De viagem a quatro países africanos – Angola, Gabão, República do Congo e República Democrática do Congo –, Macron invoca menos presença militar e mais humildade da França para com África.
O Presidente francês Emmanuel Macron inicia a sua viagem de vários dias ao continente africano com um estrondo: pouco antes da sua partida para o Gabão prevista para quarta-feira, Macron invocou uma nova política africana no Palácio do Eliseu que não deveria ser marcada pela presença militar mas sim pela humildade.
Macron afirmou na segunda-feira (27.02) em Paris que a França deve mostrar "humildade profunda" em África. Por conseguinte, isto inclui também a "redução notável" da sua presença militar em África, que deverá ser implementada nos próximos meses. Esta "reorganização" não é, contudo, um retiro, salientou Macron, que se deslocará a Angola, República do Congo e República Democrática do Congo, na sequência da sua visita ao Gabão. Por outro lado, Macron quer intensificar as relações económicas.
Macron lança uma nova nota sobre África
Emmanuel Macron já tinha anunciado uma nova política para África no início da sua presidência. O seu discurso aos estudantes no Burkina Faso, em Novembro de 2017, no qual apelou a um afastamento da "Françafrique", a influência neocolonial da França em África, foi muito discutido. O próprio Macron referiu-se a este discurso na segunda-feira, e os analistas também traçam paralelos. O objectivo de Macron é enfatizar mais modéstia do que no passado, diz Alex Vines, chefe do programa África no think tank londrino Chatham House, por exemplo.
Vines faz uma avaliação positiva do discurso de segunda-feira numa entrevista com DW: "É um tom muito diferente de há seis anos atrás, quando Macron fez o seu discurso principal sobre a política da África francesa em Ouagadougou". Ele diz que o discurso mostra as deliberações que tiveram lugar no Palácio do Eliseu, mas também no Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobre como a França precisa de mudar a sua política para África à luz da realidade e dos reveses que o país tem sofrido, particularmente no Sahel.
O principal objectivo é colocar as bases militares francesas que permanecem no continente africano sob forte influência africana - e há muitas delas, por exemplo no Chade, Níger, Costa do Marfim e Djibuti, diz Vines numa entrevista com DW.
No futuro, as bases militares deverão continuar a operar em conjunto com os soldados locais ou ser convertidas em academias militares. Recentemente, o número de forças francesas no continente africano já tinha diminuído de 5000 para 3000.
Conceitos de segurança inadequados para os conflitos em África
Na realidade, a ideia de transformar as bases em academias militares não é assim tão nova, diz Niagalé Bagayoko, chefe da Rede Africana do Sector de Segurança no Gana. Esta abordagem lembra fortemente a política seguida pela França no final dos anos 90 e início dos anos 2000, diz Bagayoko numa entrevista com a DW.
Ela acrescenta: "Mesmo no início da crise do Sahel, há mais de dez anos, os exércitos africanos encontravam-se num estado que tinha de dar motivos para reconsiderar esta forma de formação. Isso não aconteceu". Pelo contrário, diz, tornou-se claro que os conceitos de segurança importados - sejam eles franceses, multilaterais ou mesmo russos - são completamente inadequados para lidar com os conflitos em África.
Sentimento anti-Francês em África
Há já algum tempo que as coisas estão a ferver nas antigas colónias francesas. O sentimento anti-francês tem sido expresso em manifestações, uma atitude também adoptada pelos governos militares no Mali e no Burkina Faso após os recentes golpes de Estado.
Durante muitos anos, a França, com as suas tropas destacadas, tem sido uma força importante na luta contra os grupos terroristas islâmicos no Sahel, que têm perturbado particularmente o Mali e o Burkina Faso. Há menos de um mês, o Burkina Faso apelou à antiga potência colonial para que se retirasse. A França terminou a sua operação de Barkhane no Mali no ano passado, em parte porque o governo militar de lá mantém contactos estreitos com a Rússia e diz-se que contratou combatentes do grupo mercenário russo Wagner.
Ele está "orgulhoso" do desempenho das suas tropas no Sahel, afirmou Macron na segunda-feira em resposta a repetidas críticas. Segundo Andreas Eckert, um estudioso africano da Universidade de Humboldt em Berlim, foi a presença militar francesa que alimentou o sentimento anti-francês. Mas isto é contrário aos interesses económicos. Por detrás da nova retórica está que "Macron percebe até certo ponto que a França já não será capaz de continuar a sua política neocolonial".
Interesses económicos
Agora a França está a tentar sair elegantemente da questão sem perder a face, diz Eckert. Também tem havido cada vez mais críticas na política interna francesa sobre as elevadas despesas militares, que são compensadas por investimentos urgentemente necessários em casa.
Mas enquanto a influência da França nas suas antigas colónias está a diminuir, os países africanos continuam a ser importantes para a política parisiense. Macron está agora a procurar uma cooperação económica mais estreita. O estudioso africano Eckert salienta que Macron já tinha dito no período que antecedeu o seu discurso que as empresas francesas teriam de competir mais, tendo em conta a presença chinesa e russa.
França: novas relações em vez de retirada de África?
O itinerário do Presidente Macron poderia dar uma indicação de como Paris pretende atingir este objectivo. "Trata-se de reconstruir as relações com países há muito ligados à França, como o Gabão, onde este ano se realizam eleições, e o Congo-Brazzaville, o que é importante para todo o abastecimento energético", diz o perito britânico Vines.
Para ele, a viagem é um sinal de que a França não está a retirar-se de África, mas quer construir "novas e melhores relações", tais como com Angola. A antiga colónia portuguesa no sudoeste da África solicitou a adesão ao grupo de países africanos francófonos e também a adesão à Commonwealth. A enorme República Democrática do Congo, outrora uma colónia belga, é também importante para a França devido aos seus minerais e recursos. Nos últimos meses, Macron já tinha apelado ao país vizinho Congo para resolver o conflito no leste do Congo.
Martina Schwikowski | sq | Deutsche Welle
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