segunda-feira, 28 de março de 2022

VIAGEM AO MUNDO SEM LEI DOS SUPER-RICOS

Parasitagem da riqueza social. Paraísos fiscais. Advogados. Políticos “tolerantes”. Um herdeiro que conviveu com o 0,01%, revela como esta “nova classe” multiplica sua riqueza e poder – e quanto sonha viver num mundo sem sociedades e Estados

Ladislau Dowbor | Outras Palavras

“É difícil levar uma pessoa a entender alguma coisa
quando o seu salário depende de não a entender.”
Upton Sinclai
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O caos financeiro mundial e brasileiro que enfrentamos tem um sentido: favorecer os mais ricos. Nos 30 anos do pós-guerra, entre 1945 e 1975, o capitalismo apresentou um razoável equilíbrio entre os lucros dos empresários, a remuneração dos trabalhadores, e as políticas públicas indispensáveis ao desenvolvimento equilibrado. Com Reagan os EUA e Thatcher na Grã-Bretanha, o capitalismo se desloca para um sistema em que os lucros financeiros passam a dominar os processos produtivos. A mudança é profunda, e se baseia em três eixos de mudança.

Primeiro, com a informática e a conectividade planetária, a moeda deixa de ser algo impresso pelo governo e passa a ser um sinal magnético emitido pelos grupos financeiros. O dinheiro imaterial passa a navegar no espaço planetário instantaneamente, passa a ser “liquidez”. Não precisa abrir mala na alfândega. Segundo, o sistema financeiro passa a ser planetário, no chamado high frequency trading, com derivativos, paraísos fiscais, e outros mecanismos de escala global, enquanto os governos, ou seja, a capacidade reguladora financeira dos Estados e dos bancos centrais, estão limitados à escala nacional: os poderes públicos perdem grande parte da sua capacidade reguladora, em particular de poder orientar recursos financeiros em função das necessidades do desenvolvimento.

A SAÚDE DOS ESCRIBAS E SEUS MAFUCAS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Direito à inviolabilidade pessoal. Já falei tanto disto que corro o risco de ser repetitivo. Mas os crimes de abuso de liberdade de imprensa são cada vez mais graves e tenho mesmo que repetir. Porque temos um Sindicato dos Jornalistas que está reduzido a correia de transmissão da UNITA à moda do engenheiro à civil Adalberto da Costa Júnior. Face a gravíssimos atropelos do código ético e deontológico, a estrutura sindical só sabe dizer mal dos órgãos públicos da comunicação social.

Hoje temos a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA). O seu papel é regular o exercício do Jornalismo. Mas como a instituição está infiltrada por um bêbado da valeta, pouco ou nada se vê.

Angola tem uma Comissão da Carteira Profissional e Ética. Uma vitória importantíssima dos jornalistas. Mas os crimes de abuso de liberdade de imprensa são cada vez mais graves e nada acontece aos infractores. Pelo contrário, a UNITA mete-lhes mais dinheiro nos bolsos e as “embaixadas amigas” compram-nos cada vez mais barato. 

A projecção vital do Direito à Inviolabilidade Pessoal abrange a esfera privada, a esfera pessoal, a esfera do segredo e a história pessoal. Todos os cidadãos são protegidos, mesmo as figuras públicas. A saúde de cada pessoa não está disponível para os jornalistas, nunca. Porque se trata de um tema da esfera pessoal, do segredo ou da história pessoal. José Gama está infectado com Sida? Não se pode fazer disso uma notícia. William Tinet violou uma menina menor nas escadas do prédio e infectou-a com HIV? A violação foi notícia. Mas a infecção não pode.

Barbosa Francisco, Massano Jorge, Juca Manuel, Noel Pedro, Marcos Miguel, Júlio Beto, Simão Manuel ou Juca Fernandes são sidosos e leprosos? Provavelmente sim. Mas isso não pode ser tema de notícia. Adalberto da Costa Júnior contaminou a namorada com uma blenorragia? Só pode. Mas um esquentamento não é notícia nunca. Abílio Camalata Numa tem piolhos do púbis e diverte-se passando a piolhice às meninas que nele confiam? Capaz disso é ele, mas não pode ser notícia até porque já não há DDT para matar a bicheza.

O Club K, arma de guerra da Irmandade Africâner e da UNITA, publica uma matéria sobre a saúde do Presidente João Lourenço, as consultas que faz, os médicos que o assistem. Não pode. Proibido. Mas ignoraram o direito à inviolabilidade pessoal e puseram a saúde do Chefe de Estado no pasquim. O Sindicato dos Jornalistas remeteu-se ao silêncio. A ERCA ainda está a gozar a ponte do 8 de Março. A Comissão da Carteira Profissional e Ética nem uma palavra.

CONTOS POPULARES ANGOLANOS

Soba Levou a Fome para Casa

Seke La Bindo

Aconteceu mesmo no Dala, à vista das quedas, no tempo em que o homem era burro e o burro era homem. O sobrinho de um poderoso soba, senhor de água e terra, celeiros repletos e súbditos espalhados por toda a terra, casou com uma bela princesa. O jovem saiu com a sua mulher da embala e construiu a sua casa, com a força da sua vontade. Nunca na região existiu um casal tão feliz e unido.

Um dia o velho soba morreu e o sobrinho foi ocupar o seu lugar. Quando chegou à embala, uma velha mulher que o viu nascer, disse-lhe estas palavras sábias:

- Muitas concubinas não conseguem fazer uma esposa!

O jovem estava eufórico com as suas novas funções e pensou para si que a velha devia estar perturbada, devido à sua longa idade e por carregar nas suas costas curvadas tantos cacimbos.

A mamã que o ajudou a crescer foi felicitá-lo por ser o novo soba. E aproveitou para lhe dizer:

- Quem tem muitas mulheres não tem o amor de nenhuma!

O soba estava tão feliz pela sua nova condição que mal ouviu as sábias palavras daquela que foi a sua primeira professora.

Nessa noite disse à mulher que ia arranjar outras mulheres para que na sua casa houvesse sempre comida para os hóspedes e os viajantes. A mulher ficou pensativa e respondeu:

- Tu és o soba, por isso podes fazer o que quiseres. Mas nunca te esqueças dos anos que fomos felizes quando erguemos a nossa casa e a enchemos de filhos.

Na aldeia existia um velho sábio que sabia tanta coisa, que até conhecia o corredor desde as montanhas até ao mar. O soba disse-lhe que queria arranjar mais mulheres, para nunca faltar comida em sua casa. O velho olhou-o com um ar misterioso e depois sentenciou:

- Wahálika wáfwa zala! Quem tem muitas mulheres morre de fome.

O soba ficou pensativo mas achou que o velho sábio, dada a sua idade avançada, perdeu o juízo. É bom ter sempre uma mulher a cuidar da lavra e outra no pilão a fazer farinha. Jamais pode acabar a comida na casa de um soba com muitas mulheres. Mas mesmo assim, ainda foi consultar uma velha que adivinhava a chuva e aspergia bênçãos sobre as lavras, que multiplicavam por mil a produção das mandioqueiras. Ela devia saber se a sua decisão de ter muitas mulheres estava certa. 

A velha adivinha olhou para ele e disse num tom severo:

- Walimakéxi kulanda! A quem trabalha não falta comida. 

Depois a velha pegou-lhe ternamente na mão e disse em surdina:

 - Mais vale termos um pé do que duas muletas.

O soba ficou decepcionado com a resposta da velha adivinha e não a levou a sério. Devia estar perturbada com as suas incursões ao mundo dos mortos. Ou quando foi ao rio encontrou o Come Vidas. O encontro eixou-a  tão assustada que não é capaz de compreender a bondade de um soba ter muitas mulheres.

E não ouviu mais ninguém. Arranjou seis mulheres e construiu uma cubata para cada uma na sua embala. Andava tão contente com a sua vida, que nem sequer foi capaz de ver a infinita tristeza que a sua primeira mulher carregava.

Um dia o soba foi à cubata de uma das mulheres e disse-lhe para preparar o pirão e o conduto. E a bela jovem respondeu ríspida:

- Vai comer na casa onde dormiste. 

E o soba nessa noite dormiu sem nada no estômago. Uns dias depois foi à cubata de outra mulher e pediu-lhe que preparasse o pirão e o conduto. E ela virou-lhe as costas. Sem se dignar olhá-lo nos olhos disse zangada:

- Vai comer na cubata daquela que é a tua favorita.

O soba nessa noite foi outra vez dormir com a fome.

No dia seguinte foi à cubata de outra mulher e ordenou-lhe que preparasse uma grande panela de comida porque estava com fome. E a jovem encolerizada, respondeu:

- Vai comer na casa daquela que dizes ser a mais bela.

O soba nesse dia dormiu com a infelicidade.

No dia seguinte, chegaram de terras longínquas os seus vassalos que vinham trazer os seus tributos. O soba agasalhou-os e mandou as mulheres prepararem muita comida. À noite, quando chegou à tchóta, o soba encontrou os vassalos em silêncio e viu que no meio existia apenas um prato de comida para todos. Na casa do soba não havia fuba nem nada.

 Na manhã seguinte, bem cedinho, o soba foi ter com os vassalos à tchóta mas eles tinham partido bem cedo, porque na casa do soba não havia comida. Mas encontrou os mais velhos reunidos. E quando ele se sentou no seu lugar de soba, o porta-voz dos anciãos disse-lhe:

- Tu envergonhaste o nosso povo, os teus vassalos foram recebidos com fome. Na tua casa não existe o que há nas casas de quem trabalha. 

E retiraram-se. 

O soba ficou sozinho na tchóta, meditou e depois foi às cubatas das suas mulheres e mandou-as embora, ficando com a sua primeira companheira. E desde esse dia a casa do soba conheceu a felicidade e a abundância. 

A PROPAGANDA E OS ERROS DA MINHA GERAÇÃO -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O presidente da Ucrânia, senhor Zelensky, é o herói do Ocidente. Já recebi mil informações sobre ele, que eu atiro para o lixo. Mas hoje, a CNN Portugal exibiu uma peça criada nos EUA que me deixou informado. Começou como comediante russo. Cresceu como comediante russo. Cresceu mais ainda como comediante ucraniano. Amparado por um oligarca, criou a sua produtora. O oligarca fugiu da Ucrânia acusado de roubar dois mil milhões de euros ao Estado. Deixou para trás, entre outros bens, um canal de televisão que por acaso é o mais visto no país. O senhor Zelensky era a estrela da companhia. Protagonizou uma série chamada O servo do Povo, onde fazia de presidente da Ucrânia.

Até poucos dias antes das eleições de 2019 o senhor Zelenxky entrava em casa dos ucranianos como líder do partido Servo do Povo e como presidente apostado em esmagar a corrupção. Na vida real criou um partido chamado Servo do Povo e concorreu às presidenciais. Ganhou com 70 por cento dos votos. Prometeu aos eleitores que ia acabar com a corrupção na Ucrânia e acabar com a guerra no Leste do país, onde estão as repúblicas populares separatistas.

Uma vez eleito deixou os palcos e ficou presidente de verdade. Alguns dias depois da sua eleição o oligarca fugitivo, suspeito de ter roubado dois mil milhões de euros ao Estado, regressou a Kiev. Outras fontes dizem-me que os governantes que escolheu são empregados do oligarca e seus colegas na produtora. Como a informação não vem da CNN, não tomem esses factos em consideração.

Em 2019, o senhor Zelensky integrou as milícias nazis na Guarda Nacional e nas forças armadas. A CNN diz que a decisão causou polémica. A sua ligação com o senhor presidente Trump também é polémica. 

Ainda o mandato não terminou e ele já reabilitou um oligarca acusado de altíssima corrupção. O seu nome aparece ligado aos “oligarcas” do Panamá Papers. O senhor Zelensky escondeu milhares de milhões nos paraísos fiscais. Isto é o que diz a CNN, eu limito-me a reproduzir. Também é proprietário de uma mansão em Miami. E depois, é crime?

Por fim, hoje mesmo, esta noite nocturna, o senhor primeiro-ministro da Hungria, país da União Europeia, Viktor Mihály Orbán, sobre o senhor presidente Zelensky disse isto: “Ele é apenas um actor!” O senhor Orbán é líder do maior partido da Hungria, o “Fidesz”, fortemente conotado com a extrema-direita. Ciúmes artísticos? Sabe-se lá!

A CNN nasceu no estado terrorista mais perigoso do mundo e na altura eu fazia parte da direcção de um sindicato de jornalistas. O entusiasmo de todos sobre a nova forma de fazer televisão deixou-me curioso e fui ver. Um barrete dos antigos. E perigoso. Num encontro de profissionais disse que passar na televisão a vida em directo pode ser tudo, menos jornalismo. Porque os acontecimentos têm de ser mediados por profissionais, os tais jornalistas que estão em vias de extinção.

Os criadores do embuste, para não levantarem suspeitas, lançaram os pés humanos de microfone e as carregadoras ou carregadores de câmaras. Algumas e alguns são tão básicos, tão idiotas, que o melhor é mesmo nada dizerem, nada fazerem, nada de nada. A CNN prosperou e agora todos imitam o erro. Os consumidores gramam milhares de horas de “informação” sem o filtro da intermediação, sem o contributo técnico dos profissionais. É a sociedade do espectáculo em todo o seu esplendor, com a marca indelével do banditismo mediático. 

Um aviso: Já começaram a triturar o herói do ocidente. Prometeu aos ucranianos o fim da corrupção e segundo a CNN e o “consórcio” de jornalistas ele é corrupto. Prometeu acabar com a guerra e a guerra está a acabar com a Ucrânia. Um dia destes vamos saber tanto dele como sabemos dos heróis de Hong Kong, das revoluções alaranjadas e das primaveras árabes. Tudo carne para canhão. E o sistema cada vez mais falido e bloqueado. O fim pode ser mesmo o fim de tudo. Espero estar redondamente enganado. Porque acredito que os próximos cinco anos vão ser os da afirmação de Angola como um país onde é bom viver.

23 DE MARÇO DE 1988

Martinho Júnior, Luanda

34 ANOS DE FORJA DO “APARTHEID GLOBAL” EM QUE HOJE SE CONSOME TODA A HUMANIDADE!

36 ANOS DO INÍCIO DO DERRUBE DA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA POR VIA DA “GLASNOST À ANGOLANA”… 

HOUVE QUE ACABAR COM O “APARTHEID INSTITUCIONAL” NA ÁFRICA AUSTRAL, TODAVIA ELE AINDA PERSISTE EM MUITOS LUGARES SOB AS MAIS DIVERSAS FORMAS E POR ISSO O “APARTHEID GLOBAL” QUE ESTAMOS A VIVER EM PLENO SÉCULO XXI!

O “apartheid institucional” foi derrotado na África Austral, mas a terapia neoliberal, no seguimento do choque da “Iª Guerra Mundial Africana”, promovendo a injustiça social, implantou o “apartheid social” conforme ao que passou a infernizar a vida dos povos nas regiões Austral e Central de África… evidência neocolonial!

O caduco cometa “hegemon” unipolar e sua larga cauda tem sido o maior responsável desse “apartheid social”, em que vivem aliás os povos dos Estados Unidos e dos componentes do híbrido União Europeia – Organização do Tratado do Atlântico Norte (com uma Europa ocupada por muitas bases “ultramarinas” do Pentágono), tal como muitos outros povos dominados, obrigados a beber da mesma fonte da irracionalidade humana a que chamam de “comunidade internacional” , como o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia ou Israel, neste caso mentor da barbaridade do “apartheid” contra o povo palestino!

Em pleno século XXI chegámos ao “apartheid global”, à beira do abismo duma pendente convulsão nuclear!

É nesse húmus que está a haver a mudança de paradigma rumo a um mundo multilateral, democrático e cultor de paz!

É por conseguinte, hoje mais que ontem, ainda mais justo, que os 16 países constituintes da SADC (organização sucessora da Linha da Frente contra o “apartheid institucional”) evoquem e festejam a memória da vitória na batalha de Cuito Cuanavale!

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