segunda-feira, 13 de julho de 2020

Torpedo bipartidário contra o Acordo para o Afeganistão


Manlio Dinucci*

A guerra no Afeganistão foi lançada, oficialmente, para vingar os ataques de 11 de Setembro de 2001. No entanto, já tinha sido preparada antecipadamente. Durante duas décadas, explicamos nestas colunas que é a primeira de uma longa série de guerras destinadas a destruir todas as estruturas estatais do Médio Oriente alargado (estratégia Rumsfeld/Cebrowski), a fim de controlar a exploração dos recursos naturais. A guerra, que devia durar duas semanas, prossegue há 19 anos. Está planeada para persistir o maior tempo possível. Hoje, as personalidades ligadas ao Pentágono estão a sabotar a retirada parcial concluída pelo Presidente Trump.

Centenas de milhares de vítimas civis, mais de 2.400 soldados americanos mortos (e mais um número desconhecido de feridos), cerca de 1 trilião de dólares gastos: este é, em síntese, o orçamento dos 19 anos da guerra USA no Afeganistão, ao qual se acrescenta o custo para os aliados NATO (incluindo a Itália) e outros que se juntaram aos EUA na guerra.

O orçamento de falências para os EUA também do ponto de vista político-militar: a maior parte do território está agora controlada pelos Taliban ou disputada entre eles e as forças do governo apoiadas pela NATO.

Neste contexto, após longas negociações, a Administração Trump concluiu um acordo com os Taliban, em Fevereiro passado, que prevê em troca de garantias, a redução do número de tropas USA no Afeganistão de 8.600 para 4.500. O mesmo não significa o fim da intervenção militar dos EUA no Afeganistão, que continua com forças especiais, drones e bombardeiros. No entanto, o acordo abriria o caminho para uma diminuição do conflito armado.


No entanto, foi revogado alguns meses após a assinatura - não pelos talibãs afegãos, mas pelos democratas dos EUA. Aprovaram no Congresso uma emenda à Lei de Permissão, que destina 740,5 biliões de dólares para o orçamento do Pentágono no ano fiscal de 2021. A emenda, aprovada em 2 de Julho pela Comissão de Serviços Armados pela grande maioria com o voto dos Democratas, estabelece “limitar o uso de fundos para reduzir o número de forças armadas estacionadas no Afeganistão”.

Proíbe o Pentágono de gastar os fundos na sua posse para qualquer actividade que reduza o número de soldados dos EUA no Afeganistão, abaixo de 8.000: o acordo, que envolve a redução de tropas dos EUA no Afeganistão, está efectivamente bloqueado. É significativo que a emenda tenha sido apresentada não só pelo democrata Jason Crow, mas também pela republicana Liz Cheney, que fornece o seu aval em perfeito estilo bipartidário. [1] Liz é filha de Dick Cheney, Vice Presidente dos Estados Unidos de 2001 a 2009, durante a Administração de George W. Bush, que decidiu a favor da invasão e da ocupação do Afeganistão (oficialmente para dar caça a Osama bin Laden [2])).

A emenda condena explicitamente o acordo, argumentando que prejudica “os interesses de segurança nacional dos Estados Unidos”, “não representa uma solução diplomática realista” e “não fornece protecção às populações vulneráveis”. Para ser autorizado a reduzir as tropas no Afeganistão, o Pentágono deverá certificar que essa medida “não comprometerá a missão antiterrorista dos Estados Unidos”.

Não é por acaso que o ‘New York Times’ publicou um artigo [3], em 26 de Junho que, de acordo com as informações fornecidas (sem apresentar nenhuma prova) dos agentes de inteligência USA, acusa “uma unidade de inteligência militar russa de oferecer aos militantes Taliban um engenho militar para matar soldados da Coligação no Afeganistão, visando principalmente os americanos”. As notícias foram divulgadas pela grande media americana, sem que nenhum caçador de fake news questionasse a sua veracidade.

Após uma semana, foi aprovada a emenda que impede a redução de tropas USA no Afeganistão. O que confirma o verdadeiro objectivo da intervenção militar USA/NATO no Afeganistão - o controlo dessa área de importância estratégica da maior importância. O Afeganistão está na encruzilhada do Médio Oriente, do centro, sul e leste da Ásia.

Nesta área (no Golfo e no Cáspio) existem grandes reservas de petróleo. Existem a Rússia e a China, cuja força está a crescer e afectar as estruturas globais. Como o Pentágono alertou num relatório de 30 de Setembro de 2001 [4], uma semana antes da invasão americana do Afeganistão, “existe a possibilidade de surgir na Ásia, um rival com uma formidável base de recursos”. Possibilidade que agora se está a materializar.

Os “interesses da segurança nacional dos Estados Unidos” impõem que fiquemos no Afeganistão, custe o que custar.

*Manlio Dinucci il manifesto, 07 de Julho de 2020

[1] [2] L’Effroyable Imposture suivie du Pentagate, Thierry Meyssan, reedição Demi-Lune. [3] “Russia Offered Afghans Bounty To Kill U.S. Troops, Officials Say”, Charlie Savage, Eric Schmitt and Michael Schwirtz, The New York Times, June 27, 2020. [4] Quadrennial Defense Review Report, p.12, Department of Defense, September 30, 2001.

Manlio Dinucci* | Voltairenet.org | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte Il Manifesto (Itália)


Notas:
[1] Na realidade, é a antiga Conselheira da Segurança Nacional, Susan Rice, que lidera o lado democrata. Como ela não é parlamentar, foi o deputado Jason Crow quem apresentou a emenda. Ele estava implicado no processo de remoção do Presidente Trump. A acusação de que a Rússia está a financiar o assassinato dos GI’s não faz sentido, pois o número de mortes dos EUA no Afeganistão não cessa de diminuir. “Trump Puts Russia First”, by Susan Rice, New York Times (United States) , Voltaire Network, 1 July 2020.
[2] Portugal : 11 de Setembro, 2001. A Terrível impostura, Thierry Meyssan, Frenesi 2002. Brasil : 11 de setembro de 2001. Uma terrível farsa, Thierry Meyssan, Usina do livro, 2002.
[3] “Russia Offered Afghans Bounty To Kill U.S. Troops, Officials Say”, Charlie Savage, Eric Schmitt and Michael Schwirtz, The New York Times, June 27, 2020.
[4Quadrennial Defense Review Report, p.12, Department of Defense, September 30, 2001.

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