segunda-feira, 22 de maio de 2023

Polícia deteve jovem com cartazes. Ativistas pedem liberdade de expressão

MOÇAMBIQUE

A polícia moçambicana deteve durante 20 horas um jovem na cidade de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, por estar na rua com cartazes de protesto, uma detenção contestada por ativistas e denunciada nas redes sociais.

Milo Samuel foi detido na sexta-feira na primeira esquadra de Pemba e restituído hoje à liberdade, depois da mobilização de ativistas que levaram um advogado até à esquadra.

Milo saiu sem prestar declarações, conduzido pela polícia para um veículo em que foi levado a casa.

“Não quero mais ser deslocado” lia-se num dos cartazes empunhado por Milo Samuel numa das principais ruas de Pemba, numa alusão a cerca de um milhão de pessoas que tiveram de fugir para aquela cidade e para outros locais devido aos ataques armados no interior da província.

Noutro cartaz estava escrito “Nós queremos eleições distritais”. O sufrágio foi adiado por iniciativa da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder.

Abudo Gafuro, ativista social que acompanhou o caso, descreveu que havia ainda outros dois cartazes em que o jovem se queixava da dificuldade em ter emprego, porque lhe exigiam sempre alguma experiência, e em que escreveu que para ter uma oportunidade é preciso ser membro partidário.

“Estão a tentar silenciar a sociedade civil”, referiu o ativista, ao comentar a ação da polícia, lançando um apelo “para que haja abertura, liberdade de expressão e de manifestação”.

Abudo Gafuro questiona se é crime “manifestar-se livremente, obedecendo às regras e normas da Constituição e do seu artigo 51”.

“Há alguns que não estão à vontade, nem confortáveis com isso”, sublinhou.

A polícia em Pemba remeteu esclarecimentos para um momento oportuno, referindo apenas que Milo Samuel não obedeceu a procedimentos legais para efeitos de uma manifestação pública.

Este é um dos argumentos com que a polícia moçambicana impede sistematicamente qualquer sinal público de protesto, apesar de sucessivamente contestada - a última das vezes pela procuradora-geral da República (PGR), Beatriz Buchili, que há um mês disse no parlamento que “o direito à manifestação está constitucionalmente consagrado como um direito fundamental” e “o seu exercício não pode ser limitado ou condicionado”.

Na altura, a PGR falava no contexto de um dos mais graves incidentes de repressão policial dos últimos anos, em que dezenas de agentes dispararam gás lacrimogéneo e balas de borracha contra marchas pacíficas, previamente autorizadas, em Maputo e capitais provinciais, de homenagem ao ‘rapper’ Azagaia.

Em Cabo Delgado, o facto de haver ataques armados na província tem sido outro argumento usado pelas autoridades para impedir manifestações, mas os ativistas dizem que a justificação não faz sentido.

“Não podemos estar toda hora a generalizar, a dizer que Cabo Delgado está com problemas: não há nenhum terrorista que tome a iniciativa de vir para a praça pública manifestar-se”.

“Ele é ativista”, sublinhou, referindo-se a Milo Samuel.

Ali Caetano, outro ativista que acompanhou o caso, fala de um encerramento do espaço cívico, em que “já não há espaço para as pessoas poderem conversar”.

“Isto vai fazer, claramente, com que as pessoas se afastem de processos democráticos”, concluiu.

A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

A insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021 com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.

Além de um milhão de deslocados, o conflito já provocou cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

Sapo | Lusa

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