quarta-feira, 19 de abril de 2023

Angola | AS VOZES DA RÁDIO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje é o Dia Mundial da Voz e vou aproveitar a data para responder ao desafio de um amigo. Ele acha que devia escrever as minhas memórias. Se ousasse ir por esse caminho, o livro ia ser proibido até no Inferno ou queimado pela associação das viúvas e mal-amadas. Mas não custa nada falar das minhas memórias da Rádio, até para desfazer um equívoco. Um amigo do antigamente ficou com a sensação de que sou contra a distinção atribuída pelo Presidente da República ao meu amigo e colega Francisco Simons. Vou esclarecer tudo.

Ainda estudante finalista do Liceu Salvador Correia fui trabalhar na Emissora Oficial de Angola (RNA) como “assistente literário” que é como quem diz, noticiarista. Na época os radialistas achavam que eram uma casta à parte dos jornalistas. Gostei muito da experiência e mais tarde trabalhei com dois monstros sagrados da Rádio, Pedro Moutinho e Paulo Cardoso, na Voz de Luanda. O meu parceiro principiante era Horácio da Fonseca. 

Os dois conseguimos convencer Paulo Cardoso a admitir o luís Filipe Mota Veiga, mais conhecido por Moninhas e na poesia David Mestre. O senhor Pedro Moutinho era homem de nenhumas falas fora do microfone. E não nos dava a mínima confiança. Mas um dia ouviu o poeta dizer qualquer coisa e foi o fim. Não quero gajos com defeitos de dicção na minha estação! O David Mestre depois apanhou boleia com o Bobela Mota e entrou para a Redacção do ABC. Um dia aziago Paulo Cardoso e Pedro Moutinho zangaram-se e lá se foi a Voz de Luanda, quando batia recordes de audiências! 

Mais tarde trabalhei com os geniais realizadores e produtores independentes na antena da Rádio Eclésia-Emissora Católica de Angola, superiormente dirigida pelo Padre José Maria. Eram eles Sebastião Coelho (Café da Noite), Brandão Lucas (Equipa) e Zé Maria (Luanda) que, juntamente com Artur Neves e João Canedo foi o maior construtor de edifícios sonoros de todos os tempos. Com este lastro fui contratado pela Emissora Oficial de Angola (RNA) como chefe de Redacção, cargo que assumi em paralelo com a realização dos programas A Voz Livre do Povo e Contacto Popular, na Voz de Angola.

O edifício sonoro do Contacto Popular era da responsabilidade de Zé Andrade (ZAN) e de Fernando Neves. Da Voz Livre do Povo eram Artur Arriscado e Manuel Berenguel. Este vosso criado, o realizador. Fui eu que descobri e lancei jovens das Comissões Populares de Bairro na rubrica Kudibanguela, que mais tarde se tornou um programa independente.

No dia seguinte a assumir a chefia de Redacção da Emissora Oficial de Angola, os “exterminadores” (maoistas dos CAC) apresentaram-me uma lista de radialistas e repórteres a sanear imediatamente por terem colaborado com o colonialismo. Recusei. Todos eram poucos para fazermos uma Rádio como se impunha. A reivindicação saneadora chegou à Direcção da estação, liderada pelo comandante Garrido Borges e pelo capitão Alcântara de Melo. 

A chefia de Redacçá0 era tripartida: António Cardoso, o poeta, Manuel Rodrigues Vaz e Artur Queiroz. Quem vamos mandar embora desta lista? Resposta dos três: ninguém! E acabou a reunião. Um dos nomeados para o saneamento era Francisco Simons. Para acalmar os saneadores, expliquei-lhes que a Rádio é um grande espectáculo. E a voz humana é o maior espectáculo do mundo. A voz do Chico Simons era uma marca inconfundível da Emissora Oficial de Angola (RNA). Se ele saísse, o edifício sonoro desmoronava-se. Nunca aceitaram a decisão de não sanear ninguém mas tiveram de aguentar.  

Norberto de Castro, um dos maiores radialista de sempre, abandonou a Emissora Oficial de Angola (RNA) logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Mais tarde apareceu como o homem da Informação da UNITA. Um desgosto quase mortal. Trabalhei com ele no “Paralelo 9” e com ele aprendi alguma coisa do que sei. Um mestre. O meu mestre na UNITA! Desgosto tremendo. Um dia ele contactou-me para avisar que ia levar o Chico Simons. Nem pensar!

Rapidamente fiz do Chico Simons o chefe da reportagem. E como ele gostava muito de grandezas, instalei-o no meu gabinete onde eu nunca tinha entrado. Ficava na Redacção com os outros jornalistas. Os saneadores rebentaram de inveja. E eu, só para chatear, quando ia ao gabinete berrava alto e bom som: - Dá licença, doutor Simons! Nesse tempo editava e realizava o Jornal da Tarde (13 horas). Voz feminina (Luísa Fançony) e voz masculina (Chico Simons) eram marcas da estação. Mais inveja!

A cimeira de Mombaça teve pouca cobertura dos Media angolanos. Eu fui. Mas nem tive direito a um operador de som. Queria levar o Chico Simons mas a direcção recusou. Do Quénia, eu ia directamente para o Alvor. Deixei delineada a equipa: Artur Neves nos botões, Horácio da Fonseca e Chico Simons. Uima maka mundial. Tive de dar uma de chefe para o Chico ir. 

Os botões ficaram à responsabilidade do Humberto Jorge, um jovem talentoso e técnico excepcional. Montou um estúdio no seu quarto de hotel onde fazíamos entrevistas e comentários. Entrávamos em directo no Jornal da Tarde (das 13 horas). Tínhamos dois comentadores de luxo: Aquino de Bragança e Sebastião Coelho. O Aquino tinha ligações muito estreitas com o MFA. E todos os dias comentava o que se passava nos bastidores das negociações. O Sebastião fazia um comentário ao estilo da abertura do Café da Noite. Um sucesso retumbante. 

Chico Simons gostava de se fazer passar por médico. Quando chegávamos a um hotel ele pedia na recepção uma caneta e um papel “para passar uma receita a este amigo”. Depois de escrever dava-me instruções de como tomar o remédio! Sempre que pedia a chave do quarto era tratado por “senhor doutor”. Quando bebíamos uns copinhos, cantávamos em dueto uma modinha de Ataúlfo Alves: “Laranja madura/na beira da estrada/ ou está bichada ó Zé/ou tem marimbondo no pé.” 

Isso de marimbondos foi descoberta do Ataúlfo e do Chico Simons. Ele era uma estrela, sabia que era uma estrela e gostava de ser uma estrela. Sobretudo sabia que a voz humana é o mais belo espectáculo do mundo. E a dele era um espectáculo no clímax do espectáculo radiofónico. Vai daí Sebastião Coelho entrou em choque com Chico Simons. Um dia estava a escrever o editorial do Jornal da Tarde e o genial radialista do Huambo disse-me: - Artur, a partir de agora é o Simons ou eu! 

Sem deixar de escrever respondi com o cigarro Hermínios nos lábios: É ele! O Sebastião ficou tão zangado que nunca mais me falou. Escreveu um livro sobre a Rádio Angolana onde me ataca violentamente. É um marco na minha vida profissional. Poucos mereceram a atenção do Sebastião Coelho. Eu mereci. Obrigado, grande mestre. Foi um prazer trabalhar contigo. Aprender contigo. Beber e rir contigo.

Como posso estar contra a condecoração justamente atribuída ao Chico Simons? Impossível. Porque um bocadinho daquela distinção também me pertence. E pertence às grandes jornalistas da minha Redacção: Maria Dinah, Graça D’Orey, Catarina Gago da Silva, Isabel Colaço e Conceição Branco (Leoa Tatão). Em 1974 eu já estava na paridade de género. Os homens da minha equipa fabulosa eram Pena Pires, Quinta da Cunha, Anapaz e Vítor Mendanha. Mais o inigualável José Mena Abrantes.

Em 1975, os homens passaram a ser mais que as mulheres, quando entrou o João Melo. A condecoração do Chico Simons é um pouquinho destas e destes profissionais fabulosos com quem tive a honra de trabalhar. Mais a nossa Concha de Mascarenhas, uma espécie de maestra que até tratava da regência de estúdios. E o sonoplasta acima dos deuses, Artur Neves.Fomos todos condecorados pelo Chefe de Estado. Obrigado pela parte que me toca. 

Naquele tempo tinha muito cuidado com o espectáculo. Por isso as vozes eram escolhidas com critério. Rui de Carvalho aceitou ser a âncora do Desporto. Fazia narrações desportivas soberbas com uma única rede de protecção, os comentários do Franco. Alarguei esta ancoragem com o Chico Simons. Em pouco tempo estava entre os melhores narradores desportivos da Rádio Angolana. A voz humana é o mais belo espectáculo do mundo. A Emissora Oficial de Angola era espectacular porque tinha vozes na narração desportiva da dimensão do Rui de Carvalho, Manuel Berenguel e Chico Simons. 

As vozes femininas eram soberbas. Mil vezes melhores do que as dos homens. Não vou distinguir nenhuma, porque todas eram excepcionais. Mas quando eu estava à rasca pedia à Conchinha para puxar das pistolas de oiro e ir à antena. Que grandeza! Quando ela ia ao microfone era o Dia Mundial da Voz. Se as notícias eram empolgantes, a minha voz favorita era a do Manuel Berenguel: Manel mete molho nas palavras! E ele esmagava. Naquele dia inesquecível fomos todos condecorados com o Simons, o Rui de Carvalho e a Luísa Rogério.

Ontem as ruas de toda a Angola foram invadidas por milhões de jovens manifestando-se pela paz e a reconciliação nacional. O povo falou muito alto. Ao mesmo tempo, os membros da associação de malfeitores UNITA sabotavam os postes de energia, partiam, estragavam, destruíam equipamentos públicos. O Abílio Camalata Numa dizia que o MPLA trouxe mercenários para Angola (cubanos e soviéticos). Ele só reconhece o Estado de Angola quando o Galo Negro estiver sozinho no poder arrastando para as fogueiras as nossas elites femininas.

Reconciliação Nacional com os donos dos Gangsta, Man Gena, Numa, Wambu, Chivukuvuku e outros bandidos internacionais é impossível.  

O padre excomungado, terrorista e deputado da UNITA Raul Tati publicou no Correio Angolense um texto onde me insulta e ameaça. Respondi à altura, no mesmo espaço. Nada. Mandei ontem esta mensagem a Graça Campos, o testa-de-ferro daquela sarjeta: Até agora esse pasquim infecto não publicou a minha resposta ao excomungado e terrorista Raul Tati. Pelos vistos, continuas bêbado, irresponsável e assassino do jornalismo”. Não dou mais confiança a bandidos. 

*Jornalista

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