VINCENT BEVINS: “A CIA ATUAVA SEM SUPERVISÃO E CONSEQUÊNCIAS. ISSO EXPLICA OS SEUS EXCESSOS BIZARROS”
João Biscaia | Setenta e Quatro
O jornalista californiano falou
com o Setenta e Quatro sobre o seu livro O Método Jacarta,
recentemente editado
ENTREVISTA
Entre 1965 e 1966, os Estados Unidos apoiaram o massacre de mais de um milhão de indonésios. Com apoio material e propaganda, ajudaram a inflamar por toda a Indonésia uma purga anticomunista que não se limitou aos militantes ou simpatizantes do terceiro maior partido comunista no mundo na altura, o PKI, com cerca de três milhões de filiados.
Os militares, os seus esquadrões de morte e assassinos contratados, a quem a CIA forneceu listas com milhares de nomes, executaram igualmente por todo o país centenas de milhares de outros esquerdistas, feministas, javaneses muçulmanos e indonésios de ascendência chinesa.
No final, Washington conseguiu o que queria: o PKI foi dissolvido e banido, o presidente Sukarno, nacionalista moderado e proeminente líder do movimento anticolonial terceiro-mundista, foi destituído e posto em prisão domiciliária e a Indonésia tornou-se num importante aliado dos EUA. Sob a liderança ultraconservadora do general Suharto, o país abriu a sua economia ao mercado livre. Ainda hoje é ilegal na Indonésia contar a verdade dos factos.
A operação de mudança de regime na Indonésia correu tão bem - o número de baixas norte-americanas foi zero, ao contrário do que se passava ao mesmo tempo no Vietname - que a CIA decidiu replicar essa estratégia noutras partes do mundo. Deu-lhe o nome “método Jacarta” e seguiram-se Brasil, Chile, Timor-Leste, Colômbia ou Sri Lanka. Nas fileiras anticomunistas, o nome da capital indonésia passou a equivaler ao desejo de extermínio em massa de todas as forças e militantes de esquerda.
É esse o nome do livro de Vincent Bevins, jornalista norte-americano, correspondente no Sudeste Asiático e na América do Sul. A partir da análise de diversos documentos desclassificados pelo governo dos EUA e de dezenas de entrevistas com testemunhas e sobreviventes, Bevins esquematizou um “programa de assassínio maciço” da política externa dos Estados Unidos. Esse programa foi alimentado pelo anticomunismo e “moldou o nosso mundo”, sendo uma peça chave da vitória norte-americana naquilo que se chama de Guerra Fria.
Como conseguiram os Estados Unidos (EUA) abafar um massacre de mais de um milhão de pessoas na Indonésia? Houve um plano?
Não creio que tenha sido metódico. Aconteceu de maneira mais orgânica, resultado da configuração particular dos aparatos que produzem conhecimento em língua inglesa, ou pelo menos nos EUA. O facto de tão poucas pessoas saberem o que se passou é, antes de mais, resultado do sucesso da operação na Indonésia.
No fim de 1966, o general Suharto assumiu [o controlo de] todos os meios de comunicação no país e estabeleceu uma história propagandística que construiu com a ajuda dos Estados Unidos e do Reino Unido. Não tenho a certeza se estes países ajudaram a escrever essa história, mas ajudaram a espalhá-la.
Estabeleceu-se uma determinada verdade sobre o que aconteceu e essa história tornou-se hegemónica. Tornou-se a única versão que se podia contar, tirando os "sussurros" daqueles que fugiam de esquadrões da morte. Depois, a questão do Vietname, onde as coisas se passaram de forma muito diferente. Ainda que os funcionários de política externa dos Estados Unidos acreditassem que a Indonésia era muito mais importante que o Vietname, no contexto da Guerra Fria, este último tornou-se um grande problema político para os norte-americanos ao se tornar um problema doméstico. Era um atoleiro de dinheiro onde jovens norte-americanos iam morrer.
Por outro lado, a Indonésia saltou muito facilmente do campo anticolonial e de esquerda, que liderava, para o lado anticomunista. Tornou-se uma nação aliada dos Estados Unidos sem qualquer custo para os norte-americanos. Não foi grande notícia no meio da guerra do Vietname.