sábado, 3 de outubro de 2020

Gasoduto explosivo no Mediterrâneo

Manlio Dinucci*

A guerra que começa no Mediterrâneo, deve estabelecer quem terá o direito de explorar as jazidas de gás e quem pode transportá-lo. Contrariamente a uma ideia recebida, a Turquia não está só a abusar militarmente dos seus vizinhos, como também reivindica direitos que nunca foram definidos, mas que não representavam nenhum problema importante até agora.

o Mediterrâneo Oriental, em cujas profundezas foram descobertas grandes jazidas offshore de gás natural, está em curso um contencioso acirrado sobre a definição de zonas económicas exclusivas, dentro das quais (até 200 milhas da costa) cada um dos países costeiros tem o direito de explorar essas reservas. Os países directamente envolvidos são a Grécia, a Turquia, o Chipre, a Síria, o Líbano, a Palestina, Israel, (cujas jazidas, nas águas de Gaza, estão nas mãos de Israel), o Egito e a Líbia. O confronto é particularmente tenso entre a Grécia e a Turquia, ambos países membros da NATO. A aposta em jogo não é só económica.

A verdadeira discórdia que se joga no Mediterrâneo Oriental é geopolítica e geoestratégica e envolve as grandes potências mundiais. Neste âmbito insere-se o EastMed, o gasoduto que trará para a União Europeia grande parte do gás desta área. A sua realização foi decidida na cimeira, realizada em Jerusalém em 20 de Março de 2019, entre o Primeiro Ministro israelita Netanyahu, o Primeiro Ministro grego Tsipras e o Presidente cipriota Anastasiades.

Netanyahu salientou que "o gasoduto se estenderá de Israel à Europa através do Chipre e da Grécia" e Israel tornar-se-á assim uma "potência energética" (que controlará o corredor energético para a Europa), Tsipras sublinhou que "a cooperação entre Israel, a Grécia e o Chipre, na sexta cimeira, tornou-se estratégica».

Esta cooperação é confirmada pelo pacto militar assinado pelo governo de Tsipras com Israel há cinco anos [1]. Na cimeira de Jerusalém (cujas actas, publicadas pela Embaixada dos EUA no Chipre),esteve presente Mike Pompeo, Secretário de Estado americano, sublinhando que o projecto EastMed lançado por Israel, pela Grécia e pelo Chipre, "parceiros fundamentais dos EUA para a segurança", é "incrivelmente oportuno", já que "a Rússia, a China e o Irão estão a tentar colocar os pés no Oriente e no Ocidente".

A estratégia dos EUA é declarada: reduzir e finalmente bloquear as exportações de gás russo para a Europa, substituindo-as por gás fornecido ou, de outra forma, controlado pelos EUA. Em 2014, eles bloquearam o SouthStream, que teria trazido através do Mar Negro gás russo para a Itália a preços competitivos, e estão a tentar fazer o mesmo com o TurkStream que, através do Mar Negro, transporta o gás russo para a parte europeia da Turquia para fazê-lo chegar à União Europeia.

Ao mesmo tempo, os USA tentam bloquear a Nova Rota da Seda, a rede de infraestruturas concebida para ligar a China ao Mediterrâneo e à Europa. No Médio Oriente, os USA bloquearam com a guerra o corredor de energia que, segundo um acordo de 2011, teria transportado o gás iraniano através do Iraque e da Síria para o Mediterrâneo e para a Europa. A esta estratégia junta-se a Itália, onde (na Apúlia) chegará o EastMed que também levará o gás para outros países europeus.

O Ministro Patuanelli (M5S) definiu o gasoduto, aprovado pela União Europeia, como um dos "projectos europeus de interesse comum", e a Subsecretária Todde (M5S) levou a Itália a aderir ao East Med Gas Forum, sede de "diálogo e cooperação” sobre o gás no Mediterrâneo Oriental, do qual participam - além de Israel, da Grécia e do Chipre - o Egipto e a Autoridade Palestina. Também participa a Jordânia, que não tem depósitos de gás offshore no Mediterrâneo, mas que o importa de Israel.

No entanto, estão excluídos do Fórum, o Líbano, a Síria e a Líbia, a quem pertence parte do gás do Mediterrâneo Oriental. Os Estados Unidos, a França e a União Europeia anunciaram, previamente, a sua adesão. A Turquia não participa devido ao diferendo com a Grécia, que a NATO, no entanto, se compromete a resolver: "delegações militares" dos dois países já se reuniram seis vezes na sede da NATO, em Bruxelas. Todavia, no Mediterrâneo Oriental e no vizinho Mar Negro, está em curso um destacamento crescente de forças navais dos EUA na Europa, com sede em Nápoles Capodichino.

A sua "missão" é "defender os interesses dos Estados Unidos e dos Aliados e desencorajar a agressão [russa]". A mesma "missão" para os bombardeiros estratégicos americanos B-52, que sobrevoam o Mediterrâneo Oriental acompanhados por caças gregos e italianos.

Manlio Dinucci* | Voltairenet | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte Il Manifesto (Itália)

*Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações: Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016; Guerra nucleare. Il giorno prima. Da Hiroshima a oggi: chi e come ci porta alla catastrofe, Zambon 2017; Diario di guerra. Escalation verso la catastrofe (2016 - 2018), Asterios Editores 2018.

Nota:

[1] “Pacto militar Grécia-Israel”, Manlio Dinucci, Tradução José Reinaldo Carvalho , Il Manifesto (Itália) , Rede Voltaire, 29 de Julho de 2015.

Sem comentários:

Mais lidas da semana