segunda-feira, 11 de maio de 2020

Portugal | O pagamento ao Novo Banco é justo?


Pedro Tadeu | TSF | opinião

Desde que foi criado, na sequência da resolução do Banco Espírito Santo, o Novo Banco já recebeu 11 263 milhões de euros para se capitalizar. É tanto quanto o custo anual de todo o Serviço Nacional de Saúde.

Os contribuintes já emprestaram ao herdeiro dos restos do antigo BES mais de seis mil milhões de euros. Os outros cinco mil milhões foram entregues de várias maneiras, com uma parte a ir através do Fundo de Resolução.

A ideia de criar este tipo de instituições é bem antiga: surgiu na sequência de uma crise financeira nos Estados Unidos em 1907, quando grandes banqueiros como J. P. Morgan perceberam que os bancos deveriam organizar-se de forma a não dependerem dos Estados para resolverem as falências no setor, pois se ficassem a dever favores a Presidentes ou a ministros, as nacionalizações ou outras penalizações seriam inevitáveis.

Segundo essa ideia, todos os bancos, em conjunto, deveriam passar a contribuir para um fundo de gestão de possíveis bancarrotas, pois essa era a forma de, sem intervenção do Estado, a opinião pública não entrar em pânico durante uma crise.

O conceito "Fundo de Resolução" surge, portanto, para evitar, sem subsídios do Governo, corridas aos levantamentos de depósitos na banca, impedir vendas massivas, a baixo preço, de ações ou alienações desesperadas de ativos bancários.

Cem anos depois, a crise financeira iniciada em 2008 levou a União Europeia a promover uma solução semelhante e é por isso que, em Portugal, o Fundo de Resolução foi criado, em 2012, acabando por ter, a partir de 2014, a missão de tratar da falência do BES e do BANIF.

Mas nos anos da criação do Fundo de Resolução os bancos portugueses estavam em dificuldade e as contribuições que se dispuseram a fazer para financiar a nova instituição foram muito baixas.

E é assim que, por falta de fundos, o Fundo de Resolução acaba por pedir ao Estado, todos os anos, dinheiro emprestado para o entregar ao banco que ficou com a parte boa do negócio do BES, de acordo com o contratado na sequência da venda de 75% do capital do Novo Banco à norte-americana Lone Star.

Supostamente boa parte desse dinheiro será um dia pago pelo Fundo de Resolução, com juros, mas tenho dúvidas de que isso venha a acontecer, pelo menos de forma linear e sem transtornos de maior... mas vou fingir que não e dizer que acredito nisso, que pelo menos seis mil milhões de euros voltarão, daqui a uns anos valentes, para o Estado.

Entretanto, a semana passada, o ministro Mário Centeno emprestou mais 850 milhões de euros para ajudar o Novo Banco, isto apesar do primeiro-ministro ter garantido que, este ano, essa tranche só seguiria depois de analisada uma auditoria às contas do banco - e um dia alguém explicará o mistério de um ministro das Finanças não discutir com o seu primeiro-ministro a entrega de uma tão grande quantidade de dinheiro.

Por agora direi antes que o pagamento feito há dias ao Novo Banco é quase três vezes superior ao valor gasto durante o último mês pelo Estado, por causa da paragem da economia provocada pela Covid-19, com subsídios para lay-offs e com outros apoios a 98 mil empresas e a 781 mil trabalhadores.

O pagamento feito agora ao Novo Banco acontece com a insuspeita Ordem dos Contabilistas Certificados a ter necessidade de emitir um comunicado sobre o acesso ao financiamento de emergência, para acusar a banca portuguesa de pedir documentos desnecessários e ilegais às empresas.

O pagamento deste ano ao Novo Banco acontece quando a banca em geral está a ser acusada, por empresas de todo o país, de dificultar com uma barreira burocrática a entrega dos créditos bonificados criados pelo Governo.

O pagamento feito agora ao Novo Banco acontece quando está a faltar dinheiro nas tesourarias das firmas e nos bolsos das pessoas.

O pagamento feito agora ao Novo Banco acontece em plena crise do novo coronavírus, com falências e miséria a liquidar empresas e a ameaçar trabalhadores.

Se os pagamentos anteriores ao Novo Banco eram polémicos, o da semana passada não pode deixar de ser visto por uma grande fatia de portugueses, aflitos com a crise que está aí, como, simplesmente, imoral.

J.P. Morgan, o banqueiro "inventor" dos Fundos de Resolução que pretendiam garantir a estabilidade e independência face ao Estado do setor financeiro norte-americano, veria, se fosse vivo, algo em Portugal que em 1907 não foi capaz de conceber: uma banca que não só não assegura sozinha a gestão das falências do setor, uma banca que não cuida dos seus, como põe o Estado, os contribuintes e os clientes a financiar essas falências sem correr o risco de ser nacionalizada.

Ainda por cima, esta banca decide impedir com uma barreira burocrática, sem consequências, que se apliquem com rapidez e eficácia políticas de crédito de emergência decididas pelo Governo.

Se J.P. Morgan, há mais de 100 anos, soubesse que havia maneira de a banca poder viver de favores do Estado sem que o Estado nunca os cobrasse, como acontece hoje em dia em Portugal, nunca teria inventado os Fundos de Resolução. Para quê?...

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