quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Angola | Lançai Fogo Sobre o Cronista – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Fogo é o ladrão que rouba tudo e não deixa nada. Comigo aconteceu mas salvei-me (a minha vida secundária), salvei o computador portátil (a minha primeira vida) e o livro que ando a ler e estudar há quatro meses. É uma antologia de textos publicados no jornal “A Batalha” escritos por Mário Domingues e que tem o sugestivo título “A Liberdade Não Se Concede Conquista-se. Que a Conquistem os Negros”. Eu, o portátil e um livro! Eis o retrato de um resistente feliz da vida por ser também sobrevivente. 

Os bombeiros nada puderam fazer. E os peritos da Polícia Judiciária investigam se o incêndio resultou de um acidente ou há mão criminosa. Isto com os bandidos da UNITA e os da Brigada da Juventude Revolucionária (BJR) à solta, nunca se sabe. De esquadrões da morte, fogo posto e sabotagens eles sabem tudo. O General Fernando Garcia Miala tem fama de ter sido um quadro muito activo das brigadas. Jamba e Kinkuzu fazem uma mistela explosiva de banditismo encartado.

Os meus livros ficaram em cinzas. Muitos eram edições raras. Angola, Angola e mais Angola. Imaginem a colecção completa dos boletins do Instituto de Angola reduzidos a cinzas. Vou mandá-las para Adalberto da Costa Júnior. Ele sabe como triturá-las e lançar os restos ao vento. A vida de um resistente é cada vez mais difícil. 

Numa manhã de sombras e angústias de origem duvidosa a Rádio deu a notícia: Morreu Dolores Duran. Hoje eu quero a rosa mais linda que houver e a primeira estrela que vier. Sou resistente ou sobrevivente? Sou as duas coisas. Que peso!

Agora vou ver os elefantes que se passeiam pela cidade antes de rumarem ao cemitério. Mas deixo-vos na companhia do poeta Malaquias:

O teu amor Weza 

é vinho doce que magoa

kapuka que me alucina

colina de olhos verdes

eternamente aprisionada

ao feitiço do Cassai:

Quando todas as portas

ficarem eternamente abertas

no céu eu vou dormir.

Muílo mungúia, Weza!

Vou mesmo dormir no teu céu.

 

Na pedra da tristeza

À cabeceira da sepultura

desenhem um coração alado

para depois da minha morte

ele voar desenfreado

até ao retiro do paraíso

onde pastoreamos nossos mundos.

:Quando todas as portas

ficarem escancaradas

no céu eu vou dormir. 

Muílo Munguía, Weza! Muílo hé hé!

Dormir no céu, Weza! Languidamente no céu!

* Jornalista

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