Pedro Tadeu | TSF | opinião
Desde que foi criado, na
sequência da resolução do Banco Espírito Santo, o Novo Banco já recebeu 11 263
milhões de euros para se capitalizar. É tanto quanto o custo anual de todo o
Serviço Nacional de Saúde.
Os contribuintes já emprestaram
ao herdeiro dos restos do antigo BES mais de seis mil milhões de euros. Os
outros cinco mil milhões foram entregues de várias maneiras, com uma parte a ir
através do Fundo de Resolução.
A ideia de criar este tipo de
instituições é bem antiga: surgiu na sequência de uma crise financeira nos
Estados Unidos em 1907, quando grandes banqueiros como J. P. Morgan perceberam
que os bancos deveriam organizar-se de forma a não dependerem dos Estados para
resolverem as falências no setor, pois se ficassem a dever favores a
Presidentes ou a ministros, as nacionalizações ou outras penalizações seriam
inevitáveis.
Segundo essa ideia, todos os
bancos, em conjunto, deveriam passar a contribuir para um fundo de gestão de
possíveis bancarrotas, pois essa era a forma de, sem intervenção do Estado, a
opinião pública não entrar em pânico durante uma crise.
O conceito "Fundo de
Resolução" surge, portanto, para evitar, sem subsídios do Governo,
corridas aos levantamentos de depósitos na banca, impedir vendas massivas, a
baixo preço, de ações ou alienações desesperadas de ativos bancários.
Mas nos anos da criação do Fundo
de Resolução os bancos portugueses estavam em dificuldade e as contribuições
que se dispuseram a fazer para financiar a nova instituição foram muito baixas.
E é assim que, por falta de
fundos, o Fundo de Resolução acaba por pedir ao Estado, todos os anos, dinheiro
emprestado para o entregar ao banco que ficou com a parte boa do negócio do
BES, de acordo com o contratado na sequência da venda de 75% do capital do Novo
Banco à norte-americana Lone Star.
Supostamente boa parte desse
dinheiro será um dia pago pelo Fundo de Resolução, com juros, mas tenho dúvidas
de que isso venha a acontecer, pelo menos de forma linear e sem transtornos de
maior... mas vou fingir que não e dizer que acredito nisso, que pelo menos seis
mil milhões de euros voltarão, daqui a uns anos valentes, para o Estado.
Entretanto, a semana passada, o
ministro Mário Centeno emprestou mais 850 milhões de euros para ajudar o Novo
Banco, isto apesar do primeiro-ministro ter garantido que, este ano, essa
tranche só seguiria depois de analisada uma auditoria às contas do banco - e um
dia alguém explicará o mistério de um ministro das Finanças não discutir com o
seu primeiro-ministro a entrega de uma tão grande quantidade de dinheiro.
Por agora direi antes que o
pagamento feito há dias ao Novo Banco é quase três vezes superior ao valor
gasto durante o último mês pelo Estado, por causa da paragem da economia
provocada pela Covid-19, com subsídios para lay-offs e com outros apoios a 98 mil
empresas e a 781 mil trabalhadores.
O pagamento feito agora ao Novo
Banco acontece com a insuspeita Ordem dos Contabilistas Certificados a ter
necessidade de emitir um comunicado sobre o acesso ao financiamento de
emergência, para acusar a banca portuguesa de pedir documentos desnecessários e
ilegais às empresas.
O pagamento deste ano ao Novo
Banco acontece quando a banca em geral está a ser acusada, por empresas de todo
o país, de dificultar com uma barreira burocrática a entrega dos créditos
bonificados criados pelo Governo.
O pagamento feito agora ao Novo
Banco acontece quando está a faltar dinheiro nas tesourarias das firmas e nos
bolsos das pessoas.
O pagamento feito agora ao Novo
Banco acontece em plena crise do novo coronavírus, com falências e miséria a
liquidar empresas e a ameaçar trabalhadores.
Se os pagamentos anteriores ao
Novo Banco eram polémicos, o da semana passada não pode deixar de ser visto por
uma grande fatia de portugueses, aflitos com a crise que está aí, como,
simplesmente, imoral.
J.P. Morgan, o banqueiro
"inventor" dos Fundos de Resolução que pretendiam garantir a
estabilidade e independência face ao Estado do setor financeiro
norte-americano, veria, se fosse vivo, algo em Portugal que em 1907 não foi
capaz de conceber: uma banca que não só não assegura sozinha a gestão das falências
do setor, uma banca que não cuida dos seus, como põe o Estado, os contribuintes
e os clientes a financiar essas falências sem correr o risco de ser
nacionalizada.
Ainda por cima, esta banca decide
impedir com uma barreira burocrática, sem consequências, que se apliquem com
rapidez e eficácia políticas de crédito de emergência decididas pelo Governo.
Se J.P. Morgan, há mais de 100
anos, soubesse que havia maneira de a banca poder viver de favores do Estado
sem que o Estado nunca os cobrasse, como acontece hoje em dia em Portugal,
nunca teria inventado os Fundos de Resolução. Para quê?...
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