Mesmo que nada tenha de
democrático, qualquer regime - hoje em dia - é tomado como tal desde que nele
se enquiste uma casta, tomada como representante do povo e dona do pote;
nesse regime, à plebe é reservada a tarefa de contribuir para o enchimento
do pote e a escolha, entre os membros da casta, daqueles que terão no
bolso a chave do pote, nos quatro anos seguintes.
Em Espanha, à morte de Franco
sucedeu o protagonismo de Adolfo Suarez, na transformação dos mandarins do
fascismo, em democratas de sempre. Para completar o aggiornamento, o PSOE
e a IU aceitaram a confraternização com a UCD/PP onde se encostaram os
fascistas reciclados como democratas; e, engoliram a presença de um rei,
continuador de uma monarquia abolida, por referendo, em 1931.
Desse ameno convívio, surgiu a
"magnânima" atribuição a catalães, bascos e galegos da possibilidade
de falarem as suas próprias línguas, banidas do espaço público por Franco,
quiçá inspirado em Escrivá de Balaguer, santificado após a sua morte. E o
território voltou a apresentar as suas diferenças culturais e nacionais através
das autonomias, unidas e reverentes perante o rei (quando este não andava a
caçar elefantes), da bandeira e por um parlamento com a designação medieval de
Cortes. Sublinhe-se que Espanha, de facto, nunca foi uma nação mas um
aglomerado de nações, normalmente unidas por um poder despótico e intratável
centrado em Madrid. A única nação ibérica que se tem mantido como estado-nação,
chama-se Portugal.
Ao contrário do que aconteceu na
Escócia onde um referendo foi feito sem incidentes nem repressão, o efetuado em
1/10/2017 na Catalunha aconteceu perante a oposição do governo de Madrid, que
se escuda numa Constituição que só aceita referendos desde que consentidos pelo
... governo nacional, tomando como marcados pela menoridade todos os povos
vassalos do Bourbón; e daí o caudal de brutalidades cometidas pela polícia
enviada por Rajoy, a que se seguiu a tutela financeira pelo célebre artigo
155º.
É evidente que as penas visam a
intimidação, a geração do medo nos catalães. Vai seguir-se um período de ações
políticas e de rua bem como disputas jurídicas que conduzirão à libertação dos
presos políticos. A própria sentença diz que o procés não foi um
golpe de estado; nem integrado num plano violento; que estava fora de causa uma
secessão imediata da Catalunha mas antes, uma pressão para que Madrid aceitasse
um referendo como o escocês; e que os independentistas constituem um movimento
de "convicções pacifistas".
Porém, o maior medo cabe ao
regime pós-franquista, obrigado a todas as formas de dissuasão e repressão,
pois sabe que uma independência catalã será o desabar de um castelo de cartas,
com novas independências, nomeadamente a de Euzkadi. Daí que toda a classe
política centralista se sinta ameaçada pelas pretensões de maior autonomia e
mesmo independência; e pressionada pela acutilância de nacionalistas
neofascistas vinda de grupos como o Vox. A Catalunha já anunciou ir
realizar outro referendo e, já ontem, a brutalidade policial se fez sentir em
Barcelona.
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