domingo, 23 de agosto de 2020

Portugal | Este tempo não é para velhos. Que tristeza!


Felisbela Lopes* | Jornal de Notícias | opinião

Sempre temi os últimos anos de vida, quando a idade vai longa. Porque esta modernidade líquida suspensa na juventude despreza os mais velhos, porque os filhos há muito deixaram de ter disponibilidade para cuidar dos pais, porque as instituições sociais vocacionadas para amparar a terceira idade mais parecem deteriorados sótãos para onde se atiram velharias que raramente revisitamos. A pandemia apenas destapou uma realidade escondida há muito tempo.

A entrevista da ministra da Solidariedade e Segurança Social ao "Expresso" e o relatório da Ordem dos Médicos sobre a situação do Lar de Idosos de Reguengos de Monsaraz reabilitaram esta semana o tema dos lares e a procura de responsabilidades daquilo que se passou na vila alentejana onde morreram 18 pessoas por covid-19, 16 idosos e uma funcionária do lar e ainda um homem da comunidade local. Aquilo que os media vêm noticiando espelha um país miserável onde as teias das políticas locais tecem inimagináveis redes de influência e onde parece natural uma vaga de mortes não nos mobilizar para indagar causas que originem consequências consonantes com a gravidade dos factos...

Não se pense que a situação de Reguengos de Monsaraz é um caso isolado. Em Portugal, os lares não são para velhos. Pelo menos, para aqueles que querem dias de conforto, de alegria, de amor. É preciso ter coragem para ir mais fundo no problema a fim de perceber quantas instituições têm hoje condições para cuidar dos idosos. E fechar todas as outras que não tratam bem os seus utentes.

Neste contexto, é tentador apontar o dedo ao Governo, às autoridades de saúde e à Segurança Social por todas as situações disfuncionais nos lares. Claro que estes atores têm aqui colossais responsabilidades, mas convém também não excluir a família que, com alguma frequência, abandona os seus idosos em lares, desculpando-se com a distância ou com os afazeres profissionais para justificar o alheamento de situações que também deveriam ser do seu conhecimento.

Hoje os mais velhos estão mais sozinhos do que nunca nos lares que os acolhem. A atual pandemia apenas se constitui como o último sopro que os faz sucumbir perante uma posição demasiado periclitante. Precisamos, pois, de políticas mais consistentes para a terceira idade, de instituições mais confortáveis para os utentes, de profissionais mais habilitados para cuidar dos mais velhos e de uma família que olhe para os idosos como um bem precioso que deve merecer todos os cuidados.

*Prof. Associada com Agregação da UMinho

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