#Publicado em português do Brasil
Há cinco anos, governo da
“Geringonça” mostrou que a Europa não estava fadada à direita. Agora, em novo
ponto de virada, será preciso ir muito além — e firmar, em meio à pandemia, a
opção pelo Comum. Será difícil, porque é possível…
Boaventura de Sousa Santos* | Outras Palavras
Iniciaram-se, em Portugal, as
negociações para o orçamento de 2021, que tem um duplo caráter especial. É o
primeiro orçamento em contexto pandêmico e é um orçamento de tipo plurianual em
face da gestão dos fundos europeus emergenciais e do plano de recuperação
econômica e social. As decisões que agora se tomarem e o modo como forem
executadas condicionarão a vida dos portugueses por muitos anos. Com boas
razões, tem-se comparado o período que agora começa ao período inicial da
entrada de Portugal na União Europeia (UE), ainda que as condições agora sejam
bem diferentes. Têm, no entanto, duas características comuns e daí ser ajustada
a comparação. Por um lado, vão estar envolvidos avultados e excepcionais
financiamentos e, por outro, vão ser necessárias mudanças estruturais. À luz
destas mudanças, rever os trinta e poucos anos que nos separam de 1986 faz todo
sentido no atual contexto.
As primeiras mudanças estruturais
ocorreram entre 1986 e 1996 e foram dominadas por forças políticas de direita.
As mudanças, que são hoje parte da nossa vida, foram significativas (do desenvolvimento
econômico à consolidação da democracia) mas deixaram um sabor amargo: muita
corrupção, muito despreparo e desperdício na gestão da despesa pública, e
sobretudo uma obediência cega à norma europeia, com um desprezo total pelas
especificidades da economia e da sociedade portuguesa (na agricultura, na
pesca, nas obrigações com o mundo da lusofonia). Ao fim de quinze anos Portugal
continuava na cauda da Europa, só à frente da Grécia e só em alguns
indicadores.
Na década seguinte, devido ao
euro, aumentou a competição na Europa e no mundo. Nesta fase, descontados dois
curtos períodos de governos de direita (Durão Barroso e Santana Lopes),
dominaram governos do Partido Socialista (PS) com uma governação centrista
(António Guterres e José Sócrates). Os resultados não foram famosos. Em 2011
estalou a crise financeira e, com ela, a intervenção da Troika. Entramos então
no segundo período de forte ajustamento estrutural, mas neste caso num contexto
de austeridade e dominado por um governo decididamente de direita (Passos
Coelho). Um governo que, tal como no primeiro período (1986), foi dominado pela
obediência cega à UE e mesmo pelo impulso de o governo querer ser mais papista
que o papa.