Antigo número dois da RENAMO,
Raúl Domingos, alerta para que não se despreze Mariano Nhongo, líder da
autoproclamada "Junta Militar" do partido. "A guerrilha, quando
tem motivação, é difícil de combater", avisa.
Não se deve ter uma postura
arrogante e desprezar Mariano Nhongo, o líder da
autoproclamada "Junta Militar" do maior partido da oposição,
a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). É o conselho de Raúl
Domingos, antigo número dois do partido, em entrevista à DW África.
Nhongo lidera um grupo de
guerrilheiros dissidentes, que contestam o líder da RENAMO, Ossufo Momade, e
ameaçaram recorrer às armas. Domingos alerta que o líder da "Junta
Militar" é um guerrilheiro "capaz, competente, conhecedor das matas",
que não deve ser ignorado, porque "a guerrilha, quando tem motivação,
é difícil de combater".
Raúl Domingos diz ainda que a
comunidade internacional também é culpada por o país não estar a alcançar
uma paz efetiva, estando "comprometida com o partido no poder", a
Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), por causa do gás.
Raúl Domingos (RD): Bom, em
primeiro lugar não colocava a questão da derrota, uma vez que houve fraude e
eleições fraudulentas não contam. Para mim, a fraude começa no recenseamento
eleitoral.
A oposição peca por ter ido a
estas eleições já de si fraudulentas. O ponto mais alto da fraude, sob o ponto
de vista do recenseamento eleitoral, foi em Gaza. Uma província que tinha 13
assentos passa a ter 22 assentos. Ao ganhar nove assentos, significa que a
população eleitoral de Gaza cresceu. Mas, de acordo com o Insituto Nacional de
Estatística, este crescimento populacional corresponde ao ano de 2040. Está
claro que, à partida, houve empolamento de números para justificar o resultado
que nos apresentaram.
DW África: Os ataques no
centro de Moçambique serão resultado deste cenário?
RD: Os conflitos pós-eleitorais
foram sempre resultado de eleições fraudulentas. Em 1999, a RENAMO teve a
maioria em seis províncias, mas, pelo exercício aritmético do STAE
[Secretariado Técnico de Administração Eleitoral], não ganhámos. Como solução
para estes conflitos pós-eleitorais, desenhou-se a possibilidade de
descentralização, criando condições de que quem ganha numa província possa
indicar o governador. Então, a partir daí o exercício da fraude foi feito com
outras contas, em que se conseguiu uma maioria qualificada para permitir que o
partido no poder continue de uma forma folgada. E isso há-de [significar]
a continuação da instabilidade política e militar, porque ainda há homens
armados por aí. A paz de que se fala é uma paz fictícia. Uma verdadeira paz
passa pela reconciliação e eleições livres, justas e transparentes.
DW África: O general
Nhongo constitui perigo ou não para o país?
RD: Muitas pessoas, ou por
desconhecimento ou por mero desprezo ou arrogância, acham que Nhongo não é
capaz disto ou daquilo. A minha experiência leva-me a dizer que a guerrilha,
quando tem motivação, quando tem implantação, é difícil de se combater. A
guerrilha tem combustível para se movimentar.
DW África: Conhece bem Mariano
Nhongo?
RD: Não o conheço. Mas, pelas
informações que tenho, em 1980, acho que era um jovem de 14 anos. Por estas
alturas deve ter 52 anos. Cresceu nas matas, fez-se comandante. No último
conflito, de 2012 a 2014, revelou-se bom guerrilheiro. O presidente Afonso
Dlhakama [ora falecido] confiou-lhe posições altas na hierarquia militar
naquele conflito. Sei que ele é um militar capaz, competente, conhecedor das
matas, e é bom não desprezar esses conhecimentos e procurar ver as questões
conflituosas e resolvê-las.
DW África: O que quer o general
Nhongo, na sua opinião?
RD: Infelizmente, não tenho
contacto com ele e não sei quais as suas reivindicações. Sei que, quando
ele apareceu, reivindicava algumas questões que se prendiam com o DDR
[Desmilitarização, Desmobilização e Reitegração] e com a estrutura do
Estado-Maior, que tinha sido desmantelada pelo presidente eleito.
DW África: O que se pode fazer
para que a Junta Militar pare os ataques?
RD: É preciso aproximá-los e ter
uma conversa com eles.
DW África: Qual seria exatamente
essa conversa?
RD: Saber quais são as
reivindicações deles, ver o que se pode acomodar e chegar a um
entendimento.
DW África: A verdade é que o país
voltou aos ataques. Qual a receita para que o país tenha uma paz efetiva?
RD: Eu chamo a comunidade
internacional para se conseguir uma paz efetiva. Porque, se estivermos
atentos ao que aconteceu durante a campanha eleitoral, vimos que a
comunidade internacional está comprometida com o partido no poder e não está a
olhar para os problemas do país. Não faz sentido que, durante a campanha eleitoral,
o candidato do partido no poder [a FRELIMO] fosse tratado ao mesmo tempo como
candidato e como Presidente da República. Em qualquer parte do mundo,
quando há campanha eleitoral, o Governo é de gestão.
A comunidade internacional,
através das empresas ligadas ao gás, interrompia a campanha para anunciar
pagamentos de mais-valias, certos acordos. Como é que se pode chegar a um
acordo com um candidato, sabendo que está numa corrida
eleitoral? Automaticamente, para a comunidade internacional, o resultado
já era conhecido. Eu acho que nestas eleições se brincou às eleições. Fomos às
eleições para o inglês ver, fomos às eleições a sabermos do resultado. A
pergunta é, porque gastámos tantos milhões de dólares se já sabíamos o
resultado?
DW África: Como avalia os acordos
de paz assinados entre o Governo e a RENAMO?
RD: Nada aconteceu até hoje.
Houve aquela cerimónia de 50 homens desmobilizados dos quais só seis entregaram
armas. Onde estão a outras armas? Portanto, tudo isso foi um espetáculo para se
ir à campanha com uma notícia, que é o acordo.
DW África: Se estivesse na RENAMO
nesta altura, como iria tratar do desarmamento e integração dos guerrilheiros?
RD: Se estivesse lá, seguramente
teria todas as informações que me permitissem agir. Mas agora estamos apenas em
suposições. Como não estou lá, não posso trazer aqui receitas. É preciso estar
lá para poder conhecer a situação e agir em conformidade.
Romeu da Silva | Deutsche Welle
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