Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Estamos a quatro meses das eleições legislativas marcadas pelo presidente da República. A situação política é pantanosa. O regime democrático poderá não estar em causa, contudo, não se pode cair na ilusão de que a democracia está salvaguardada pelo “dar a palavra ao povo sem temores”. Neste tempo que temos pela frente, há que travar uma luta forte pela democracia tendo como foco as respostas aos problemas das pessoas. Sobre emprego e salários, saúde, educação, segurança social, habitação, ou o combate à emigração exigindo-se compromissos claros. Por certo, nenhum partido terá maioria absoluta, logo, os partidos mais pequenos e os seus programas reforçam a sua importância.
Sabemos de onde partimos. Primeiro, no nosso país, como na generalidade dos países da União Europeia, há um crescendo de desconfiança na democracia face à execução de políticas que se distanciam das respostas aos problemas concretos das pessoas. A cedência às imposições da financeirização da economia cava injustiças e desigualdades, bloqueia o futuro da juventude.
Segundo, os que mais gritam contra a corrupção não a querem combater, até porque alguns nasceram de promiscuidades com interesses privados suspeitos. Querem, sim, gerar a perceção da generalização da corrupção para abrir espaço a regimes autoritários e retrógrados.
Terceiro, existe uma postura de embasbacamento, de parte de quadros e dirigentes do Partido Socialista, perante relações e negócios com grandes interesses privados. Deslumbram-se com o mano a mano com grandes capitalistas. Independentemente de poderem ser ou não ser criminalizáveis, tornam-se vulneráveis a acusações de compadrio e de esquecimento dos interesses dos portugueses e do país.
Quarto, o Ministério Público, cujo papel e funções atribuídas pela Constituição da República devem ser valorizados e defendidos, evidenciou perigosas lacunas procedimentais. Agora, se não for capaz de estancar a informação especulativa e, por outro lado, se o sistema de justiça não agir com celeridade, ser-lhe-á imputada uma intenção atentatória da democracia.
Quinto, mesmo admitindo que a situação gerada pela demissão do primeiro-ministro poderia conduzir à convocação de eleições, há um facto que não pode ser secundarizado: o presidente da República agiu a partir de uma ideia pessoal, tipo comentário político, expressa aquando da posse do Governo, e não em função do que está inscrito na Constituição da República.
Estamos em tempo de luta redobrada pela democracia. A extrema- -direita não respeita as instituições e valores democráticos. A Direita (mesmo democratas que existem no seu seio) continua fazendo de conta que não há perigos para a democracia, nem de avanço do fascismo. Para iludir as pessoas refugia-se numa falsa equidistância entre extremos. O que catalogam de extrema-esquerda são forças comprometidas profundamente com o regime democrático e com o funcionamento das suas instituições.
O atual Governo tem cinco meses de vida pela frente. É sua obrigação governar. É preciso retomar com força, ou implementar, negociações laborais e profissionais em todos os setores e áreas em que há problemas acumulados.
À Esquerda parece mais claro que nunca não existir espaço para o Partido Socialista vir com a demagogia de que o seu reforço é a barreira à extrema-direita. Só haverá solução à Esquerda se cada uma das forças desse campo afirmar as suas propostas de forma clara, sem sectarismos e com elementos de convergência geradores de esperança.
* Investigador e professor universitário
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