quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Portugal | Moção impossível

Vítor Matos, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia!

Começo por lhe fazer um convite: hoje às 14h00 "Junte-se à Conversa" com João Silvestre, Isabel Vicente e David Dinis sobre se "O BCE foi longe demais? E o Governo faz a menos?". Inscreva-se aqui.

Cavaco Silva, que nem teve tempo de fazer oposição porque implodiu o Bloco Central quando chegou à liderança do PSD, nunca esteve nessa terrível posição política, mas aconselhou Luís Montenegro, num discurso em maio, sobre a arte de bem se opor: “As moções de censura servem os interesses do PS, servem os erros da sua governação”, disse o ex-Presidente num discurso em que sugeriu a António Costa para se demitir.

O líder do PSD, bom aluno do professor, assimilou a lição e absteve-se na moção que o Chega apresentou ontem contra o Governo. É verdade, Cavaco tinha razão. Se a moção de André Ventura serviu a alguém foi ao primeiro-ministro, que assistiu de bancada à competição da direita sobre quem bate mais depressa na parede. O exercício parlamentar serviu para Ventura ter tempo de antena e ganhar ainda mais lastro nas redes sociais, a capitalizar a imagem de verdadeira oposição contra o PSD, enquanto Luís Montenegro se passeava em trabalho político por Santarém para desvalorizar a tarde da gritaria venturista em São Bento.

“Na
bancada do Governo, António Costa ria-se perante os ataques de Ventura aos liberais e perante o espetáculo da direita a digladiar-se”, escreveu a Rita Dinis na crónica do debate da moção impossível, aprovada apenas pelo Chega e pela Iniciativa Liberal, no quadro de um Governo de maioria absoluta. Pode ler aqui todo o direto do debate.

Claro que, se estiverem folgados, os governos ganham sempre este tipo de confrontos. Na tarde de ontem, como se fosse um debate quinzenal - a propósito, por causa da moção, o regresso dos quinzenais ficou adiado para dezembro - o primeiro-ministro deu duas notícias importantes: no Conselho de Ministros da próxima semana, o Governo (João Galamba?), anunciará o enquadramento legal para a privatização total do capital da TAP e revelou que afinal o salário mínimo não será taxado em sede de IRS, como as Finanças tinham admitido. Um recuo, que serve de boia num tema onde o Governo parecia acometido de um ataque insensibilidade social.

Mais um momento disruptivo causado pelo Chega, que leva a direita a refletir sobre os caminhos do seu futuro. A este propósito, recomendo a leitura da newsletter do David Dinis, Observatório da Maioria, onde ele faz uma pergunta e apresenta argumentos sobre o tema. Leitura obrigatória: “A direita moderada pode ignorar o Chega? Pode e deve (cinco estudos para convencer os céticos)”. O texto serve para céticos e não céticos.

No podcast Expresso da Manhã de hoje, o Paulo Baldaia fala exatamente com o David Dinis sobre o que diz o debate da moção de censura sobre a direita que temos hoje em Portugal.

Esclarecedor. Um gesto que vale mais que milhares de palavras. Nazi-Fascismo.

OUTRAS NOTÍCIAS

Noutra assembleia, na Assembleia Geral das Nações Unidas, Marcelo Rebelo de Sousa falou aos grandes, mas nem todos os grandes estavam, porque os líderes do Reino Unido, França, Rússia, China e Índia não foram reunião magna da ONU. O presidente português fez um discurso crítico sobre a sempre adiada reforma do Conselho de Segurança, “que corresponde a um mundo que já não existe”, disse Marcelo a esse mundo. “Ano após ano nós prometemos. É tempo de cumprir.”

Entre os outros líderes mundiais, destaque para a intervenção de Volodymyr Zelensky, que apontou como “clara” a “tentativa da Rússia de transformar a escassez de alimentos em arma no mercado global”. Veja aqui todo o direto do Expresso sobre o que se passou em Nova Iorque. O Presidente ucraniano disse que “temos de agir unidos para derrotar o agressor”.

Enquanto António Guterres, secretário-geral da ONU, criticou a Rússia pela invasão da Ucrânia e descreveu o aquecimento global como a “ameaça mais imediata ao nosso futuro”, o presidente norte-americano Joe Biden acusou a Rússia de comprometer a paz no mundo. Lula da Silva, colocou o foco nas desigualdades, no ambiente e na insegurança alimentar.

Victor Ângelo, antigo representante português do secretário-geral da ONU adverte para “a necessidade de reforçar as Nações Unidas em vez de as fragmentar” e elogia Guterres.

Na Líbia, uma semana e meia depois da tragédia se ter abatido sobre a região oriental daquele país, milhares de pessoas continuam desaparecidas. A comitiva das Nações Unidas em Derna alertou, entretanto, que um surto de doenças poderá criar “uma segunda crise devastadora”. O povo acusa as autoridades de corrupção. Veja aqui o trabalho em vídeo do Rúben Tiago Pereira.

O primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau denunciou ontem o Governo indiano de Narendra Modi por um suposto assassínio político ordenado por Nova Deli: conheça a história da morte que pôs o Canadá e a Índia em pé de guerra.

Na frente nacional, “Chega nunca, nunca, nunca”, repete várias vezes Alberto João Jardim, nesta entrevista ao Expresso conduzida pelo João Diogo Correia, que está a cobrir as eleições regionais do próximo domingo na Madeira. O ex-quase-eterno presidente do Governo Regional considera o acordo de coligação do PSD com o CDS a única saída possível, “sem dramas”, embora admita “tristeza”. Sobre um eventual regresso de Passos Coelho, responde: "Diga-me qual é o país onde tenho de me exilar." E deixa avisos a Luís Montenegro.

A última sondagem conhecida afasta os receios de Jardim. Miguel Albuquerque pode mesmo nunca precisar do Chega: a coligação Somos Madeira (que junta PSD e CDS) reúne entre 47% e 53% dos votos dos inquiridos, de acordo com os dados recolhidos pela Universidade Católica Portuguesa para a RTP. Logo a seguir surge o PS, que poderá ter entre 20% e 26% dos votos, e o Chega e o Juntos Pelo Povo (JPP), ambos com uma variação entre os entre 5% e 9%.

O Expresso foi a Gaula, a freguesia onde o Juntos pelo Povo nasceu, à boleia de dois irmãos, hoje em barricadas opostas, e um pai taxista. Nas sondagens, o partido é dado como possível terceira força política madeirense, mas alguns militantes desertaram depois de uma polémica com a composição das listas ter levado à demissão do presidente.

No âmbito da Operação “Tempestade Perfeita”, o ex-ministro da Defesa João Gomes Cravinho, atualmente nos Negócios Estrangeiros, respondeu por escrito a 25 perguntas do Ministério Público e empurrou as responsabilidades pelo acompanhamento da derrapagem nas obras do Hospital Militar de Belém para o seu secretário de Estado Jorge Seguro Sanches. O “Público” de hoje noticia que “Cravinho sabia de outro processo contra ex-diretor quando o nomeou para a Empordef”.

Portugal está disponível para acolher migrantes de Lampedusa. O Governo português comunicou a Itália disponibilidade para acolher alguns dos migrantes que desembarcaram nos últimos dias em Lampedusa. Número ainda está em aberto.

A propósito, não perca esta reportagem multimédia da Marta Gonçalves, sobre o cemitério da Europa no Mediterrâneo: “Nada disto que estamos aqui a fazer é normal” é o título de um trabalho que explica como há pelo menos duas pessoas que morrem diariamente nas travessias. A União Europeia deixou de ter missões de resgate, sobram apenas voluntários. Esta é a história da AK 2008, a missão de setembro de 2020 do navio de salvamento e resgate civil Alan Kurdi, da organização não governamental Sea Eye. O Expresso esteve 36 dias a bordo.

Sobre o medo e o riso, sim, mas Ricardo Araújo Pereira também discorre chatamente sobre alguns mitos gregos e conversa com a professora brasileira Verena Alberti sobre o que distingue animais, humanos e deuses. “Perante uma coisa horrível, rir é o melhor remédio. Não é possível rir e ter medo ao mesmo tempo”. Ouça aqui o segundo episódio do podcast 'Coisa que não edifica nem destrói'.

Uma boa notícia: a inflação europeia foi revista em baixa e fixou-se nos 5,2%. Ao contrário do inicialmente estimado, a taxa de inflação na zona euro abrandou em agosto (a primeira estimativa apontava para uma estagnação nos 5,3%, valor registado em julho), indicam os dados do Eurostat, divulgados esta terça-feira.

O PRR português não será dos que preocupa mais Bruxelas. A Comissão Europeia alerta para risco de alguns atrasos, mas há nove países com riscos crescentes, atrasos significativos ou significativamente atrasados. Portugal é dos seis países mais avançados no recebimento dos cheques da ‘bazuca’ europeia.

“Galeno voou”, escreveu o Hugo Tavares da Silva na crónica do jogo, “um Galeno imparável como o vento e um FC Porto que já se reconhece diante do espelho”. A equipa portuguesa estreou-se na Liga dos Campeões com uma vitória, por 3-1, na casa emprestada aos ucranianos do Shakhtar Donetsk em Hamburgo, na Alemanha. Galeno fez dois golos e uma assistência para Taremi, que vai recuperando a sua melhor versão. Para Sérgio Conceição, “é importante realçar que nem estava tudo mal e que agora nem tudo está bem”.

FRASES

“O Presidente da República chamou gorda a uma senhora que estava a sentar-se e foi atraído pelo generoso decote de outra e em ambos os casos usou a ironia que – com enorme sucesso, aliás – sempre usou Marcelo. (...) Mas, como tantas vezes já disse, o Presidente da República comete erros graves por não meter na ordem Marcelo Rebelo de Sousa. Este é mais um exemplo.”
José Miguel Júdice, no comentário “As Causas”, na SIC-N

“O Chega sabe bem que não há – nem haverá – qualquer bloco à direita em que possa participar. A alternativa ao PS existe e é o PSD. Sozinho, de preferência.”
José Matos Correia, advogado, ex-vice-presidente do PSD, no Expresso

“No mundo mágico que nos oferecem, o BCE não aumentava as taxas de juro, os governos continuavam a meter-nos dinheiro no bolso e, magicamente, a inflação diminuía e a economia e o emprego cresciam. Melhor do que isto só mesmo aquela criança que, quando os pais dizem que não têm dinheiro, lhes responde ‘vai ali à parede tirar’. É lamentável que alguns protagonistas políticos tenham a irresponsabilidade, sem peso na consciência, de alimentar esse pensamento mágico, em vez de aproveitarem a oportunidade para explicar os efeitos da inflação e de como é muito mais nefasta do que a subida dos juros.”
Helena Garrido, jornalista, no Observador

“A Rússia acredita que o mundo se vai cansar e permitir que brutalize a Ucrânia sem consequências. Poderá algum Estado-membro sentir que está protegido?”
Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, na Assembleia-Geral das Nações Unidas

O QUE ANDO A LER

A edição original tem mais de 20 anos, mas o livro merece ser lido com olhos de hoje. “Estalinegrado” (Bertrand), do historiador britânico Anthony Beevor - que nos descreve os horrores da “Ostfront” alemã ou da Grande Guerra Patriótica soviética contra a invasão nazi -, é um ponto interessante de observação no passado, para olharmos hoje a guerra da Rússia contra a Ucrânia. A batalha por Estalinegrado, hoje Volgogrado, foi de uma crueldade sem nome, mesmo para os parâmetros criminosos difíceis de igualar por nazis e estalinistas. Beevor dá-nos não só a perspetiva estratégica da batalha, como as questões políticas do lado de Hitler e de Estaline, mas também a visão dos generais, dos oficiais, dos soldados e do povo. E vai pontuando a narrativa com detalhes quotidianos e desabafos de militares nas suas cartas para casa ao um nível micro, que ajuda à empatia que os números massivos de mortos e feridos não dão.

A galeria de sofrimentos humanos de ambos os lados, como as mortes aos milhares de soldados por congelamento (sobretudo do lado alemão), por fome, tifo, desinteria, somados aos horrores da guerra - é repetitivo, mas que palavra é que uma pessoa usa para descrever “aquilo” que aconteceu “daquela” maneira? - atingiu níveis de desumanidade apocalípticos, para além do confronto entre exércitos. Dois regimes abomináveis, dois líderes abomináveis e criminosos, tornaram abomináveis tantos dos homens que mandaram matar e morrer na frente: os milhares de soldados fuzilados de ambos os lados às mãos dos próprios compatriotas por razões políticas ou apenas banais conseguem ser mais chocantes do que as torturas por que passaram os prisioneiros às mãos do inimigo.

De forma simplista, o que podemos trazer para os dias de hoje, onde muitas daquelas terras continuam a escorrer sangue, é que o papel se inverteu. A Rússia agora é que invadiu, e os soldados russos sofrem como os alemães há 80 anos, numa terra estrangeira, mal equipados, mal preparados, e com comandantes que desprezam a vida humana e olham para as suas tropas como carne para canhão.

De facto, há uma constante: a Rússia deu um contributo de sangue decisivo aos aliados (26 milhões de mortos) para ganhar a guerra contra os nazis, porque tinha uma fonte inesgotável de jovens para mandar morrer. Hoje, os relatos de soldados russos enviados como carne para canhão contra as forças ucranianas encaixam na mesma filosofia, mas terá Putin, nos dias que correm, os mesmos instrumentos de Estaline para manter o povo dominado? O terror não funciona da mesma maneira em dois tempos diferentes. É uma das coisas em que Beevor, sem o dizer ou adivinhar nos leva a pensar.

PODCASTS A NÃO PERDER

As alterações climáticas não vão transformar a nossa vida nas próximas décadas. Já estão a fazê-lo. Para falar sobre os seus efeitos e sobre o que ainda é possível fazermos em relação a eles, Daniel Oliveira recebe Vera Ferreira, no podcast Perguntar Não Ofende

A arte de governar para totós: quem assombra o fantasma de Cavaco? E o do BCE? Nesta Comissão Política relemos a aula, o silêncio dos alunos e pauta dos políticos para responder ao novo aumento de juros do BCE

Karina Xavier, cientista: Com uma amostra de fezes “temos informação completa da saúde de uma pessoa” Em entrevista ao podcast O futuro do futuro, a investigadora fala da importância do intestino, mas também da alimentação da era industrial, que está a levar à extinção de várias espécies de micróbios.

Hoje fico por aqui, tenha um bom resto de semana e continue a seguir a atualidade por aqui, através do Expresso e da Tribuna.

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