terça-feira, 3 de março de 2020

São Tomé e Príncipe | Turismo Tripartido: Quem ganha e Quem Perde?


Fernando Simão | Téla Nón | opinião

O conceito de “turismo tripartido” com a Guiné Equatorial, anunciado por ocasião da visita do Primeiro-Ministro, Jorge Bom Jesus à Malabo, suscitou em mim alguma estranheza e preocupação. Temos que esperar ainda para conhecer e perceber bem os contornos desse tipo de cooperação. Ficamos a espera de quem de direito para nos brindar com mais esclarecimento sobre o assunto.

São Tomé e Príncipe é um microestado que deve salvaguardar a sua identidade própria em todos aspetos, sob pena de ser absorvido por um outro estado vizinho ou não de maior dimensão. Creio que essa foi sempre a nossa luta. Se ainda temos muitas razões para continuarmos dependentes de outros Países, não devemos criar ou inventar outros motivos para perpetuar essa dependência. Isto vale para a nossa política externa, assim como as políticas culturais, sociais e económicas.

Debruçando-me sobre “turismo tripartido”. Se entendi bem, consistiria em criar condições para que os turistas que visitam a Guiné Equatorial possam ir também a São Tomé e Príncipe. Espero que seja simplesmente uma questão de transportação dos turistas tendo em conta a nossa debilidade em meios de transportes aéreos que poderá eventualmente tornar mais barato os bilhetes de passagem aérea. Que não se misture a nossa realidade com a da Guiné Equatorial ou de um outro país qualquer.



Num dos meus artigos publicado em 2018 nas redes sociais (Facebook e Téla Nón) cujo título é “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL E AUTARQUICA (Subsídios para uma dinâmica de Desenvolvimento) ”, dizia que para São Tomé e Príncipe se projetar no campo turístico, tinha que criar a sua marca própria. Ela pode ser feita com base no nosso património natural ou edificado. Se em relação ao património edificado não temos muitas ofertas, já os naturais temos em abundância.

Apenas alguns exemplos de patrimónios naturais: Na zona norte da Ilha de São Tomé, temos Lagoa Azul, no centro temos Cascata San Nicolau e Bombaim e no sul temos Picos Cão Grande e Cão Pequeno assim como a Boca de Inferno.

Relativamente ao património edificado existente, temos por exemplo, Roça Agostinho Neto no norte, Igreja da Sé, Roça Monte Café no centro e Porto Alegre, marco Gago Coutinho do Ilhéu das Rolas no sul.

Um aparte. [A propósito da Roça Agostinho Neto, que tal edificar-se ali a tal Universidade Pan-Africana que se pretende construir em São Tomé e Príncipe? Seria um local excelente para a construção de uma aldeia universitária. O que é que o senhor Presidente da Câmara de Lobata esta a espera para fazer advocacia junto ao Governo Central para que isso aconteça no Distrito? Argumentos para apresentar não faltam.

Esse também é o papel dos Presidentes das Câmaras. Pressionar, defender os interesses dos seus distritos. Quanto mais for os empreendimentos de vultos a surgirem nos distritos maior serão as suas importâncias no contexto do desenvolvimento do Pais].

Não inclui nessa analise as nossas lindas praias, a nossas florestas (Ôbos), os nossos parques naturais, os nossos jardins botânicos, as plantações de cacau e café, as nossas aves endémicas, nossas atividades culturais, a nossa gastronomia tradicional, etc.

Reparem que não é por acaso que dividi a Ilha de São Tomé em três zonas que poderão vir a ser os três futuros distritos. Eu não me canso de dizer que temos que ter a coragem para proceder duma vez por todas uma nova divisão administrativa, por que a atual, com 6 distritos, é uma aberração e está completamente desajustada as dimensões do Pais e a sua realidade socioeconómica. Tenho a consciência da complexidade desse processo. Por isso é que deve haver um esforço conjunto para que haja um amplo consenso nacional, porque quer queiramos quer não, essa tarefa terá que ser feita, e quanto mais cedo melhor. Mesmo se um dia o Pais vier a ter recursos financeiros abundantes, tantos distritos num espaço territorial tão diminuto só complica e não resolve nada.

É claro que para esses patrimónios serem marcas para o turismo nacional, necessário se torna realizar obras de requalificação e trabalhos ambientais, sendo que, esse processo é também uma das formas de contribuir para a proteção do ambiente. Assim, poderemos “vender” o Pais com base nessas marcas.

Já temos um exemplo concreto no Pais que é a Ilha do Príncipe, desde que se tornou Património Mundial para a Biodiversidade da UNESCO.

Segundo informações, já há terapeutas no estrangeiros que têm recomendado os seus pacientes a passar uns dias no Príncipe como terapia para resolver alguns problemas de saúde como ansiedade e estresse, etc. Por isso é que há alguns que só vem visitar a Ilha do Príncipe com esse objetivo e regressam aos seus países, sem permanecerem sequer um dia na Ilha irmã de São Tomé.

Por conseguinte, a “marca Príncipe” como Património Mundial da Biodiversidade já esta a “vender”, sem que os próprios São-tomenses se apercebam disso. Seria interessante conhecermos as estatísticas dos turistas que se deslocam exclusivamente a Ilha do Príncipe com fins turísticos para compararmos com a percentagem daqueles que ficam apenas na Ilha de São Tomé.

Por razões óbvias, o Governo Central deve delegar às Camaras Distritais essa tarefa, dando-lhes condições financeiras e humanas para o efeito.

Deve-se estabelecer entre elas (as câmaras), uma espécie de competição baseadas em atribuição de prémios de mérito para se verificar qual delas cuida e publicita melhor as suas marcas. Cada Distrito da Ilha de São Tomé assim como a Região Autónoma do Príncipe deve esforçar-se para ser conhecido pelas suas marcas, para que, quando os turistas regressarem aos seus respetivos países, levem a vontade de regressar às Ilhas e fiquem com a memória dos distritos ou cidades que visitaram, associadas a essas marcas.

Deve ser incluído também no marketing, pequenas lembranças como, fotos, esculturas, pinturas, artesanatos, guias turísticos e sempre relacionadas com os símbolos da cidade ou distrito visitado.

Referia ainda no meu artigo exemplos como o de Torre Eiifel de Paris, Praça Vermelha de Moscovo, Estátua de Liberdade de Nova Iorque etc. Difícil falar numa dessas marcas sem as associar às suas respetivas cidades.

São Tomé e Príncipe tem todas as condições para desenvolver esse modelo de marketing com vista a vender melhor o seu turismo.

Dai que, não vejo a necessidade de um “turismo tripartido” com a Guiné Equatorial ou um outro Pais qualquer. Sinceramente que eu não gostaria de um dia verificar que um turista confunda a localização do Pico Cão Grande com um local qualquer de Guiné Equatorial, por ser mais rico ou por ser de maior dimensão.

Considerando a nossa dimensão territorial e humana, e numa altura que estamos a esforçar para que o Pais se afirme como independente, aplicar esse modelo de cooperação, baseado nesse conceito de “turismo tripartido”, que não se sabe o que é exatamente, seremos provavelmente absorvidos por outros Países de maior dimensão. Ao invés disso, temos que fazer tudo para afirmar a nossa santomensidade.

Fernando Simão

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