Diante da chegada de Boris
Johnson à liderança do Partido Conservador e de sua posse como
primeiro-ministro britânico, é comum os trabalhadores se perguntarem: “Como
isso aconteceu?”.
Johnson lidera o governo mais
conservador na história britânica, dedicado a uma saída “sem acordo” da União
Europeia (UE) que impactará de maneira devastadora os empregos, salários e
condições de trabalho. Ex-aluno da Eton College, uma escola britânica de elite,
que não consegue esconder seu desprezo pelas “camadas inferiores”, Johnson é
desprezado por milhões de trabalhadores. Ainda assim, ele agora ocupa o mais
alto cargo político e espera-se que convoque eleições gerais antecipadas para
garantir, com alguma chance, um mandato para deixar a União Europeia em 31 de
outubro e então implementar sua agenda de cortes de impostos para as grandes
corporações e os ricos.
Jeremy Corbyn é politicamente
responsável pela ascensão de Johnson e seu gabinete ministerial de ideólogos
thatcheristas. Ele atuou como um intermediário na formação do governo Johnson
ao suprimir todas as tentativas dos trabalhadores de realizar uma luta contra
as grandes corporações e seus defensores políticos.
Os quatro anos de Corbyn como
líder do Partido Trabalhista são uma experiência estratégica para a classe
trabalhadora britânica e internacional. Eles confirmam o papel crucial da
suposta “esquerda” em impedir qualquer desafio político à burocracia do Partido
Trabalhista e sindical, que age para policiar a luta de classes em nome da
classe dominante.
Em 2017, a primeira-ministra
Theresa May convocou eleições gerais antecipadas, calculando que ela
conseguiria reunir apoio político ao prometer garantir um acordo favorável com
a UE para o Brexit. Ao invés disso, o voto dos trabalhistas aumentou de 30%, em
2015, para 40% – o maior aumento nos votos trabalhistas desde Clement Atlee, em
1947. Os conservadores tiveram que formar um governo de minoria, que passou a
depender do apoio dos 10 deputados do Partido Unionista Democrático.
Não poderia haver situação mais
favorável para um líder do Partido Trabalhista lutar contra a direita blairista
e então combater os conservadores. Corbyn liderava uma onda de esquerda
anti-austeridade e anti-militarista que poderia tê-lo levado ao poder. Mas o
objetivo central de Corbyn era desviar todas as tentativas de expulsar os
blairistas enquanto ele adotava o programa principal deles. Corbyn permitiu um
voto livre sobre a guerra na Síria, aceitou a participação como membro na OTAN
e o sistema de mísseis nucleares, Trident, e insistiu que as autoridades na
esfera local administradas pelos trabalhistas impusessem lealmente os cortes
ditados pelos conservadores.
No auge de sua popularidade,
Corbyn agiu para suprimir toda a oposição aos blairistas. Em 2018, ele se uniu
com a burocracia sindical para se opor ao chamado para uma re-seleção
obrigatória de deputados blairistas, enquanto o número dois dos trabalhistas,
John McDonnell, organizou uma ofensiva de “chá e biscoitos” para ganhar o apoio
do centro financeiro de Londres.
Quando a crise dos conservadores
em torno do Brexit ameaçou a queda de May em abril deste ano, Corbyn
prontificou-se a salvar seu governo. Ele abandonou o chamado por eleições
gerais e começou a conversar com May para defender o “interesse nacional”. O
golpe final contra May foi deixado para a fração pró-Brexit de seu próprio
partido, que terminou com a chegada de Johnson ao poder, o segundo
primeiro-ministro conservador não eleito desde 2016.
Johnson lidera um governo que
continua profundamente dividido por causa do Brexit, formando uma maioria de
apenas três deputados. Corbyn, entretanto, entregou a iniciativa política de
seu próprio partido aos blairistas, que estão ocupados em uma caça às bruxas a
membros trabalhistas de esquerda sob falsas alegações de antissemitismo e
conspirando ativamente para tirar Corbyn da liderança do partido. Deputados
trabalhistas “contaram privadamente” ao Sun que a chegada de Johnson
ao poder “vai quase certamente ‘acelerar’ as tentativas de golpe para mudar o
líder dos trabalhistas. Um deles disse: ‘Ter Boris lá será bom para nós porque
vai acelerar o que tem que acontecer’”.
Os blairistas estão insistindo
que os trabalhistas devem se comprometer com a permanência na UE. Sua
perspectiva é a de um governo de união nacional com o Partido Liberal
Democrata, o Partido Nacional Escocês e o Plaid Cymru, o Partido do País de
Gales. Isso pode permitir que os conservadores vençam uma eleição antecipada no
terceiro trimestre em aliança com o Partido Brexit de Nigel Farage, que está
incitando uma campanha nacionalista centrada na traição da “elite de
Westminster” ao resultado do referendo de 2016.
Apesar de a maioria dos
simpatizantes trabalhistas terem votado para permanecer na UE, entre 26% e 34%
deles votaram a favor do Brexit, em sua maior parte nos centros da classe
trabalhadora no norte do país e que agora serão alvo do Partido Brexit nas
eleições. A combinação de confusão e desorientação geradas por Corbyn foi
expressa nas eleições europeias de 26 de maio, que fez o voto nos trabalhistas
diminuir 15%, tendo perdido apoio em regiões que haviam votado pela permanência
na EU para o Partido Liberal Democrata e para o partido xenofóbico de Farage em
áreas que apoiam o Brexit.
Johnson poderia até mesmo deixar
de convocar eleições se for verdadeira a alegação de Caroline Flint de que mais
de 40 outros deputados trabalhistas que apoiam o Brexit apoiariam seu governo
em uma votação parlamentar sobre a saída da UE. Sob a liderança de Corbyn está
totalmente excluída a possibilidade de a classe trabalhadora intervir segundo
seus próprios interesses na maior crise de governo enfrentada pelo imperialismo
britânico desde a Segunda Guerra Mundial.
O papel de Corbyn não é um caso
especial. Ele segue os passos políticos do Syriza na Grécia, que chegou ao
poder em janeiro de 2015 e jurou combater a austeridade da UE para depois impor
cortes ainda maiores do que os de seus antecessores de direita da Nova
Democracia. Em todos os lugares, a “esquerda” oficial, seja Corbyn no Reino Unido
ou Bernie Sanders nos EUA, trabalha para suprimir a luta de classes e entregar
a vitória política para a direita – de maneira que agora o Reino Unido tem o
seu equivalente político de Donald Trump ocupando o número 10 da Downing
Street.
Tudo depende de a classe
trabalhadora tirar as conclusões políticas necessárias.
O Partido Trabalhista é um
partido de governo imperialista e não pode ser transformado pela pressão da
base em um instrumento para se opor à austeridade, ao militarismo e à guerra.
“Esquerdistas” como Corbyn são leais defensores da classe capitalista. Eles
preferem expulsar seus próprios apoiadores do que se arriscarem a mobilizar um
movimento da classe trabalhadora que pode sair de seu controle.
Nem as pálidas panaceias
reformistas defendidas por Corbyn, a permanência na UE ou o Brexit conseguem
solucionar a enorme crise social que a classe trabalhadora enfrenta. O conflito
nos círculos dominantes em torno do Brexit é sobre aliar-se com os Estados
Unidos ou a Alemanha e a França em uma guerra comercial cada vez maior que
ameaça mergulhar o mundo inteiro em um conflito militar. A classe trabalhadora
pagará por uma austeridade cada vez maior em nome da competitividade global e
do crescimento da extrema direita.
Apenas um movimento unificado da
classe trabalhadora britânica, europeia e internacional pelo socialismo oferece
um caminho a seguir. Após décadas de supressão da luta de classes, o mundo está
testemunhando a expressão inicial de uma rebelião política contra os
descreditados partidos socialdemocratas e os sindicatos em uma onda de greves
em vários países. Denunciar a alegação de Corbyn de que ele representa uma
alternativa de esquerda abre o caminho para os trabalhadores do Reino Unido
ocuparem seu lugar nesse movimento emergente sob a liderança do Partido
Socialista pela Igualdade.
Chris Marsden | WSWS.org/pt
Foto: O primeiro-ministro Boris
Johnson chega à Downing Street [Crédito: Flicker – Number 10 Downing Street]
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