quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMA EM ÁFRICA



“ENCONTRO MUNDIAL CONTRA O IMPERIALISMO”

"Pela vida, soberania e paz"

Caracas - Venezuela, de 22 a 24 de janeiro de 2020

A Venezuela Bolivariana é um inestimável património de vida, de soberania e de paz para toda a humanidade e como tal deve ser defendida por todos aqueles que trilham a lógica com sentido de vida, onde quer que seja a âncora de sua existência e por isso particularmente a partir dos mais obscuros rincões do planeta!

Desde África junto-me ao ENCONTRO MUNDIAL CONTRA O IMPERIALISMO, por que a resoluta alternativa à barbárie do império, é a civilização que luta pela vida, pela soberania e pela paz para toda a humanidade!

POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMA EM ÁFRICA

COMUNICAÇÃO

I

01- África é, em qualquer quadro de globalização que se procure sintetizar uma avaliação do estado do mundo, uma ultraperiferia onde persiste crónico subdesenvolvimento e todo o tipo de fragilidades e vulnerabilidades próprias dessa condição, agravadas desde os artifícios coloniais e particularmente desde a Conferência de Berlim realizada entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 (redundante da revolução industrial).

02- África foi alvo dum processo de descolonização tardio que não quebrou muitos dos expedientes de assimilação de raiz colonial, apesar da luta de libertação que terminou com a derrota do colonialismo português e britânico na África Austral durante a década de 70 do sáculo XX e o colapso do “apartheid” na África do Sul em princípios da década de 90 do século XX;

03- Por essa razão África, face ao império da hegemonia unipolar e seu sistema de vassalagens, “coligações” e “emparceiramentos”, é um dilecto campo de manobra neocolonial onde todo o pacote de acções da hegemonia se repercute intensamente, sem que haja resistências significativas, ou alternativas de vulto, inclusive em todo o tipo de transversalidades sociais.

04- Neste momento e nesse sentido, as políticas capitalistas neoliberais são instrumentalizadas pelos interesses do império de hegemonia unipolar, de forma a condicionar as nações, os estados e os povos do continente, mantendo o pendor extractivista de matérias-primas indispensáveis para as indústrias do leque propiciado pela revolução industrial, como pela revolução das novas tecnologias.




05- Esse é o modo operativo da devassa, em relação ao qual destaco entre outras coisas, intimamente associadas ou interligadas:

. A fragilização intempestiva dos processos antropológicos próprios, por via dos imperativos do modelo de globalização ao sabor do império;
. A fragilização dos processos de produção, sem que haja o florescimento das actividades industriais compatíveis com o século XXI;
. A sobre-exploração da força de trabalho (mão-de-obra barata ou em muitos casos quase escrava, ou escrava);
. A tendência para processos de dolarização das economias, particularmente as dependentes da exploração de petróleo e gás, assim como as mineiras (entre elas as do âmbito dos carteis dos diamantes, do ouro e da platina);
. A impossibilidade dos africanos terem voz activa sobre os mercados internacionais, inclusive onde eles, pela natureza dos seus produtos, têm maior peso, o que implica na imposição de valores ditados pelos compradores de outros continentes, subalternizando os produtores (factor que é aproveitado sobretudo pelas transnacionais que investem em África);
. Uma gritante ausência de estruturas e infraestruturas, o que influi nas dificuldades para os movimentos humanos e, com isso, promovendo assimetrias e dificultando os expedientes de comunicação e integração;
. A abertura de cada vez mais espaços nas praças económicas e financeiras, para o exercício do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, filiados nos interesses, ingerências e manipulações do império, como acontece por exemplo em Angola;
. O recurso a parâmetros de guerra psicológica “soft power” a fim de influenciar as elites e as sociedades africanas, ampliando o espectro das ingerências e manipulações sobre as nações, os estados e os povos-alvo, levando em alguns casos a penosas fracturas, divisões, ou mesmo à desagregação;
. O recurso a parâmetros de ciberguerra, sempre que justifiquem os interesses do império nos seus jogos africanos e em reforço dos seus expedientes cibernéticos e outros (entrosando processos “techint” a processos “humint”);
. A fermentação de jogos elitistas de inteligência, que inclui capacidades de manipulação entre contrários e de gestação de sínteses de conveniência (como o KAZA-TFCA, criado sobre os campos de batalha transfronteiriços do sudeste angolano);
. O recurso à legião estrangeira composta pelos “inimigos úteis” mobilizados em função da “coligação” dos Estados Unidos com as monarquias arábicas de tendência wahabita-sunita (sobretudo a Arábia Saudita e os Emiratos Árabes Unidos), fundamentalmente desde a destruição da Líbia em 2011 (redes da Al Qaeda e do Estado Islâmico, que em África tem como exemplo último a sangrenta expressão do Boko Haram em torno do Lago Chade, um lago em vias de desaparecer);
. A contínua pressão elitista sobre os estados, de forma a justificar as alianças de inteligência e militares propícias ao neocolonialismo e do âmbito das articulações instrumentalizadas pelo império da hegemonia unipolar, uma vez declarado o módulo de caos, terrorismo e/ou desarticulação, (ainda que ele seja de “baixa intensidade” é sempre de “geometria variável”), o que é sobremodo visível ao longo de toda a transversal este-oeste do Sahel, desde a Somália ao Mali;
. O reaproveitamento de quadros e cenários coloniais, como é o exemplo mais flagrante da “FrançAfrique” na África Ocidental;
. A subversão (em nome da “democracia”) do quadro de leis que regem desde os relacionamentos internacionais, à constitucionalidade das nações e estados africanos e de suas tuteladas democracias representativas;
. O crescimento exponencial de mensagens produzidas pelos processos dos media de conveniência sobre África, afogando a inferior capacidade de produção de mensagens dos africanos em relação a si próprios;
. A possibilidade de criar e recriar impactos antropológicos e culturais em regime de “soft power”, tirando partido do poder do império sobre as novas tecnologias e de forma a formatar uma mentalidade-padrão que impossibilite o conhecimento dos africanos sobre si próprios, de tão mergulhados que ficam entre alienações, ilusões, ingerências e manipulações;
. O aproveitamento das profundas alterações climático-ambientais provocadas pelo homem (e sobretudo pela acção do império cujo fulcro são os Estados Unidos, eles próprios autoexcluídos do Acordo de Paris), tendo em conta a expansão dos maiores desertos quentes do globo (cada vez mais sobreaquecidos) e a pressão sobre as regiões onde, em condições equatoriais e tropicais, há riqueza de água e espaço vital;
. A compressão sobre espaços vitais existentes em função das bacias de grandes rios (como o Nilo, o Níger, o Congo, ou o Zambeze), ou de Grandes Lagos (Vitória, Tanganika…), provocada pelos movimentos impressivos de culturas humanas de nomadização sobre as culturas humanas de sedentarização ali onde há propício espaço vital (o que faz aumentar o regime de tensões, como não deixa de acontecer na República Democrática do Congo e Grandes Lagos);
. A organização da sistematização das ingerências e manipulações, de forma estratificada mas expansiva, por parte do império da hegemonia unipolar, particularmente desde a implantação do AFRICOM, em 2007, que programou a viragem a favor do ciclo de dependências a partir da implantação dos mecanismos do poder do império na Líbia, em 2011.

06- A evolução global aponta para uma vulnerabilização e fragilização de África ainda mais intensa, num quadro de neocolonialismo e assimilação, que tudo aponta que se vai continuar a acentuar!


II

07- Impõe-se a África uma mudança de paradigma em resposta ao avanço neocolonial nos termos da globalização segundo o império da hegemonia unipolar, pelo que antes do mais, os africanos devem conhecer-se e reconhecer-se a si próprios, num esforço próprio vocacionado para um contínuo processo de resgate cultural progressista, tendo em conta os impactos culturais que procuram conduzir à sua perda de identidade por via de doutrinas, filosofias, alienações, ilusões, ingerências e manipulações estimuladas pelo império;

08- Essa recuperação de identidade numa trilha de lógica com sentido de vida que dê sequência à cultura criada pelo movimento de libertação em África, não se deve limitar ao próprio continente, mas vocacionar-se na vastidão das duas margens do Atlântico Sul, integrando os relacionamentos com os afrodescendentes espalhados pelo mundo e, em função deles, com os processos progressistas e de libertação sobretudo na América Latina e Caribe;

09- Esses relacionamentos tornam-se indispensáveis para gerar articulações capazes de comunicabilidade entre si, de forma a ampliar o conhecimento dos desafios e riscos que pendem sobre África, quer os que redundam da situação crónica de subdesenvolvimento, quer os que, em função disso, são aproveitados e reaproveitados pelo império, seus vassalos e “coligações” em todo o continente, região a região, estado a estado e comunidade a comunidade;

10- O arranque do conhecimento científico compatível com o abandono do improviso e do empirismo, torna-se indispensável aos africanos e para benefício dos africanos e da humanidade, num processo fora da esquadria dos elitismos sob influência do poder imperial e instalado pelos tentáculos de transnacionais, suas “think tanks” e carteis (de que é exemplo negativo o Botswana);

11- O conhecimento do processo dialético que envolve os factores físicos, geográficos, climáticos e ambientais, entrosados com os factores humanos, torna-se indispensável para gerar a vocação duma geoestratégia africana para um desenvolvimento sustentável, ao nível da União Africana e de forma a integrar num expediente comum, numa base de lógica com sentido de vida, todos os estados africanos, distribuindo ao mesmo tempo os papéis e funções de cada um;

12- A gestação duma geoestratégia de desenvolvimento sustentável, deve procurar valorizar prioritariamente, acima de quaisquer outros projectos transnacionais como por exemplo é o caso da Nova Rota da Seda que vai estimulando a Etiópia e o Quénia, a urgente necessidade de gestão sustentável dos recursos hídricos do interior do continente, ou seja, garantindo a longo e muito longo prazos, o bem-estar das futuras gerações;

13- É indispensável também o conhecimento antropológico e científico de culturas humanas de resistência, como por exemplo os khoisan, os hereros e os cuvales na África Austral, uma vez que essas culturas são por si fontes inspiradoras para um melhor aproveitamento do conhecimento científico em relação à natureza e ao homem, no sentido da implantação duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável em todo o continente, principalmente em regiões desérticas em expansão;

14- África deve fazer um esforço por se libertar da visão colonial de desenvolvimento, que tirou particular proveito de estratégias provenientes do mar para dentro do continente, procurando gerar como prioridade, a sustentabilidade em função dos imensos recursos hídricos e minerais do interior do continente, numa visão que parta do interior para o litoral;

15- A integração de tecnologias limpas garantes de sustentabilidade devem, em África, ao mesmo tempo garantir a participação das nações, estados e povos do continente, sobrepondo-se aos interesses das transnacionais;

16- Os estados africanos devem criar centros de saberes africanos e afrodescendentes, capazes de provocar o florescimento duma malha de entendimentos visando dinamizar uma plataforma comum transatlântica e para dentro dos continentes de África e América, com reciprocidade de vantagens e de saberes, sobretudo em termos de ciências e investigações críticas;

17- Para esse mesmo efeito os estados africanos devem estabelecer cada um deles a sua própria plataforma de integração e intercâmbio universitário e de seus institutos superiores, visando a dinamização de suas respectivas geoestratégias para um desenvolvimento sustentável, de forma a facilitar os projectos e prospectivas integradas ao nível da Unidade Africana;

18- No âmbito dos antigos combatentes do movimento de libertação em África, é premente a necessidade de troca de experiências e de mensagens em todo o espectro africano e afrodescendente, a fim de melhor equacionar e transmitir as mensagens que conduzam ao renascimento africano progressista numa base de liberdade, democracia, solidariedade, dignidade, internacionalismo e pedagogia;

19- Impulsionar o turismo cultural e ambiental sul-sul, de modo a activar transversalidades próprias para fazer face aos fenómenos climático-ambientais catapultados sobretudo pelas acções do império desde o período da revolução industrial (desde os finais do século XIX);

20- O resgate cultural inteligente de África, pelos africanos e em benefício dos povos africanos tendo como plataforma o conhecimento científico multidisciplinar e as investigações de carácter científico, é um desafio na trilha da lógica com sentido de vida, não só para os africanos progressistas, como para todos os povos progressistas da Terra e para as nações, estados e povos identificados com e na emergência multilateral.

Para salvar a vida urge uma civilização capaz de em paz fazer retroceder o imenso campo de barbárie que é o corpo e o exercício sulfúrico do império!

Martinho Júnior -- Luanda, 22 de Janeiro de 2020

Imagens:
01- Sob o olhar silencioso do Comandante Hugo Chavez;
02- A Venezuela Bolivariana, exemplarmente tem dado apoio à libertação saharahui do colonialismo marroquino, um anacronismo que subsiste em África em pleno século XXI;
03- A Unidade Africana pode contar com interlocutores progressistas na América, algo muito difícil de encontrar ao nível de estados noutras partes do mundo; a Venezuela Bolivariana sendo um deles, é uma das pontes disponíveis para os relacionamentos de África com os seus próprios afrodescendentes;
04- O CARICOM, de que a Venezuela faz parte domo observador, integra as pequenas nações e estados insulares do Caribe cuja população é em grande parte afrodescendente; a Venezuela Bolivariana é, em função do isolamento a que esses pequenos estados têm sido votados, um factor progressista que por um lado visa romper os bloqueios desses estados, como também um activo factor energético, indispensável para a vida nas condições de isolamento a que têm sido deliberadamente votados.

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