Artur Queiroz*, Luanda
Um padre que passou por Angola
(Igreja Sagrada Família) foi à Universidade de Vincennes recrutar estudantes
para ensinarem a Língua Portuguesa a filhos de emigrantes portugueses que
residiam na comuna de Puteaux. Uns moravam
Um sofrimento terrível. Além de viverem em tugúrios, as crianças estavam mal alimentadas. Comiam massa enriquecida com latas de comida para os cães. Passavam os dias entregues a si próprias, porque os pais trabalhavam de manhã à noite. Eles na construção civil e elas como mulheres-a-dias. Uma tragédia humana.
Eu fazia biscatos em cafetarias e vendia a última edição do jornal France-Soir entre a Opera e o Palais Royal. Um esforçado ardina. Tinha uma cliente que me pagava à semana. Mas sempre muito mais do que devia. Um dia, perto da Páscoa, meteu 100 francos num envelope. Mas devia pouco mais de 20! Junto da Cidade Internacional Universitária, onde vivia, existia uma “grande superfície” que estava a fazer propaganda das iguarias próprias da época, sobretudo chocolates. Gastei metade do dinheiro nessas iguarias e no sábado fui dar aulas às minhas crianças. No intervalo expus as iguarias na mesa e convidei-as a servirem-se.
Um sofrimento terrível. A reacção de felicidade daquelas crianças comoveu-me tanto que não contive as lágrimas. Elas momentaneamente felizes e eu chorando. Um menino perguntou-me porque chorava. E eu disse que estava com uma tremenda dor de dentes. Continuei a dar aulas de Língua Portuguesa às crianças até às férias grandes. Mas depois desisti. Não aguentava aquele contacto semanal com tanta miséria. Uma cobardia é verdade. Mas estava a ir-me abaixo. A minha saúde mental corria perigo.
Mais de 50 anos depois, um homem
afegão, cansado de esperar, tentou matar o professor que lhe ensinava a Língua
Portuguesa,
Este homem estudou na universidade. É engenheiro informático. Quando o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) se saciou de sangue, abandonou o Afeganistão. O homem que não sabe esperar fugiu com a esposa e três crianças. Ficou preso no campo de concentração de Lebos, na Grécia. Um dia alguém pegou fogo às tendas e a jovem mulher morreu queimada, como as elites femininas da UNITA morreram nas fogueiras da Jamba. Ele ficou com três crianças. A mais velha ainda não tem dez anos!