– Mais recentemente, temos assistido a intervenções de várias entidades apelando à obtenção de uma solução política para o conflito, todas admitindo a possibilidade da amputação territorial da Ucrânia.
Major-General Carlos Branco [*]
Foram precisos nove meses de guerra, a destruição de 50% das infraestruturas energéticas da Ucrânia, a ruína do seu tecido industrial, uma crise sem precedentes de refugiados (cerca de oito milhões) e de deslocados internos, a redução de 33,4% do seu PIB, mais de cinco milhões de desempregados, e centenas de milhares de vidas humanas ceifadas para se começar a falar de paz. Importa perceber a origem desta mudança discursiva.
Não terá sido alheia a esta alteração de “dinâmica”, as consequências que a guerra está a ter na Europa, causadas pelo efeito bumerangue das sanções impostas pela União Europeia (UE) à Rússia, entre outras a inflação galopante, a recessão económica, e a deterioração das condições de vida das populações, que começam a contestar as políticas dos seus governantes.
Como salientou Kristalina Georgieva, a diretora-geral do FMI, numa entrevista ao Washington Post, “a guerra parece estar a desencadear uma série de desenvolvimentos que podem ficar fora de controlo”. A probabilidade de fragmentação da economia mundial tornou-se elevada: “podemos estar a caminhar como sonâmbulos para um mundo que é mais pobre e menos seguro.” Segundo ela, a construção de barreiras económicas pelos EUA e pela UE para obterem objetivos geopolíticos podem fazer mais mal do que bem, referindo apenas o campo económico.
Contudo, o fator determinante na introdução da diplomacia na ação e no discurso político deve-se ao facto de Washington ter conseguido concretizar, com esta guerra, vários objetivos geoestratégicos de longa data.
Em primeiro lugar, inviabilizar um projeto europeu dotado de autonomia estratégica, passível de competir e rivalizar no futuro com Washington. Será difícil, nos tempos mais próximos, um dirigente europeu ter a coragem de afirmar que “os europeus têm de lutar pelo seu próprio futuro e destino”, nos termos em que esta afirmação foi feita pela então Chanceler Angela Merkel.
Em segundo lugar, obter a total
submissão da Alemanha, o principal polo agregador desse tão almejado projeto
europeu, em risco de perder a sua competitividade industrial conseguida, em
grande parte, pelo recurso aos hidrocarbonetos russos baratos. Está presente na
memória de todos a célebre conferência de imprensa
Em terceiro, consumar a rutura da Europa com a Rússia impedindo o aprofundamento da cooperação entre elas nos mais variados domínios, desde o económico ao tecnológico, fazendo com que Moscovo se afastasse da Europa e pivoteasse para leste e para os mercados asiáticos. Esse afastamento já se tinha iniciado há alguns anos, mas acelerou-se com a guerra. A destruição dos gasodutos ajudou a consumar esse movimento.
E, em quarto, o enfraquecimento da Rússia, através de um prolongado regime de sanções, contando para tal com o apoio incondicional da UE, objetivo menos conseguido do que os anteriores. Para além da guerra económica desencadeada à Rússia não ter tido até agora os efeitos esperados, está a ter um efeito desastroso para as economias europeias. Algumas das sanções impostas à Rússia poderão manter-se mesmo que exista um acordo de paz. Embora a secretária do Tesouro Janet Yellen admita que o conflito está a acabar, foi muito clara sobre esta matéria.
Como escreveu Timothy Ash, “os 5,6% do orçamento norte-americano de defesa utilizados para destruir quase metade da capacidade militar convencional da Rússia foram um investimento absolutamente incrível. A análise de custo-benefício do apoio dos EUA à Ucrânia é incontestável. Está a produzir vitórias em quase todos os campos.”