Felisbela Lopes* | Jornal
de Notícias | opinião
Sempre temi os últimos anos de
vida, quando a idade vai longa. Porque esta modernidade líquida suspensa na
juventude despreza os mais velhos, porque os filhos há muito deixaram de ter
disponibilidade para cuidar dos pais, porque as instituições sociais vocacionadas
para amparar a terceira idade mais parecem deteriorados sótãos para onde se
atiram velharias que raramente revisitamos. A pandemia apenas destapou uma
realidade escondida há muito tempo.
A entrevista da ministra da
Solidariedade e Segurança Social ao "Expresso" e o relatório da Ordem
dos Médicos sobre a situação do Lar de Idosos de Reguengos de Monsaraz
reabilitaram esta semana o tema dos lares e a procura de responsabilidades
daquilo que se passou na vila alentejana onde morreram 18 pessoas por covid-19,
16 idosos e uma funcionária do lar e ainda um homem da comunidade local. Aquilo
que os media vêm noticiando espelha um país miserável onde as teias das
políticas locais tecem inimagináveis redes de influência e onde parece natural
uma vaga de mortes não nos mobilizar para indagar causas que originem
consequências consonantes com a gravidade dos factos...
Não se pense que a situação de
Reguengos de Monsaraz é um caso isolado. Em Portugal, os lares não são para
velhos. Pelo menos, para aqueles que querem dias de conforto, de alegria, de
amor. É preciso ter coragem para ir mais fundo no problema a fim de perceber
quantas instituições têm hoje condições para cuidar dos idosos. E fechar todas
as outras que não tratam bem os seus utentes.
Neste contexto, é tentador
apontar o dedo ao Governo, às autoridades de saúde e à Segurança Social por
todas as situações disfuncionais nos lares. Claro que estes atores têm aqui
colossais responsabilidades, mas convém também não excluir a família que, com
alguma frequência, abandona os seus idosos em lares, desculpando-se com a
distância ou com os afazeres profissionais para justificar o alheamento de
situações que também deveriam ser do seu conhecimento.
Hoje os mais velhos estão mais
sozinhos do que nunca nos lares que os acolhem. A atual pandemia apenas se
constitui como o último sopro que os faz sucumbir perante uma posição demasiado
periclitante. Precisamos, pois, de políticas mais consistentes para a terceira
idade, de instituições mais confortáveis para os utentes, de profissionais mais
habilitados para cuidar dos mais velhos e de uma família que olhe para os
idosos como um bem precioso que deve merecer todos os cuidados.
*Prof. Associada com Agregação da
UMinho
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