Anselmo Crespo | TSF | opinião
A pergunta pode parecer retórica,
mas não é. A resposta pode parecer óbvia, mas é tudo menos linear. Que
utilidade têm os programas eleitorais dos partidos políticos? Que substância
têm e o que dizem sobre a linha política e ideológica de cada um deles? O que
os distingue? Quem cobra nas urnas, quatro anos depois, o que foi prometido
quatro anos antes? Quem compara os programas? Quem os lê? E quem os leva a
sério?
Confesso que esta é uma reflexão
que só faço de quatro em quatro anos - sempre que, em véspera de eleições e por
dever profissional, tenho de descarregar em PDF (antes era bem pior, tinha que
imprimir) centenas de páginas que vou lendo nas horas vagas, para me preparar
para a campanha que se avizinha. E esta é a primeira resposta a uma das perguntas
anteriores: estou absolutamente convencido de que os programas eleitorais são
lidos, sobretudo, por jornalistas - e nem todos -, pelos políticos -
provavelmente, nem todos -, por algumas corporações e empresas que precisam de
perceber o que aí vem e pouco mais. Admito que alguns eleitores com um
sentimento de dever cívico mais apurado passem os olhos na diagonal pelos
programas dos partidos, mas serão poucos.
E há bons motivos para isso.
Distinguiria os programas eleitorais em quatro géneros diferentes: os que
pretendem ser muito densos, cheios de números e contas para fazer passar a
ideia de rigor e de que o partido sabe exatamente o que está a prometer; os meramente
ideológicos, que não apresentam qualquer medida concreta e limitam-se a repetir
de quatro em quatro anos a mesma coisa, como se o país e o mundo não estivessem
em constante mudança; os que, tendo algumas medidas para apresentar, acham que
o melhor é acrescentar alguma "palha", só porque pode parecer mal
apresentar um programa eleitoral com poucas páginas; e os que prometem tudo,
até ao infinito e mais além, apenas porque sabem que não há qualquer risco de
terem de cumprir o que estão a prometer.
O que nos leva à questão da
substância. De cada vez que leio um programa eleitoral de um partido, não
consigo evitar lembrar-me dos discursos da Miss Mundo, quando o apresentador
lhe pergunta por que causas vai lutar se ganhar o título: "Paz para o mundo,
acabar com a fome e acabar com a guerra." É mais ou menos isto que dizem
os programas eleitorais dos partidos políticos. Numa análise muito simplista,
podemos dizer que todos - da direita à esquerda - estão de acordo no essencial:
é preciso colocar a economia a crescer para podermos baixar impostos, subir
salários, ter melhores serviços públicos, aumentar o nível de investimento
público e abater a dívida. É preciso que a justiça seja mais justa, que a
escola pública seja de qualidade e que o Serviço Nacional de Saúde responda de
forma mais eficaz aos utentes. É, mais ou menos, o equivalente ao acabar com a
fome, acabar com a guerra e alcançar a paz no mundo.
Eis-nos, então, chegados ao que
verdadeiramente distingue os vários programas eleitorais: o caminho para
alcançar um objetivo comum. É aí que reside verdadeiramente a substância dos
programas dos partidos em véspera de eleições. É que se à esquerda se idealiza
um Estado garantístico, na saúde, na educação e na economia, à direita
sonha-se, normalmente, com um Estado "libertador", de "serviços
mínimos", que cumpre um papel de regulador e que abre muito mais espaço ao
setor privado.
Torna-se, por isso, importante,
comparar os programas eleitorais dos vários partidos políticos - ou, pelo
menos, dos que andam cá há mais anos -, entre eles e de uma eleição para a
outra. E a grande conclusão a que é possível chegar é que, tirando um punhado
de promessas casuísticas, pouco ou nada muda na substância com que os partidos
políticos se apresentam a eleições de quatro em quatro anos. O que é estranho,
tendo em conta que o país leva já 45 anos de democracia e, durante todo este
tempo, ainda não foi possível colocar a economia portuguesa a crescer de forma
sustentada, cobrar menos impostos, utilizá-los, de facto, para criar serviços
públicos de qualidade, oferecer aos trabalhadores salários dignos, acabar com a
precariedade no mercado de trabalho e reduzir a dívida pública.
Mas quem é que cobra nas urnas o
prometido que não foi devido? A resposta está nos números da abstenção: cada
vez menos gente. O que responde, simultaneamente, à pergunta: quem é que leva a
sério os programas eleitorais dos partidos? Quase ninguém. É precisamente por
isso que os programas eleitorais não podem continuar a ser um mero formalismo
democrático que os partidos vão cumprindo, sabendo, de antemão, que pouco ou
nenhum impacto tem na decisão de voto dos eleitores.
É óbvio que o papel da
comunicação social - nesta como em tantas outras matérias - é muito importante.
No escrutínio que tem a obrigação de fazer, a cada eleição, sobre o que os
partidos escrevem nos seus programas. Na procura de explicações para as
promessas que são feitas. Ou na forma como pode ajudar os eleitores a decidirem
o seu voto. Mas o papel principal, neste caso, é mesmo dos partidos políticos,
que têm de perceber, urgentemente, que o problema não está apenas na forma como
transmitem a mensagem, mas na mensagem em si. Que não é por um programa
eleitoral ter 250 páginas que os eleitores os vão levar mais a sério.
É o conteúdo - ou a falta dele -,
mais do que a forma, que está a afastar os eleitores das urnas de voto. São os
resultados - ou a falta deles - que estão a destruir lentamente a nossa
democracia. Os programas eleitorais podem ser de uma enorme utilidade, assim os
partidos políticos saibam comprometer-se com estratégias credíveis,
responsáveis, que respondam aos anseios das populações e, mais importante
ainda, que sejam cumpridas. Para que, quando compararmos os programas
eleitorais quatro anos depois, tenhamos a sensação de que estamos a avançar, em
vez de estarmos sempre no mesmo sítio. Ou, pior ainda, a andar para trás.
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