Seke La
Bindo
Aconteceu mesmo no Dala, à vista
das quedas, no tempo em que o homem era burro e o burro era homem. O sobrinho
de um poderoso soba, senhor de água e terra, celeiros repletos e súbditos
espalhados por toda a terra, casou com uma bela princesa. O jovem saiu com a
sua mulher da embala e construiu a sua casa, com a força da sua vontade. Nunca
na região existiu um casal tão feliz e unido.
Um dia o velho soba morreu e o
sobrinho foi ocupar o seu lugar. Quando chegou à embala, uma velha mulher que o
viu nascer, disse-lhe estas palavras sábias:
- Muitas concubinas não conseguem
fazer uma esposa!
O jovem estava eufórico com as
suas novas funções e pensou para si que a velha devia estar perturbada, devido
à sua longa idade e por carregar nas suas costas curvadas tantos cacimbos.
A mamã que o ajudou a crescer foi
felicitá-lo por ser o novo soba. E aproveitou para lhe dizer:
- Quem tem muitas mulheres não
tem o amor de nenhuma!
O soba estava tão feliz pela sua
nova condição que mal ouviu as sábias palavras daquela que foi a sua primeira
professora.
Nessa noite disse à mulher que ia
arranjar outras mulheres para que na sua casa houvesse sempre comida para os
hóspedes e os viajantes. A mulher ficou pensativa e respondeu:
- Tu és o soba, por isso podes
fazer o que quiseres. Mas nunca te esqueças dos anos que fomos felizes quando
erguemos a nossa casa e a enchemos de filhos.
Na aldeia existia um velho sábio
que sabia tanta coisa, que até conhecia o corredor desde as montanhas até ao
mar. O soba disse-lhe que queria arranjar mais mulheres, para nunca faltar
comida em sua casa. O velho olhou-o com um ar misterioso e depois sentenciou:
- Wahálika wáfwa zala! Quem tem
muitas mulheres morre de fome.
O soba ficou pensativo mas achou
que o velho sábio, dada a sua idade avançada, perdeu o juízo. É bom ter sempre
uma mulher a cuidar da lavra e outra no pilão a fazer farinha. Jamais pode
acabar a comida na casa de um soba com muitas mulheres. Mas mesmo assim, ainda
foi consultar uma velha que adivinhava a chuva e aspergia bênçãos sobre as
lavras, que multiplicavam por mil a produção das mandioqueiras. Ela devia saber
se a sua decisão de ter muitas mulheres estava certa.
A velha adivinha olhou para ele e
disse num tom severo:
- Walimakéxi kulanda! A quem
trabalha não falta comida.
Depois a velha pegou-lhe
ternamente na mão e disse em surdina:
- Mais vale termos um pé do
que duas muletas.
O soba ficou decepcionado com a
resposta da velha adivinha e não a levou a sério. Devia estar perturbada com as
suas incursões ao mundo dos mortos. Ou quando foi ao rio encontrou o Come
Vidas. O encontro eixou-a tão assustada que não é capaz de compreender a
bondade de um soba ter muitas mulheres.
E não ouviu mais ninguém.
Arranjou seis mulheres e construiu uma cubata para cada uma na sua embala. Andava
tão contente com a sua vida, que nem sequer foi capaz de ver a infinita
tristeza que a sua primeira mulher carregava.
Um dia o soba foi à cubata de uma
das mulheres e disse-lhe para preparar o pirão e o conduto. E a bela jovem
respondeu ríspida:
- Vai comer na casa onde
dormiste.
E o soba nessa noite dormiu sem
nada no estômago. Uns dias depois foi à cubata de outra mulher e pediu-lhe que
preparasse o pirão e o conduto. E ela virou-lhe as costas. Sem se dignar
olhá-lo nos olhos disse zangada:
- Vai comer na cubata daquela que
é a tua favorita.
O soba nessa noite foi outra vez
dormir com a fome.
No dia seguinte foi à cubata de
outra mulher e ordenou-lhe que preparasse uma grande panela de comida porque
estava com fome. E a jovem encolerizada, respondeu:
- Vai comer na casa daquela que
dizes ser a mais bela.
O soba nesse dia dormiu com a
infelicidade.
No dia seguinte, chegaram de
terras longínquas os seus vassalos que vinham trazer os seus tributos. O soba
agasalhou-os e mandou as mulheres prepararem muita comida. À noite, quando
chegou à tchóta, o soba encontrou os vassalos em silêncio e viu que no meio
existia apenas um prato de comida para todos. Na casa do soba não havia fuba
nem nada.
Na manhã seguinte, bem
cedinho, o soba foi ter com os vassalos à tchóta mas eles tinham partido bem
cedo, porque na casa do soba não havia comida. Mas encontrou os mais velhos
reunidos. E quando ele se sentou no seu lugar de soba, o porta-voz dos anciãos
disse-lhe:
- Tu envergonhaste o nosso povo,
os teus vassalos foram recebidos com fome. Na tua casa não existe o que há nas
casas de quem trabalha.
E retiraram-se.
O soba ficou sozinho na tchóta,
meditou e depois foi às cubatas das suas mulheres e mandou-as embora, ficando
com a sua primeira companheira. E desde esse dia a casa do soba conheceu a
felicidade e a abundância.