mil hectares de
floresta e explorações agrícolas ardidos;
500 imóveis afectados, 205
dos quais casas de primeira habitação;
prejuízos directos de 193,3
milhões de euros.
Seria de esperar que este
episódio trágico obrigasse a enfrentar estas questões com a firmeza necessária;
que se assumissem as opções políticas e se revertesse o rumo seguido. Porque,
enquanto se tenta passar a ideia de que «o Estado falhou», continua-se a
alimentar um equívoco: opções políticas não são erradas ou
acertadas; servem interesses distintos e muitas vezes contraditórios.
Se consideramos que defender a
floresta, a produção nacional e os pequenos produtores é a opção política que
melhor serve a nossa ideia de futuro, então temos que tomar outras opções de
fundo.
Não se trata de medidas e
legislação avulso para acalmar a indignação do momento. Ao longo destes dois
anos não foi reaberto qualquer serviço público encerrado antes de 2017.
Continuam a ser retirados apoios, ao mesmo tempo que se tenta colocar as culpas
nos pequenos proprietários rurais e encher noticiários com aqueles que se
comportam à margem da lei no que toca à reconstrução.
Nada é feito de estrutural no
sentido de repovoar o Interior. As pessoas vivem onde têm trabalho e, de
preferência, trabalho com condições, onde têm infra-estruturas públicas, onde
têm condições de mobilidade. Se no Interior não há gente para avistar os fogos,
muito menos haverá quem tenha condições para lhes fazer frente ou antes para
cuidar da floresta.
Mas ei-los nas televisões:
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa fazem a sua romaria às zonas afectadas
em homenagem às vítimas, e Assunção Cristas fala da «dor que não pode ser
esquecida». Mas esqueceu-se que foi o seu governo que de 2011 a 2015 decidiu cortes
superiores a 28 milhões de euros no orçamento do Instituto para a Conservação
da Natureza e das Florestas (ICNF) e da Autoridade Nacional da Protecção Civil
(ANPC). Sim, isso é mesmo melhor que se esqueça. Esquecermo-nos que foi o
governo do PSD/CDS e a então ministra das Florestas, Assunção Cristas, que
aprovaram a liberalização do eucalipto, que permitiram a
desvalorização do preço da madeira e o favorecimento dos interesses de grupos
económicos como a Altri, a Navigator e a Sonae.
Também Costa não quer
lembrar que a nacionalização já vem tarde e que a decisão de fazer
depender da iniciativa privada as comunicações da rede nacional de emergência
usada por bombeiros, INEM, PSP e GNR, entregando a gestão do SIRESP a
uma PPP, foi obra de quatro governos — António Guterres, Durão Barroso, Santana
Lopes e José Sócrates, este último com Costa na equipa.
Dois anos passados, devem ser os
portugueses a dizer: «sabemos quem são os responsáveis, que estão ao serviço de
interesses que são incompatíveis com o futuro que queremos para o nosso País.»
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