sábado, 23 de maio de 2020

A crise do populismo de direita na Alemanha


A AfD cai nas pesquisas devido a posições conflituosas sobre a pandemia e divide-se internamente por causa da expulsão de membro de ala radical. Apesar de abalada, a AfD deve seguir atraente como voz de protesto no leste do país.

Ben Knight (md)*

O partido populista de direita mais bem-sucedido da Alemanha no pós-guerra está abalado – dividido na estratégia para a pandemia do novo coronavírus e numa guerra interna – mas isso não significa que esteja morto.

A liderança da Alternativa para a Alemanha (AfD) lançou na semana passada uma granada de mão metafórica no partido ao expulsar Andreas Kalbitz, chefe do partido no estado oriental de Brandemburgo e membro proeminente da Der Flügel (a ala), facção extremista da agremiação, que representa entre 20% e 40% dos membros. Enquanto isso, o partido em Brandemburgo permaneceu leal a Kalbitz, votando na segunda-feira para mantê-lo na bancada da AfD na assembleia local. 

A reunião em que a expulsão foi decidida, na semana passada, teria sido tensa, com uma votação apertada. Até as figuras de maior peso do partido ficaram divididas: os líderes parlamentares da AfD no Bundestag (Parlamento alemão), Alice Weidel e Alexander Gauland, votaram por manter Kalbitz, enquanto Jörg Meuthen, um dos presidentes do partido, apenas conseguiu aprovar sua moção com margem estreita.




Protestos de anti-isolamento

Esse rancor interno não chega em boa hora para a AfD, que se tem digladiado para estabelecer uma posição a respeito da pandemia de coronavírus. Nas últimas semanas, o partido caiu em algumas pesquisas nacionais para menos de 10% da preferência do eleitorado. 

No início de março, a AfD exigiu que o governo fechasse as fronteiras nacionais da Alemanha, com alguns políticos tentando ocasionalmente culpar migrantes pelo surto do vírus. Agora, o partido vai na boleia dos protestos anti-isolamento social. Os apoiantes da AfD têm sido uma presença notável em tais eventos, e numa postagem no Facebook publicada no sábado, Meuthen condenou a maneira como aqueles que criticam as medidas de distanciamento estão sendo tachados de "negacionistas do coronavírus".

Para Florian Hartleb, cientista político alemão e especialista em populismo de extrema direita, a AfD "não sabia exatamente o que fazer com o coronavírus". "Eles apoiaram o rumo de Angela Merkel no Parlamento, agora estão basicamente começando a resistir", diz.

Mas Ronald Gläser, porta-voz da AfD em Berlim, insiste que o partido tem sido "algo como uma vanguarda" para a Alemanha. "No final de fevereiro, início de março, pedimos o fecho de fronteiras e dissemos que as máscaras precisavam de ser fornecidas, e o governo dizia: 'Oh, nós não precisamos disso, elas não ajudam de qualquer maneira'", afirma, em entrevista à DW. 

"Agora é claro que fomos poupados do pior, e é por isso que o partido mudou para exigir medidas mais flexíveis", disse Gläser. "Apoiamos especialmente o direito de realizar manifestações políticas. Não convocamos as pessoas a protestar no sentido de que estejamos 100% de acordo com todas as demandas, mas muitas das preocupações dos manifestantes são justificadas."

Nazis ou não? 

O caso Kalbitz expôs o dilema da AfD: o partido tem sua base de poder no leste da Alemanha, onde substituiu os antigos comunistas como voz de protesto e de desafio à política dominante. Nos estados da Turíngia, Saxónia e Saxónia-Anhalt, a AfD obteve cerca de 25% dos votos nas últimas eleições estaduais.

Em Brandemburgo, estado escassamente povoado que circunda Berlim, a AfD tem grande popularidade. O próprio Kalbitz realizou uma campanha bem-sucedida nas eleições do ano passado, conquistando um em cada quatro eleitores locais. O partido ainda tinha 20% nas pesquisas de popularidade há um mês, fazendo dela o segundo partido mais forte no estado.

O dilema perene da Afd é: até que ponto o partido deve acomodar sua base extremista –atualmente centrada no teimoso e poderoso líder da agremiação na Turíngia, Björn Höcke, sem assustar os eleitores conservadores mais centristas que almeja? 

Hartleb diz que a influência da Der Flügel ainda é enorme, apesar de ter sido ordenada sua dissolução oficial depois que o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV, serviço secreto interno alemão) colocou o grupo na lista de entidades extremistas sob observação do órgão.

Como Hartleb aponta, uma olhada nos comentários nos grupos da AfD no Facebook mostra que Meuthen se tornou um inimigo para muitos apoiantes da AfD.

"Os radicais do partido têm um ídolo: esse é Höcke. Eles têm um mártir: este é o senhor Kalbitz, e eles têm um inimigo, o senhor Meuthen", aponta o cientista político. "Não estamos falando apenas de oeste e leste, estamos falando de uma divisão real dentro do partido. O conflito tem a ver com muito mais do que Kalbitz."

O cofundador da AfD Alexander Gauland defendeu publicamente Höcke, insistindo no ano passado que o controverso ex-professor de história do oeste da Alemanha estava "no centro do partido". O próprio Höcke derrotou as tentativas anteriores de expulsá-lo do partido.

"O partido está realmente ligado aos seus extremistas. Höcke não vai desistir", aposta Hartleb. "Acho que é mais provável que Meuthen renuncie e os radicais assumam o partido, e haverá uma divisão." 

O padrão é familiar na curta história da AfD, com líderes relativamente moderados, como Bernd Lucke e Frauke Petry, sendo constantemente expulsos por seus sucessores abertamente nacionalistas. No entanto, com o histórico de escândalos do partido, Hartleb não acha que essa crise derrubará a AfD. 

"Eles são fortes demais no leste da Alemanha, onde estão profundamente enraizados na sociedade", explica. "Vejo um declínio no oeste, talvez, mas não acho que tenha acabado para a AfD."

Na imagem: Andreas Kalbitz (com Jörg Meuthen à esq.) foi expulso da AfD por ligação com grupo neonazista

*Ben Knight (md) | Deutsche Welle

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