quarta-feira, 31 de agosto de 2022

O CAMINHO INTEIRO ATÉ ODESSA

Pepe Escobar [*]

Dmitry Medvedev, destilando o seu “eu” desconectado, soltou o verbo sobre a Operação Militar Especial (SMO). Sem rodeios, ele afirmou que existem “um e meio” cenários: ou ir até o fim, ou um golpe de estado militar na Ucrânia, seguido da admissão do inevitável. Não se aplica um terceiro.

#Publicado em português do Brasil

Isso é o mais duro possível: a liderança em Moscou está deixando muito claro, para o público doméstico e internacional, que o novo acordo consiste em cozinhar lentamente a gangue de Kiev dentro de um caldeirão maciço, enquanto refina seu status de buraco negro financeiro para o Ocidente coletivo. Até atingir o ponto de ebulição – o que será uma revolução ou um putsch [golpe de estado – nota do tradutor]. Em paralelo, os Senhores da Guerra (de Proxies) [guerra terceirizada – nota do tradutor] continuarão com sua própria estratégia, que é saquear uma Europa enfraquecida, temerosa, e depois vesti-la como uma colônia perfumada, pronta para ser impiedosamente explorada ad nauseam pela oligarquia imperial.

A Europa é agora um TGV em fuga – menos os necessários valores de produção de Hollywood. Supondo que não se desvie dos trilhos – uma proposição arriscada – pode eventualmente chegar a uma estação ferroviária chamada Agenda 2030, A Grande Narrativa, ou alguma outra denominação OTAN/Davos du jour.

Na situação atual, o que é notável é como a economia russa “marginal” quase nem suou para “acabar com a abundância” da região mais rica do planeta.

Moscou nem sequer cogita a noção de negociar com Bruxelas porque não há nada para negociar – considerando que os eurocratas punitivos só serão expulsos de seu estado zombificado quando as terríveis consequências socioeconômicas do “fim da abundância” se traduzirem finalmente em camponeses com forquilhas vagando pelo continente.

Pode estar muito longe, mas inevitavelmente o italiano, alemão ou francês médio conectará os pontos e perceberá que são seus próprios “líderes” – nulidades nacionais e a maioria dos eurocratas não eleitos – que estão pavimentando seu caminho para a pobreza.

“Você será pobre. E você vai gostar”. “Porque todos nós apoiamos a liberdade dos neonazis ucranianos”. Isso leva o conceito de “Europa multicultural” a um nível totalmente novo.

O trem em fuga, é claro, pode descarrilar e mergulhar em um abismo alpino. Neste caso, algo pode ser salvo dos destroços – e a “reconstrução” pode ser uma opção. Mas reconstruir o quê?

A Europa sempre pode reconstruir um novo Reich (desmoronou com um estrondo em 1945); um Reich suave (erguido no final da Segunda Guerra Mundial); ou romper com seu passado de fracassos, cantar “I’m Free” – e conectar-se com a Eurásia. Não aposte nisso.

Recuperar aquelas terras taurianas

O SMO pode estar prestes a mudar radicalmente – algo que deixará os já atônitos negacionistas Think-Tankland dos EUA, e seus vassalos europeus, ainda mais nervosos.

O Presidente Putin e o Ministro da Defesa Shoigu têm dado sérios sinais de que o botão de dor gira somente no sentido horário [a dor só vai aumentar – adicionado pelo tradutor] – considerando a crescente evidência de terrorismo dentro do território russo; o vil assassinato de Darya Dugina; o bombardeio ininterrupto de civis nas regiões de fronteira; os ataques à Crimeia; o uso de armas químicas; e o bombardeio da usina de Zaporizhzhya, aumentando o risco de uma catástrofe nuclear.

Na última terça-feira, um dia antes do SMO completar seis meses, o representante permanente da Crimeia no Kremlin, Georgy Muradov, quase o soletrou.

Ele enfatizou a necessidade de “reintegrar todas as terras taurianas” – Crimea, Mar Negro do Norte e Mar de Azov – em uma única entidade, tão logo como “nos próximos meses”. Ele definiu este processo como “objetivo e exigido pela população destas regiões”.

Muradov acrescentou, “considerando não apenas os ataques à Crimeia, mas também o contínuo bombardeio da central nuclear de Zaporizhzhya, da barragem do reservatório de Kakhovka, de instalações pacíficas no território da Rússia, da DNR e da LNR, há todas as condições necessárias para qualificar as ações do regime de Banderita como terroristas”.

A conclusão é inevitável: “a questão política de mudar o formato da operação militar especial” entra na agenda. Afinal de contas, Washington e Bruxelas “já prepararam novas provocações anti-Crimeia da aliança OTAN-Bandera”.

Assim, quando examinamos o que a “restauração das terras taurianas” implica, vemos não apenas os contornos de Novorossiya, mas sobretudo que não haverá nenhuma segurança para a Crimeia – e, portanto para a Rússia – no Mar Negro sem que Odessa se torne novamente russa. E que, além disso, o dilema da Transnístria será resolvido.

Acrescente a isso Kharkov – a capital e centro industrial de topo do Grande Donbass. E, é claro, Dnipropetrovsk. Todos eles são objetivos SMO, toda a combinação a ser posteriormente protegida por zonas tampão em Chernihiv e Sumy oblasts.

Somente então as “tarefas” – como Shoigu as chama – da SMO seriam declaradas cumpridas. A linha do tempo poderia ser de oito a dez meses – depois de uma pausa sob o inverno geral.

À medida que a SMO turbo se desenrola, é um dado adquirido que o Império do Caos, Mentiras e Pilhagem continuará a apoiar e armar a gangue de Kiev até o Reino do Amanhã – e isso se aplicará especialmente após o retorno de Odessa. O que não está claro é quem e qual gangue será deixada em Kiev, passando por partido governante e fazendo especiais para a Vogue enquanto cumpre devidamente a massa de ditados imperiais.

É também um dado adquirido que a combinação CIA/MI6 refinará sem parar os contornos de uma guerra de guerrilha maciça contra a Rússia em múltiplas frentes – repleta de ataques terroristas e todo tipo de provocações.

No entanto, no quadro maior, tem-se a inevitável vitória militar russa no Donbass e depois em “todas as terras taurianas” que atingirá o Ocidente coletivo como um asteroide letal. A humilhação geopolítica será insuportável; para não mencionar a humilhação geoeconômica para a Europa vassalizada.

Como a integração eurasiática se tornará um vetor ainda mais forte, a diplomacia russa solidificará o novo normal. Nunca esqueça que Moscou não teve problemas para normalizar as relações, por exemplo, com a China, o Irão, o Qatar, a Arábia Saudita, o Paquistão e Israel. Todos estes atores, de diferentes maneiras, contribuíram diretamente para a queda da URSS. Agora – com uma exceção – todos eles estão concentrados em no alvorecer do século eurasiático.

27/Agosto/2022

[*] Analista geopolítico.

O original encontra-se em thesaker.is/all-the-way-to-odessa/
e a tradução de Quantum Bird em sakerlatam.org/o-caminho-inteiro-ate-odessa/

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