A tensão no Golfo Pérsico tem
vindo a aumentar, agravada pelo ataque a instalações petrolíferas da Arábia
Saudita - há precisamente uma semana - , e a possibilidade de um conflito com o
Irão será uma das questões relevantes da assembleia-geral da ONU, agendada para
a próxima semana. Mas, afinal, o que está em causa?
Que ataque foi este que aumentou
a tensão no Golfo Pérsico? Um ataque com drones contra refinarias em Abqaiq e Khurais,
que provocou incêndios nas duas instalações petrolíferas do gigante Aramco,
no leste da Arábia Saudita, maior exportador mundial de petróleo.
Na sequência deste ataque, a Aramco reduziu
a sua produção para metade, ou seja, menos cerca de 5,7 milhões de barris por
dia. Sendo que, no total, os ataques provocaram a suspensão de mais
de 5% da produção diária de petróleo bruto do mundo.
Além disso, as explosões
também interromperam a produção de gás, reduzindo o fornecimento de etano e
de gás natural no país para cerca de metade.
Os EUA mostraram-se de
imediato preparados para recorrer às suas reservas estratégicas de petróleo
para compensar interrupções no mercado do petróleo, em colaboração com a Agência
Internacional de Energia. Ainda assim, os preços do barril de petróleo
aumentaram mais de 10%, a maior subida desde 1991.
O ataque aconteceu numa altura em
que os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo tentam, há
meses, encontrar forma de limitar a oferta e estabilizar preços.
Na terça-feira, a Arábia
Saudita garantiu que a produção total de petróleo no país será retomada até ao
final de setembro, devendo até ser aumentada para 11 milhões de barris
diários, quando antes do ataque se situava em 9,6 milhões.
Porque foi reivindicado pelos Huthis?
Os Huthis, apoiados
politicamente pelo Irão, grande rival regional da Arábia Saudita, reivindicam
regularmente lançamentos de mísseis com drones contra alvos sauditas e afirmam
que agem como represália contra os ataques aéreos da coligação militar liderada
pela Arábia Saudita, que intervém no Iémen, em guerra desde 2015.
Um porta-voz militar dos rebeldes Huthis disse
que os Huthis enviaram dez drones para atacar as instalações
sauditas. E, dois dias depois do ataque, os rebeldes iemenitas Huthis ainda
ameaçaram lançar novos drones contra objetivos na Arábia Saudita.
O enviado especial da ONU para
o Iémen, Martin Griffiths, mostrou-se "extremamente preocupado"
pelo aumento esperado das tensões no Golfo Pérsico e defendeu ser necessário
encontrar uma solução política para a guerra civil no Iémen iemenita o
mais rápido possível.
Como reagiu a Arábia Saudita?
O príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman,
disse que tinha "vontade e capacidade" para responder ao "ataque
terrorista", numa conversa telefónica com o Presidente dos Estados Unidos
da América, Donald Trump.
A Arábia Saudita apontou o
dedo ao Irão, tendo o porta-voz da coligação militar que intervém no Iémen contra
os Huthis afirmado que as armas usadas no ataque tinham origem
iraniana, e decidiu aliar-se a uma missão de segurança marítima liderada pelos EUA para
combater as ameaças à navegação e ao comércio global.
Na quinta-feira, o príncipe
herdeiro saudita e o chefe da diplomacia norte-americana pediram à
comunidade internacional para se unir e enfrentar a "contínua ameaça do
regime iraniano".
Quem são os principais atores do
conflito?
Arábia Saudita, EUA e
Irão. O primeiro porque foi o atacado e, de imediato, reforçou a sua
proximidade em relação aos Estados Unidos e a sua rivalidade para com o Irão,
tendo mesmo afirmado estar preparado para "enfrentar e responder a este
ataque terrorista".
No caso dos Estados Unidos, a
situação deu protagonismo ao país como "rede" de reservas
petrolíferas e aumentou a vontade de interferir política e militarmente no
Golfo Pérsico. O secretário de Estado, Mike Pompeo, foi enviado para a
zona para fazer alianças e preparar o terreno.
Para o Irão, estes ataques
representaram um agravar das tensões com os seus adversários. Apesar de ter
negado sempre qualquer envolvimento, viram as sanções económicas de que já eram
alvo serem reforçadas pelos EUA e o bloqueio de venda de armas
prorrogado pela Alemanha. O governo iraniano advertiu oficialmente os Estados
Unidos de que vai responder de forma "imediata" a qualquer agressão,
reagindo assim à posição de Washington sobre eventuais represálias contra
Teerão na sequência dos ataques.
Como se posicionaram as outras
potências?
A Rússia pediu calma à
comunidade internacional para que não tire "uma conclusão precipitada".
Ainda assim, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin -- que deverá
fazer, em outubro, uma visita oficial à Arábia Saudita - propôs aos
sauditas que comprem um sistema de mísseis antiaéreos russo para defender o seu
território.
Já a China instou os EUA e
o Irão a "conterem-se" e a esperarem por uma investigação que
permita tirar conclusões. Admitiu estar muito preocupada com o impacto do
ataque na estabilidade e segurança do mercado internacional de fornecimento de
petróleo, já que é um dos maiores clientes do petróleo do Médio Oriente.
Enquanto a União Europeia
reiterou o apelo de "máxima contenção" a Washington e Teerão e
defendeu ser importante determinar a responsabilidade pelo "ataque
abominável". A França transmitiu solidariedade para com a Arábia
Saudita e decidiu enviar um grupo de especialistas para ajudar a
investigar responsabilidades. Reafirmou o compromisso com a segurança da Arábia
Saudita e a estabilidade da região e disse ser "relativamente pouco
credível" que o ataque tenha sido realizado pelos rebeldes Huthis do Iémen.
A Alemanha prolongou por
seis meses o seu embargo à venda de armas a Riade, decidido após o
assassínio do jornalista saudita Jamal Khashoggi, no outono de
2018, e o Reino Unido apoiou a posição dos EUA, defendendo a
necessidade de uma "resposta diplomática unida", em nome da
comunidade internacional.
Os Emirados Árabes Unidos
criticaram o Irão e admitiram que o ataque é uma escalada perigosa, apelando
aos países árabes e à comunidade internacional para ficarem do lado
da Arábia Saudita. Juntaram-se à coligação de segurança marítima liderada pelos EUA para
proteger a navegação e o comércio global, da qual fazem parte também o Reino
Unido, a Austrália e o Bahrein.
Já o Iraque refutou qualquer
ligação ao ataque, quando, inicialmente, órgãos de comunicação social
norte-americanos colocaram a hipótese de os drones terem sido disparados
daquele país. A Índia condenou o ataque, reiterando opor-se a todas
as formas de terrorismo, mas não referiu a possível origem do ato.
A Venezuela também condenou
as "ações violentas" e advertiu que põem em causa a paz da região e
a economia mundial. Afirmou estar solidário com povo e Governo da Arábia
Saudita.
Porque foi este ataque tão
grave para as relações EUA/Irão?
A tensão entre o Irão e os
Estados Unidos tem estado alta desde que o Presidente dos EUA, Donald
Trump, se retirou, no ano passado, do acordo sobre o programa nuclear do Irão
de 2015. O acordo de Viena determina o afastamento de Teerão do programa de
desenvolvimento de armamento atómico, tendo o Irão aceitado abandonar o
programa nuclear em troca do levantamento de sanções que afetavam a
República Islâmica.
Irão acusou os EUA de
violação do direito internacional pela saída unilateral do acordo e disse que,
para continuar a cumprir, os restantes parceiros - sobretudo os países europeus
- tinham de tomar medidas eficazes que garantissem os interesses de Teerão.
Sem respostas concretas, o Irão
começou a afastar-se dos compromissos e acabou por ultrapassar o limite imposto
sobre as reservas de urânio enriquecido. Em julho, realizou-se uma
nova reunião extraordinária para tentar salvar o acordo, mas sem a presença dos
Estados Unidos.
Entretanto, uma série de ataques
contra navios na região do Golfo Pérsico imputados pelos Estados Unidos ao Irão
levou os EUA a lançar a ideia de fazer uma coligação para que cada
país escoltasse militarmente os seus navios mercantes com o apoio dos militares
norte-americanos, o que proporcionaria vigilância permanente da área mantendo
o comando nas mãos dos Estados Unidos.
Os EUA pediram a adesão
da Alemanha, França e Reino Unido na missão de proteção do estreito
de Ormuz, mas os europeus rejeitaram a proposta e decidiram continuar a tentar
preservar o acordo nuclear com o Irão.
Após o arresto de um petroleiro britânico
pelo Irão, em julho, Londres decidiu escoltar navios civis de bandeira britânica no
estreito do Golfo de Ormuz e enviou um segundo navio de guerra para a região.
Como se posicionam as
organizações internacionais?
O secretário-geral da NATO
declarou-se "extremamente inquieto do risco de escalada" depois
dos ataques a instalações petrolíferas sauditas e acusou Teerão de "desestabilizar o
conjunto" do Médio Oriente.
Já a agência internacional
de energia assegurou que os mercados contam com reservas suficientes para 15
dias de procura mundial de petróleo e disse que essas reservas podem ser
utilizadas de forma coletiva numa situação de emergência, sendo mais
que suficientes para compensar qualquer alteração no fornecimento.
Para o terreno, a ONU enviou
uma equipa de peritos para conduzir um inquérito internacional sobre os
ataques na Arábia Saudita, tendo o secretário-geral defendido que seja travada
uma escalada do conflito.
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