"A gravidade da situação
política do país está escancarada. Só não vê quem não quer. Estamos, novamente,
sob a ameaça de uma ditadura militar", escreve o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu sobre o governo de Jair Bolsonaro
José Dirceu* | Brasil
247 | opinião
A militarização do governo
Bolsonaro com as últimas indicações para a Casa Civil e a Secretaria de
Assuntos Estratégicos tem raízes em nossa história recente e no passado.
O general Braga Netto era chefe
do Estado-Maior do Exército, o mesmo que no julgamento do habeas corpus de Lula
publicou uma foto da reunião de emergência convocada pelo comandante do
Exército Eduardo Villas Bôas para, numa aberta e flagrante violação da
Constituição, ordenar – isso mesmo – ao STF que não ousasse conceder Habeas
Corpus a Lula. Villas Bôas fez a mesma ameaça via Twitter, o que teria levado à
sua prisão imediata em qualquer democracia.
Ali se restabeleceu a tutela
militar sobre o poder civil, que estava adormecida no artigo da Constituição
Federal que trata das Forças Armadas como garantidora da Lei e da Ordem, a
famosa GLO, uma espada de Dâmocles sobre nossa democracia.
Não é de hoje que os militares
são uma força política no Brasil. Fizeram a República; se levantaram logo
contra ela na Revolta da Armada; na década de 1920 os tenentes se levantaram
várias vezes em rebeliões e insurreições nos quartéis, com dezenas de mortos e
feridos, até o triunfo da revolução de 1930, na qual os militares e os tenentes
foram a força principal.
Getúlio Vargas governou até 1934,
quando, após derrotar a revolta paulista separatista disfarçada de defesa de
uma Constituinte, o país ganhou uma Constituição, rasgada em 1937 pelo
Estado-Maior do Exército e Getúlio. Foi substituída pela famosa Polaca, redigida
por Francisco Campos, sob o comando do general Góis Monteiro, o chefe do
Exército, cópia da Constituição imposta na Polónia pelo ditador Pilziuskque.
O Estado Novo durou até a
deposição de Getúlio, em 1945. O presidente eleito, em 1946, Eurico Gaspar
Dutra, ex-chefe do Exército, fez um governo reacionário, religioso, pró-Estados
Unidos, repressivo aos trabalhadores e à esquerda.
Inconformados com a volta de
Getúlio, eleito em 1950, e do seu PTB, partes importantes do Exército e da
Marinha e Aeronáutica iniciam uma série de tentativas de golpes de Estado, ou o
não reconhecimento dos resultados eleitorais, com a tese da maioria absoluta.
Organizam-se, em 1955, para impedir a posse de JK (Juscelino Kubitschek), com
dois levantamentos militares, Jacareacanga e Aragarças. JK debela as tentativas
de intervenção, mas lhes concede anistia. Depois da renúncia de Jânio, dão um
golpe, paralisado pela resistência de Leonel Brizola e a divisão do Exército,
como em 1955, quando o marechal Henrique Teixeira Lott por meio de um
contragolpe assegurou a posse de JK.
Hoje, 1964 é história, mas durou
até 1985.
Os militares sempre foram uma
força política a serviço das elites conservadoras e pró-Estados Unidos, sem
contar a vergonhosa divisão antes da 2ª Guerra entre germanistas – fascistas,
lógico – e pró-aliados. Em 1964, o Brasil se alinhou totalmente aos Estados
Unidos, mandando até tropas para a invasão imperialista da República Dominicana
para sufocar uma rebelião popular democrática, sempre apoiando as elites
agrárias e de direita sob o manto da luta contra o comunismo.
A Constituição de 1988 poderia
ter posto um fim nisso, mas não o fez, conciliou com as Forças Armadas e o
resultado agora nos assombra. Eles estão de volta com Bolsonaro, hibernaram 30
anos nas escolas militares e na não submissão do poder militar ao civil. Apesar
do comando civil do Ministério da Defesa, ao qual estão subordinados os
ministérios militares, nunca o poder civil decidiu a política militar no Brasil
e jamais eles, os militares, aceitaram o presidente da República como
comandante em chefe das Forças Armadas.
Controlam o orçamento, as
promoções, as prioridades da defesa nacional e de sua indústria, seus planos de
armamento. E com a nova reforma da Previdência deles mesmos, votada apenas nas
comissões do Congresso, se tornaram uma casta.
A gravidade da situação política
do país está escancarada. Só não vê quem não quer. Estamos, novamente, sob a
ameaça de uma ditadura militar, e fatos como a execução, comandada por Ronnie
Lessa, da vereadora Marielle Franco e, agora, no outro pólo, a queima de
arquivo com a execução do outro suspeito de envolvimento no assassinato, chefe
dos milicianos, Adriano da Nóbrega, ambos com ligações mais do que provadas com
a família do presidente, só comprovam a que ponto chegamos.
Não se trata mais do risco do
autoritarismo, mas da face oculta de todas as ditaduras, a violência acobertada
pelo Estado ou por ele promovida. As impressões digitais são a prova que
vivemos de novo às portas de uma nova ditadura. Aos poucos, vamos nos dando
conta como nos custará caro ter anistiado os crimes da ditadura.
*José Dirceu é advogado e
ex-ministro da Casa Civil
*Artigo publicado no site A Terra é Redonda
Imagem: O poder militar no
governo Bolsonaro / Foto: Fernando Frazão/Agencia Brasil)
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