Angola | Poder Judicial Cercado e em Vias de Demolição – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Exalgina Gamboa é alguém que ao longo de pelo menos duas décadas tem servido o Estado Angolano no Executivo e no Poder Judicial democrático. Hoje ainda desempenha o cargo de presidente do Tribunal de Contas. Amanhã não sei. 

Depois de ler uma “nota” da Presidência da República fiquei com uma certeza: Aquele órgão de soberania quer que a meritíssima se demita. E pelo que li numa carta que ela enviou ao Chefe de Estado, quer a jubilação antecipada por razões de saúde. Este diferendo tem a ver com uma condenação na praça pública cuja sentença foi lavrada pelo supremo tribunal Maka Angola, pelo tribunal da inquisição Club K e outros tribunais menores criados pelo mobutismo reinante.

Pessoas que me merecem total confiança dizem que Exalgina Gamboa cometeu irregularidades e até crimes. Seja. Mas é a Procuradoria-Geral da República que tem de provar isso e não o poder judicial do Miala. Mandaram-me ir ver ao supremo tribunal Maka Angola os horrores praticados por Exalgina Gamboa no Tribunal de Contas. Eis o que li. Na mudança de regime, em 1992, uma médica (Fernanda Dias) e duas economistas (Ana Dias Lourenço e Exalgina Gamboa) criaram uma clínica em Luanda. 

Crime! Porque Ana Dias Lourenço é esposa de João Lourenço, na época dirigente do MPLA. Na verdade o partido tinha um presidente (José Eduardo dos Santos) e um secretário-geral (Marcolino Moco) mas ele era uma espécie de faz tudo. Punha a máquina partidária a funcionar. Uma espécie de presidente e secretário-geral executivo, ao mesmo tempo. Sou testemunha disso. A estrondosa vitória eleitoral do MPLA deveu-se em boa parte à espantosa capacidade de trabalho de João Lourenço. Ignorar isto é ingratidão.

A clínica fundada em 1993 hoje é arma de arremesso do supremo tribunal Maka Angola contra Exalgina Gamboa. Por aqui, nada de novo. Nenhum crime. Nenhuma irregularidade. Nada que possa hoje manchar a honra e o bom-nome das proprietárias da clínica. Espero que a Presidência da República não esteja a produzir lixo mediático.

O supremo tribunal Maka Angola revela despesas feitas com a compra de uma moradia “oferecida” a Exalgina Gamboa, na sua qualidade de presidente do Tribunal de Contas. Em nenhum ponto da sentença lavrada pelo condecorado Rafael Marques se esclarece isto muito simples: A casa foi oferecida à magistrada ou é a morada de função? Se é de função, a sentença é uma fraude. Se foi oferecida há que saber quem lha ofereceu e porquê.

O mesmo se passa com as despesas com mobílias. Se a casa é de função, quando a meritíssima cessar funções passa a ser habitada por quem for para o seu lugar. As mobílias ficam. Simples e intuitivo. Se a casa lhe foi oferecida e as mobílias foram compradas com fundos do Cofre da Justiça, a Procuradoria-Geral da República que investigue e acuse com provas. Não se esqueçam das provas! Esta matéria está vedada ao poder judicial do Club K ou Maka Angola.

O condecorado Rafael Marques diz que familiares da presidente do Tribunal de Contas viajaram à custa da instituição. Provem. Os serviços de relações públicas de empresas e instituições púbicas tratam de assuntos dos funcionários. Sejam viagens ou aquisição de bens. Depois pagam. Não vejo nada de ilegal e muito menos percebo por que razão a Presidência da República desceu ao nível do Club K e do Maka Angola. Montaram um cerco mortal a Exalgina Gamboa e agora executaram-na na praça pública. Sou contra julgamentos e execuções extra judiciais. Aliás, sou contra a pena de morte.

Outro tribunal do mobutismo divulgou uma lista de ministros que vão ser exonerados por terem cometido o crime de corrupção. A “nota” é falsa porque os juízes do Miala dizem que os crimes foram apurados pela Inspecção-Geral da Administração do Estado (IGAE). Não terá sido pela direcção do D’Agosto ou pelo director da escola básica do Zango Zero? Em Angola só a Procuradoria-Geral da República trata de crimes. 

O cerco pelos vistos foi alargado a membros do governo. Lamento informar que o titular do Poder Executivo é João Manuel Gonçalves Lourenço. Portanto, também está cercado. Alerta geral! Se o Presidente da República está cercado, estamos todos. Simplesmente porque sua excelência é o presidente de todos os angolanos. Quando eu era miúdo brincava aos polícias e ladrões. Ou aos índios e cobóis. Nunca me passou pela cabeça ver gente adulta brincando aos tribunais e magistrados judiciais. E ao mais alto nível da Nação!

A Federação Russa está cercada pela OTAN (ou NATO) braço armado do estado terrorista mais perigoso do mundo e da União Europeia. Antes da unificação da Alemanha o bloco militar ofensivo e reaccionário estava a quase 2.000 quilómetros de Moscovo. A Noruega, sendo país fundador, cuidou sempre de manter boas relações com a vizinhança.

Após a unificação da Alemanha as forças do Pacto de Varsóvia retiraram da República Democrática da Alemanha e o bolco foi extinto. A OTAN continuou. E em 1999 iniciou um cerco de morte à Federação Russa com a adesão da Polónia, país que tem mais de 200 quilómetros de fronteira com os cercados. Em 2004, entraram no bloco militar Estónia, Letónia e Lituânia. Quase 800 quilómetros de fronteiras com a Federação Russa. 

Finlândia (1340 quilómetros de fronteira com os vizinhos russos) e Suécia (200 quilómetros) vão entrar em breve, segundo anunciou hoje o secretário-geral do bloco militar, banqueiro Jens Stoltenberg. Um cerco de fogo que põe em causa a existência da Federação Russa. 

A Ucrânia já faz parte da OTAN (ou NATO) ainda que tenha entrado pela porta do cavalo. Foi o campo de batalha escolhido para sangrar os russos. Enfraquecer uma das maiores potências militares mundiais com garras atómicas. A fronteira entre este país e a Federação Russa tem 2250 quilómetros. Ao todo, entre 1999 e hoje nasceram quase cinco mil quilómetros de fronteiras com a OTAN. É muito espaço para colocar armas atómicas no nariz dos russos. Um cerco assustador!

A fronteira entre Estados Unidos da América (EUA) e México tem 3.141 quilômetros. Imaginemos que as autoridades mexicanas autorizavam a instalação de armas de exterminação maciça na fronteira com o seu vizinho. Um cerco de fogo e destruição. Qualquer dia pode acontecer que a imaginação seja realidade. Quem com cercos mata, com cercos morre. A guerra toca a todos. E não faltam armas para matar e destruir. 

* Jornalista