Artur Queiroz*, Luanda
Nas eleições de 2008 trabalhei em Cabinda com uma equipa de grandes jornalistas locais, na época dirigidos por Alberto Coelho. Mais o reforço precioso de Adalberto Ceita e Eduardo Pedro. Começámos a trabalhar pouco depois do congresso eucarístico diocesano sob a liderança do bispo D. Filomeno Vieira Dias, hoje arcebispo de Luanda. No fim do caminho estavam as eleições gerais.
O meu colega Alberto Coelho fez uma entrevista a D. Filomeno, um texto notável que deixo aqui esta parte:
Alberto Coelho - O congresso eucarístico diocesano realizou-se numa altura em que se aproxima a realização de eleições gerais. Como os cristãos católicos estão a ser preparados para este momento?
D. Filomeno Vieira Dias - Há uma nota da Conferência Episcopal Angola São Tomé e Príncipe (CEAST) sobre essa matéria que diz o seguinte: “O voto é um instrumento extraordinário de expressão da vontade popular quanto aos destinos da própria nação e quanto ao figurino da governação”. Eu estou cem por cento de acordo. Por isso é um dever cívico, cada um exercer o direito de voto, manifestando e exprimindo justamente aquilo que sente. Nós convidamos os fiéis católicos a votar. Os fiéis católicos são convidados a viver esse momento com responsabilidade.
Alberto Coelho - Tem alguma recomendação a fazer?
D. Filomeno Vieira Dias - Que ninguém faça das igrejas e dos púlpitos espaço de campanha ou disputa eleitoral. A Igreja deseja que esse momento seja um momento de grande serenidade, de grande civismo, de grande responsabilidade e de grande exercício de cidadania. É o que estamos a fazer e é aquilo que nós esperamos que aconteça.
O então Bispo de Cabinda e actual arcebispo de Luanda não se coibiu de analisar a situação social na província, nestes termos: “Na província de Cabinda há dificuldades que são próprias de uma sociedade que se está a refazer, que se está a reconstruir depois de um processo turbulento. É um processo de reconstrução do tecido humano e do tecido social. O grande desafio que eu vejo actualmente aqui é o desemprego. Há necessidade de pensar e repensar este problema, com a ajuda de todos. A questão mais grave é o desemprego juvenil. Temos de encontrar saídas e respostas urgentes”.
Não vou maçar-vos enumerando todas as medidas tomadas, desde então, para resolver o gravíssimo problema que é o desemprego juvenil. Ainda hoje foram anunciadas mais medidas no sentido do empoderamento da Juventude pela via do auto emprego.
Também não vou repetir pela enésima vez que a guerra entre 1961 e 2002 causou gravíssimos danos, muitos irreparáveis, no tecido social. Entre Abril de 1974 e final de 1976, devido às pontes aéreas monadas pela CIA e Mário Soares, Angola ficou praticamente sem quadros superiores e intermédios. Sem operários especializados. Sem equipamentos sociais. O país nasceu com a administração pública paralisada. Com os circuitos de produção e distribuição destruídos. Até os cantineiros do mato desapareceram. Enquanto não for tudo reposto (mais 50 anos?), políticas sectoriais como o combate ao desemprego juvenil, terão sempre poucos resultados.
Por fim, reproduzo aqui a posição do então bispo de Cabinda e actual arcebispo de Luanda sobre o papel da Igreja na sociedade angolana:
“A Igreja não pretende qualquer protagonismo. Cristo não foi um protagonista, Cristo viveu na maior simplicidade e na maior humildade. Anunciou a palavra aos homens de boa vontade. Nós fazemos aqui (em Cabinda) o que a Igreja sempre fez. Se as nossas mensagens são escutadas, as pessoas sabem o significado e a força delas”.
Há oito dias decorreu na cidade do Lobito um “acto de massas” promovido pelo secretário municipal da UNITA, Juca Manjenje, durante o qual foi anunciada a estratégia eleitoral do partido “Voto Controlado Voto Garantido”. Tudo normal? Não. O dirigente do Galo Negro explicou o que quer dizer o controlo do voto: “ Cada militante controla dez votantes. E depois de votarem ficam nas assembleias de voto. Vamos todos levar a marmita e a kissangua. Depois de verificarmos se os dez votaram mesmo na UNITA, acampamos ali”.
Tradução: Um militante da UNITA vale o voto dele e mais dez. Depois sequestram as assembleias de voto e intimidam quem quiser ir votar nos outros partidos. Se for preciso os bispos e padres da UNITA andam de assembleia em assembleia dizendo aos eleitores:
- Vota na UNITA e tem cuidado com o sítio onde pões a cruz! Deus está a ver-te e nós sabemos se cumpriste as ordens.
Se for preciso também vão os feiticeiros. Quem não votar na UNITA vai morrer mesmo de veneno, doença na espinha, perda de potência sexual, casamento falhado e fata de dinheiro. Isto sim, Imbamba e Chissengueti, é transparência e lisura nas eleições.
Gustavo Costa, o opinante da UNITA por conta de Pinto Balsemão não lê atentamente os textos que lhe mandam. Assina de cruz. No último que publicou no Novo Jornal afirma que a UNITA nunca saboreou o poder do Estado. Mentira. Os escriturários do texto fingem que não sabem mas Gustavo não pode fingir. A UNITA fez parte do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) enquanto ele durou. Aliás, acabou porque a direcção do Galo Negro assim exigiu.
Portanto, esteve no Poder Executivo. Está no Poder Legislativo, ininterruptamente, desde 1992. E só não esteve na Presidência da República porque Jonas Savimbi rasgou o Protocolo de Lusaka assim que recebeu armamento sofisticado com o qual pensava que ia tomar o poder absoluto.
A UNITA está representada no Poder Legislativo e até tem o importantíssimo papel de líder da Oposição. Nessa qualidade está permanentemente a invadir o Poder Judicial, violando gravemente a separação de poderes, pedra de roque do regime democrático. Jornalistas escrevendo e publicando aldrabices é demasiado grave. Pelos vistos, ninguém se preocupa, nem os jornalistas honrados.
* Jornalista
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