Covid-19: Embarcar numa terceira dose "é atrasar o fim da pandemia"
Para a OMS África, a compra de novos lotes de vacina pelos países mais ricos "ridiculariza" o conceito de equidade. Alcançar a maior cobertura vacinal possível deve ser a prioridade, diz especialista ouvido pela DW.
Enquanto países como os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil já falam em avançar para a administração da terceira dose da vacina contra a Covid-19, o continente africano só vacinou, até agora, cerca de 2% de pessoas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) para África condena o avanço para a terceira dose da vacina quando há países sem população imunizada. "É ridicularizar o conceito de equidade das vacinas", considerou a organização, esta quinta-feira (19.08).
Em entrevista à DW, Eduardo Samo Gudo, diretor-geral adjunto do Instituto Nacional de Saúde (INS) de Moçambique, defende que alcançar a maior cobertura vacinal deve ser prioridade, porque nenhum país está protegido enquanto todos não estiverem protegidos. "Os países que têm recursos para produzir vacinas, ao embarcarem numa terceira dose, estão a atrasar o término desta pandemia", afirma.
DW África: A OMS já mostrou estar contra o avanço do reforço vacinal nos países mais ricos quando há ainda países, nomeadamente em África, que não conseguiram ainda imunizar a sua população. Qual é a sua posição?
Eduardo Samo Gudo (ESG): Aqui estamos a falar de ciência. Neste momento não há evidência de quando é que a terceira dose será necessária. Penso que a comunidade científica internacional entende que eventualmente a terceira dose será necessária. Quanto a isso há um consenso. É verdade que há uma redução da quantidade de anticorpos com o tempo, mas não há dados científicos que mostrem que também há uma redução da resposta celular. Temos de esperar. Os estudos estão a decorrer e temos de esperar que se acumulem evidências científicas dos múltiplos estudos e dos múltiplos contextos para que se tome uma decisão. Esta é a posição da OMS e de grande parte da comunidade científica internacional.
DW África: E relativamente à questão da equidade?
ESG:Entre ter uma terceira dose e terpessoas vacinadas com duas doses, não há dúvida qual é a melhor decisão. Os países que produzem vacinas e os países que têm recursos financeiros estão a avançar para uma terceira dose e isso agrava a iniquidade em relação à disponibilidade de vacinas. Quanto mais países entrarem no esquema da terceira dose, é menos um país que consegue vacinar a sua população com pelo menos duas doses. E se nós quisermos terminar essa pandemia o mais rápido possível, está provado, há dois aspetos: o número um é alcançar a maior cobertura vacinal; o número dois é evitar a ocorrência de variantes que possam afetar a eficácia das vacinas. Os países que têm recursos para produzir vacinas, ao embarcarem numa terceira dose, estão a atrasar o término desta pandemia.
DW África: A OMS apelou também a que as vacinas contra a Covid-19 produzidas pela farmacêutica Johnson & Johnson na África do Sul ficassem no continente ao invés de serem exportadas para países ricos. Concorda?
ESG:Independentemente de onde a vacina é produzida, o mais importante que temos de reter é: vamos primeiro vacinar a maior parte da população com duas doses. Porque se os países onde a vacinação é baixa contribuírem para a geração de uma variante que é resistente ou que escapa às vacinas, todas as vacinas que estão a ser utilizadas para a segunda ou para a terceira dose tornar-se-ão ineficazes e nós voltaremos à estaca zero. Esse é que é o ponto. Nenhum país está protegido enquanto todos os países não estiverem protegidos. Essa é que é a mensagem-chave, isso é que a humanidade tem de entender.
DW África: E acredita que esse apelo da OMS possa ser "mal interpretado" e gerar, de alguma forma, mais mitos em torna da eficácia das vacinas produzidas em África?
ESG:Acredito que não, até porque as vacinas produzidas na África do Sul estão a ser exportadas para a Europa.Então,acho que isso não se aplica. É uma vacina daJohnson & Johnson. É possível produzir a Johnson & Johnson em qualquer continente, o local onde é produzida é irrelevante. Todas as farmacêuticas seguem o GMP: Good Manufacturing Practice, boas práticas de produção. São padrões internacionais, independentemente de onde a vacina é produzida, não há diferença. Acho que isso não se aplica e não me parece que seja uma questão a colocar.
Cláudia Marques | Deutsche Welle
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